Pesadelo Verde

Famílias compraram “título de clube” ao invés de um terreno

Não bastasse adquirir terrenos em loteamentos considerados irregulares pelo IAP, as pessoas que compraram terrenos nos condomínios Viridi Viam Home Hotel, em Almirante Tamandaré, e Espaço Ambiental Home Hotel, em Tijucas do Sul, tiveram outra decepção. Como assinaram um documento dentro de um cartório, que achavam ser um contrato de compra e venda, elas acreditaram que estavam registrando a matrícula do imóvel, quando na verdade, assinaram um contrato de time sharing, que é diferente de ser proprietário de uma casa ou terreno.
Esta modalidade de contrato é utilizada por vários clubes de férias ao redor do mundo, em que a pessoa compra um título, em troca de poder usufruir as instalações por períodos determinados no ano (por isto o nome time sharing, que do inglês, significa partilha de tempo, ou tempo compartilhado).

No contrato de um dos clubes de férias mais conhecidos do País, por exemplo, a pessoa tem o direito de alugar os imóveis (casas, apartamentos, pousadas e hotéis) pertencentes à rede por 7 ou 14 dias na alta temporada (de dezembro a fevereiro) e 30 dias ou livre em outras épocas do ano, dependendo do título escolhido. A diferença destes clubes para os contratos dos condomínios Viridi Viam e Espaço Ambiental é que os compradores adquiriram o direito de usufruir do título “ininterruptamente” por 12 meses ao ano, sem limitação de dias ou temporadas.
“O problema é que, durante a negociação, o vendedor, nem ninguém do Grupo Pedra (incorporadora que comercializa os dois condomínios), explica direito que está sendo vendido é um título de clube de férias. Todos (os clientes) entendem que é um terreno em condomínio e haverá o devido registro na matrícula do imóvel”, disse um investidor do Espaço Ambiental Home Hotel.

A Tribuna procurou um dos vendedores. Por telefone, ele até citou o time sharing. A reportagem pediu que ele explicasse o que era, mas ele preferiu mandar por e-mail as explicações e os prospectos dos loteamentos. De fato, mandou um exemplo de contrato de time sharing, mas sem explicar exatamente o que era ou como funcionava. Como é uma modalidade de negócio desconhecida para a maioria das pessoas, os compradores acharam que as cláusulas do time sharing eram regras de construção das casas e convivência no condomínio. Por falta de conhecimento, não entenderam que não estavam comprando um imóvel. E também por falta de mais empenho dos vendedores em explicar o que estava sendo vendido, formou-se o equívoco.

Texto confuso

Numa leitura atenciosa a um destes contratos de time sharing (que em alguns trechos, fala de legislação hoteleira, como se fosse um empreendimento desta área), há várias cláusulas que causam estranheza. Uma delas, por exemplo, é a cláusula 14, inciso VI (detalhe abaixo), que diz: “desocupar na data e horários previstos a unidade habitacional”. “Quer dizer, a pessoa investe dinheiro para comprar o terreno e para construir e quando a administração do ‘condomínio‘ bem entender você tem que desocupar o local, como se o seu tempo de direito de uso sobre aquela unidade esteja encerrado? O que é isso?”, esbravejou uma das vítimas, que também observou no contrato a exigência de que cada residência não tenha ocupação superior a 12 pessoas. “Não posso nem fazer uma festa de aniversário?”, questionou.

Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Luciano Penteado, especialista em Direito de Uso, os contratos de, time sharing oferecido aos compradores de lotes no Viridi Viam Home Hotel, em Almirante Tamandaré, e do Espaço Ambiental Home Hotel, em Tijucas do Sul, são uma mistura de categorias jurídicas distintas. Ou seja, ora fala de regras de condomínio, versa sobre lotes e diretrizes de construção das casas, dita regras do time sharing, ora cita uma espécie de clube rural de campo. “Muito mal especificado”, analisou o professor, sem saber dizer, ao final da leitura de alguns contratos, do que exatamente se tratavam exatamente os documentos. “Se um especialista nesta área ficou confuso, imagina pessoas que compraram os lotes nestes condomínios, que não são profissionais do Direito. Foram enganados com facilidade”, analisou a advogada Paula Pires, que denunciou as irregularidades a vários órgãos públicos.
O professor explica que, uma das características do time sharing é o compartilhamento do tempo de uso sobre determinado imóvel. Ou seja, várias pessoas, de forma associada, podem ser donos daquele mesmo imóvel. Podem até dividir os custos daquela obra. E para que possam usufruir dele, definem em qual período limitado de tempo cada associado vai utilizá-lo. O tempo que cada um ficará no imóvel depende de acordo entre os associados, que além de quantificar o período (em dias, semanas, meses ou até anos), definem como será a ordem de ocupação (por sorteio, pela ordem alfabética dos nomes, enfim, qualquer tipo de convenção entre os associados, que beneficie todos).

No entanto, os contratos do Viridi Viam e do Espaço Ambiental dizem que o tempo de uso compartilhado é de 12 meses por ano, ininterruptos e vitalícios. “Isso não é característica de time sharing (porque diz que o uso do lote é para sempre, pela mesma pessoa, a não ser que ela venda o título a outro). Além disso, o contrato não diz como será a distribuição do tempo entre os associados”, analisou Penteado.

Ele também percebeu outra característica que não é do time sharing, que é o fato do contrato estar atribuindo um determinado lote a apenas um associado (e não a vários, como seria o princípio do compartilhamento). “Pessoas até podem se unir e, associadas, construir uma casa. Mas precisam determinar em qual tempo vão ocupa-la. Uma pessoa sozinha comprar um lote (como está especificado logo no começo do contrato), construir e ocupar é loteamento, não time sharing”, explicou o professor.

O professor ainda encontrou outra irregularidade nos contratos. Uma das cláusulas fala de “reserva de domínio”. Só que esta modalidade de contrato só é feita com bens móveis (por exemplo, a compra de um carro, que a pessoa faz um leasing e, só depois que paga a última parcela é que o bem é transferido para o seu nome). No caso de imóveis, não existe a reserva de domínio e o documento correto a ser usado é o compromisso de compra e venda. E ao que tudo indica, a nenhum dos compradores do Viridi Viam e do Espaço Ambiental foi proposto este tipo de compromisso. Além disto, no contrato, os compradores são chamados de “cessionários do direito de ocupação”, que significa que a incorporadora está vendendo uma posse, não um imóvel.

“Eu vejo que é um contrato irregular com cláusulas nulas. A empresa está fazendo a venda de um produto imobiliário pelo sistema time sharing, sem observar as leis de loteamento, mas também sem ser um time sharing. Não há segurança nenhuma que o empresário conseguirá fazer o que está prometendo aos compradores. E a pessoa que compraram só tem a promessa de que aquilo será um condomínio ou um clube”, analisou o especialista, dizendo que o contrato não mostra nada de concreto, apenas uma promessa.

Hoje o professor Luciano Penteado analisou o contrato de time sharing. Confira amanhã as explicações dele sobre por que o Viridi Viam e o Espaço Ambiental não estão reconhecidos juridicamente como loteamentos.

Maquiando a documentação

Uma das irregularidades que uma das vítimas lesadas constatou depois de comprar um terreno no Viridi Viam é a forma como o empreendimento é registrado na Junta Comercial do Paran,á. Ao invés de “condomínio”, ou “associação de moradores”, a atividade informada é “hotel”.

Luciano Penteado explica que abrir um loteamento em área rural exige licenças ambientais de órgãos em três esferas: municipal, estadual e federal. Se o imóvel está em área de preservação ambiental, como estariam o Viridi e o Espaço Ambiental, é indispensável licença do Ibama.
Já para a construção de um pequeno hotel, o IAP dispensa a autorização, fornecendo um documento chamado Dispensa de Licenciamento Ambiental Estadual (DLAE). E para, possivelmente, enganar o IAP, os administradores dos condomínios Viridi Viam e Espaço Ambiental solicitaram o DLAE prestando informações falsas, dizendo que os empreendimentos serão hotéis com apenas 30 ou 40 leitos, cerca de cinco funcionários e no máximo dois mil metros construídos, ou seja, empreendimentos de baixíssimo impacto ambiental para o tamanho da área.

Porém, segundo o IAP, como a DLAE para pequenos hotéis não necessita de inspeção ao local e é apenas um procedimento feito diretamente no sistema, o documento foi emitido em maio deste ano para o Espaço Ambiental e em setembro do ano passado para o Viridi Viam. Ou seja, a DLAE do Viridi foi concedida poucos dias depois do local já estar embargado pelo próprio IAP, que já percebeu o erro e revogou o documento. Para o Espaço Ambiental, a DLAE está sob investigação, sob o risco de também ser cancelada.

“Quando eu fui conhecer o condomínio (em Almirante Tamandaré), eu perguntei se a documentação estava ok. O vendedor me mostrou o DLAE e disse que era só começar a construir. Eles mostram esse documento pra todo mundo que vai lá interessado nos terrenos, pra convencer que está tudo regularizado”, disse um autônomo de 30 anos, que comprou no Viridi Viam, lamentando sua falta de conhecimento pra entender o equívoco.