Idosos, Planos de Saúde e os Reajustes nas Mensalidades

Muito se tem discutido nos Tribunais sobre os reajustes promovidos pelas Operadoras de Planos de Saúde nas mensalidades dos usuários idosos em decorrência da alteração de sua faixa etária.

A questão ganhou tanta relevância que em 2011 foi reconhecida a Repercussão Geral do tema no Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário nº 630852-RS, o qual segue pendente de julgamento.

Na prática o que tem ocorrido é que muitos contratos de planos de saúde foram firmados antes da criação de importantes Leis a respeito do tema, como a Lei 9.656/98, a Lei 9.961/00 (criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS) e a publicação e entrada em vigor do Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03.

Tais contratos firmados sob a égide de legislações anteriores previam os reajustes por faixas etárias para maiores de sessenta anos e sempre mantiveram estreita regulamentação e fiscalização da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) pelo que, até então, sempre foram contratos aparentemente regulares.

De uns anos pra cá, no entanto, diversos usuários de planos de saúde passaram a questionar tais reajustes com base no artigo 15 § 3º do Estatuto do Idoso que diz:

 

Art. 15.  É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.
§ 3o É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.

 

Diversas foram as ações propostas pelos usuários criando vasta jurisprudência a respeito da abusividade e discriminação de tais reajustes, passando tal questionamento a ser entendido como de grande relevância social e chamado a atenção do Ministério Público que iniciou a propositura de inúmeras ações civis públicas por todo país alegando a defesa de direitos individuais homogêneos e coletivos.

Ocorre que, em que pese os brilhantes julgados que têm sido proferidos e as diversas teses exaradas em defesa dos idosos consumidores declarados, por vezes, duplamente vulneráveis, a questão ainda parece ser um pouco mais complexa.

É que, se considerarmos a mentalidade imediatista que tem sido a mais usual no país nas ultimas décadas, nos parece realmente abusivos tais reajustes que variam de 100% a 200% dependendo da faixa etária do usuário, fazendo dobrar o custo desses com os planos de saúde, dando a clara impressão de violação imediata do Código de Defesa do Consumidor.

Por outro lado, é estranho que todos se esqueçam completamente do passado e de tudo que fora acordado em momento anterior tornando tais relações cada vez mais injustas, não mais pela vulnerabilidade ou incessante defesa do mais fraco mas pura e simplesmente por não mais existir a segurança jurídica dos contratos firmados em tempos remotos.

Há que se ter em mente que nossa Constituição Federal em seu artigo 5º XXXVI prevê que:

 

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

 

Isso significa dizer que, em palavras muito simples, as regras não podem simplesmente mudar no meio do jogo, ou seja, novas legislações não podem ser aplicadas em contratos perfeitos e acabados em momento anterior.

No caso em tela, por exemplo, existe todo um cálculo atuarial que é feito para cada contrato ou produto vendido aos consumidores, usuários de planos de saúde, levando-se em conta sua idade e mesmo a média de utilização do respectivo plano, gerando um custo a ser arcado por cada contratante.

É certo que quanto mais a idade se aproxima, mais cresce a utilização média do Plano de Saúde, porquanto maiores são as despesas arcadas por este com a manutenção de toda a estrutura para atender prontamente todos aqueles que necessitam e, na contramão, quanto mais jovens os usuários, menor é a perspectiva de utilização do plano, naturalmente.

Tais cálculos permitem que haja uma parcimônia nos valores cobrados dos consumidores, afinal de contas, que jovem gostaria de pagar altas mensalidades sabendo que suas necessidades são diferentes? Aliás, que se deixe claro que desestimular a juventude com o pagamento de altas mensalidades sem qualquer necessidade de utilização pode fazer regredir todo o sistema, já que não raro são estes valores que sustentam as despesas geradas pelos usuários idosos, que acabam muitas vezes desequilibrando as despesas e receitas dos planos de saúde.

Pois bem, todos os cálculos são feitos antes da assinatura desses contratos e a aplicação de normas posteriores a contratos já devidamente calculados e em vigência há vários anos, além de ferir os preceitos constitucionais desequilibra as relações, até porque, os Planos de Saúde decidiram receber menos enquanto determinados usuários eram jovens, para então repassar os custos apenas e tão somente quando efetivamente pudessem prestar os serviços que seriam então exigidos por esses mesmos consumidores.

Inverter tais preceitos por certo não trará boas consequências, até porque para cada despesa necessária se faz uma receita e constantemente tem-se aumentado as despesas dos planos de saúde por meio de novas inclusões no rol de procedimentos emanados da ANS.

É uma situação complicada.

Mais complicado ainda é acreditar que os planos estão de má-fé sempre que promovem determinados reajustes, especialmente quando se tem estudos comprovando que, um aumento de 35% durante três momentos distintos do contrato fica mais caro para este consumidor do que um reajuste de mais de 100% de uma só vez quando atingida determinada idade. Tais estudos podem ser conferidos em importantes artigos sobre a abordagem financeira de tais contratos no site do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar e comprovam uma economia de 23% para os usuários em dez anos de utilização do plano.

Não se trata, portanto, de nenhum tipo de discriminação ou abusividade por conta da idade, já que tais contratos são apenas reflexos de uma negociação estritamente baseada em custo-benefício a longo prazo, fundado na premissa de que a mentalidade imediatista fosse afastada para se verificar as benesses vindas com o decorrer dos anos. Mas parece que a discussão ainda vai longe e seja mesmo mais profunda.

Ou talvez não sejam mesmo os Planos de Saúde e seus supostos reajustes abusivos ou discriminatórios que no fundo façam a diferença, mas sim os altos encargos, poucos benefícios estatais e os baixos valores pagos de aposentadoria que tornem a vida do idoso mais complicada nos dias de hoje.

Precisamos, pois, em algum momento, pararmos para reavaliarmos todo o sistema já que, ao que nos parece, a situação não está satisfatória para nenhum dos lados.

 

Fernanda Bazanelli Bini é advogada do Escritório Bini Advogados de Piracicaba, atuante na área médico-hospitalar e especialista em direito desportivo.

 

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