Pode um livro ser um guia de suicidio?

Está em andamento no egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, recurso de apelação visando a reforma de uma decisão do juízo ad quo, de um processo inédito no Brasil. Um jovem com problemas de depressão veio a se suicidar no ano 2001 tendo como móvel de sua conduta um livro publicado por uma editora de renome nesse país, obra esta que se consubstancia em nada mais do que um "manual de suicídio". Tal livro é uma tradução da original versão inglesa, onde foi grande alvo de polêmicas, assim como nos EUA e Europa, ocasionando a morte de diversos jovens, similares ao caso em comento.

Nesta condição, as vítimas do falecido interpuseram perante o juízo da 1º grau, ação de responsabilidade civil contra a editora, o fazendo com fundamento não só na legislação consumerista, como igualmente na civil e na penal, querendo responsabilizar tal editora, pela tradução, distribuição no mercado de consumo brasileiro, e enfim, por ter sido o "gatilho final" desse ato suicida.

O jovem-suicida, situava-se como analista de sistemas, empresário de sucesso, com mestrado em sua área de atuação, e ministrava aulas como professor, nesta Capital. Cabe ressaltar ainda, que seus familiares também são pessoas de alta reputação em suas áreas de atuação.

O jovem sofria de depressão e, conforme ele próprio esclareceu em seu diário particular, encontrava-se em tratamento com médico psiquiatra. Nesse diário, restou comprovado que, quando deprimido, manifestava o desejo de morrer e de se suicidar, deixando claro e induvidoso, pois que expressamente assim consignou em uma de suas páginas, "a falta de coragem" para tal desiderato.

Acontece, que a partir da compra e recebimento do livro, sua falta de coragem para por fim à própria vida viu-se afastada, na medida em que se encontrou impulsionado e com o auxílio suficiente para realizá-lo, diante dos meios indolores, certos, rápidos e infalíveis indicados expressamente na obra.

Notadamente, o malfadado livro ingressou como fator preponderante, como principal carro-chefe na vida do suicida, vindo a se constituir a mola propulsora para o ato suicida. Vale dizer, introduziu-se na cadeia causal, firmando-se mesmo como o elemento capital para o suicídio, até porque somente depois de adquirir tal obra, o jovem suicida, com real segurança e impecável orientação cometeu tal tragédia.

Todo esse enfoque sobressai das provas documentais colacionadas pelos Autores-parentes da vítima, no bojo dos autos, em especial pelas anotações feitas pelo próprio suicida em seu diário e pelo conteúdo mórbido dessa inescrupulosa obra. Só para ilustrar segue abaixo uma das páginas desse livro, o qual, fora utilizado pelo suicida e citado em seu diário, como método mais eficaz, como comprovado pelo laudo de exame de local de morte (perinecroscopia), através de doses letais seguidas à risca pela vítima, como uma presa, ao beber tal veneno; comandos esses no livro, com o verbo sempre no imperativo:

"1-Coloque água do filtro (não usar água mineral alguma, nem refrigerante ou água tônica, em virtude de sua acidez) num copo pequeno;

2- Dissolva nela um grama, ou no máximo um grama e meia, de cianureto de potássio. (o uso de quantidade maior provocará a sensação de queimadura na garganta).

3- Espere 5 minutos (para que a dissolução se tenha completado) antes de beber. (não é necessário beber em seguida, mas isso deve ser feito dentro de algumas horas, no máximo).

4- Assim que a solução for ingerida, a inconsciência se estabelece em um minuto. Haverá tempo bastante para que o suicida lave bem o copo, a fim de evitar que alguém o venha a utilizar acidentalmente, e em seguida se deite. Atenção: uma pessoa extremamente combalida por seu estado de saúde poderá ?apagar? em 20 segundos".

Só para constar, o suicida faleceu usando cianureto (como acusou no laudo de exame de necropsia, dosagem essa nitidamente recomendada pelo livro; onde foi encontrado em seu quarto, com o copo utilizado pelo mesmo). Havia também uma carta de "último desejo" deixada pelo falecido no local do suicídio, como doutrinado, ipsis literis, nas páginas do livro.

Infelizmente para a família da vítima, a sentença foi julgada improcedente, alegando em suma, que não existe nexo de causalidade, e que um livro não teria o condão de auxiliar ou instigar um ato suicida, pois se fosse assim, teria que se processar qualquer editora nesse país. A assertiva é verdadeira, porém, esse livro não tem nada de ficção ou não contém estórias de guerra narradas por um diretor de uma empresa cinematográfica hollywoodiana, é um disfarçado guia de suicídio, tanto é que próprio autor inglês confessa no prólogo do livro ter "testado" algumas técnicas em sua esposa e sogro, criadas por ele, antes de publicar seu livro. Simplesmente lamentável….

De mais a mais, a assistência ao suicídio é expressamente proibida no Brasil, sobre qualquer pretexto, estando inclusive tipificada no nosso Código Penal (Art. 122 – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: (…) Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Só para aclarar, nos Estados Unidos, a 1ª emenda constitucional guarnece a liberdade de expressão e liberdade de imprensa, como se esses postulados fossem superiores ao bem jurídico "vida", como bem norteia nossa Magna Carta Brasileira.

Tal "inocente" e "fictícia" obra de literatura foi banida em diversos países do mundo, tais como França e Inglaterra. Obtempere-se que a própria OMS (Organização Mundial da Saúde), pediu sua proibição de publicação, considerando uma literatura de alta periculosidade devido ao seu conteúdo nefasto.

O jornal "O Estado de São Paulo" (de 04/10/2001), revelou em uma matéria que a depressão é a 4ª doença mais freqüente no mundo, atingindo 121 (cento e vinte e um milhões de pessoas). Segundo seu relatório, as doenças mentais, como a depressão, provocam 1 milhão de suicídios e de 10 a 20 milhões de tentativas de suicídio por ano. Imaginem o risco danoso que essa obra trouxe ou poderá trazer se continuar circulando livremente no mercado de consumo, fatalmente, produzirá mais mortes de pessoas deprimidas.

Caso similar ocorreu em Maryland nos EUA, onde uma editora que publicou um livro, nominado "Hitman", traduzido em português para uma versão de um filme para "Matador de aluguel", foi alvo de um processo de danos morais, haja vista que um marginal, sem escrúpulos, se utilizou desse guia para assassinar 03 (três) pessoas. Tal livro ensinava paripasso, capítulos detalhados de um homicídio, e.g. "como construir uma arma caseira com silenciador" ou "qual distância era a melhor para disparar a arma e não esparramar sangue no chão; como atirar entre os olhos; como se desfazer da arma; onde alugar um quarto próximo ao local do crime".

Como se não bastasse, na cidade de Charllote, Carolina do Norte (EUA) em 1999, quase que na virada do milênio foi vendido em uma feira chamada "Preparedness Expo" uma obra intitulada "O livro de receitas do anarquista", que continha mil e uma maneiras de fabricar artefatos explosivos, realizar operações de sabotagem e se inteirar sobre técnicas de guerrilha urbana. (ver site http://www11.agestado.com.br/redacao/integras99/set/20/14.htm). Imaginem a possibilidade e o aumento desenfreado do crime organizado e mini-guerras, se tal obra fosse traduzida, publicada e distribuída ao livre consumo dos brasileiros, como ocorreu com essa infeliz obra auto-didática.

O presente ensaio quer trazer a baila, a discussão acerca desse caso, pois certamente, haja vista essa obra ter sido esgotada no Brasil, e se tornado um best-seller na Inglaterra, poderá trazer ou já trouxe inúmeros infortúnios, tal como o relatado supra. É também um alerta e um presságio à sociedade, às autoridades, aos órgãos governamentais de saúde, e toda comunidade jurídica para que através de estudos aprofundados e debates francos não façam com que a tragédia desse jovem, e como de tantos outros, à exemplo dos EUA, na Inglaterra, Havaí e França recaia ao esquecimento e a marginalidade perante as respectivas famílias.

Guilherme Tomizawa é advogado. Bacharel em Administração e Direito pela UTP ? PR. Especialista em Direito de Família pela PUC – PR. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico. Mestrando em Direito Público pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro.

Voltar ao topo