Crime virtual, perigo real!

Intimidade de casal vaza na internet e vida de garota vira do avesso

O que era pra ser uma simples brincadeira entre um jovem casal, em um momento de intimidade, fez com que a vida da universitária Jaqueline* de 18 anos virasse de ponta cabeça. Há três anos, enquanto ainda era menor de idade, ela e o seu ex-namorado trocaram imagens por meio de uma plataforma de “live streaming”, tecnologia que permite a transmissão de imagens pela internet, em tempo real, porém teoricamente, sem a gravação do que é exibido. Mas os muitos problemas de Jaqueline começaram assim que este material foi salvo por algum usuário, que compartilhou as imagens na rede.

De lá para cá, após ser vítima de um crime virtual, que devido à sua idade na época pode ser classificado com pedofilia, a jovem passou por muitos constrangimentos, teve sua vida pessoal invadida, foi apontada e passou pelo julgamento de amigos, familiares, colegas e principalmente, de muitos desconhecidos.

“Eu e meu ex-namorado fizemos este material sem ter ideia dos riscos, não sabíamos que isto poderia ser salvo, já que a plataforma não permite as gravações. O vídeo foi feito em setembro de 2012 e em março do ano seguinte, meus colegas de faculdade tiveram acesso ao material. Entrei na sala e todos estavam em frente ao computador, rindo e apontando para mim, foi horrível. 2013 foi um ano infernal, eu simplesmente não sei como consegui passar por isto e continuar minha vida”.

Hoje Jaqueline luta pra retirar as imagens que ainda estão disponíveis em um site, que comercializa vídeos de pessoas que vazaram pra internet. Pra resolver o problema, ela conta resolveu dar queixa e fazer um boletim de ocorrência, providência que pode ser tomada na delegacia ou em órgãos especializados, como Núcleo de Combate aos Cibercrimes (Nuciber), que tem sede em Curitiba. (*Nome fictício)

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Sequestro de dados

Também vítima de um crime virtual, o empresário da área de contabilidade Rafael (*), de 51 anos, levou o maior susto na manhã de ontem, ao chegar em seu escritório pra trabalhar. Ao ligar seu computador, ele percebeu que a tela inicial estava estranha e que todos seus arquivos estavam compactados, protegidos por uma senha enorme.

Além disto, ele também notou que os invasores deixaram uma mensagem, cobrando um “resgate” de três mil dólares, aproximadamente 10 mil reais, pra devolver os dados sequestrados.

“Isso me trouxe muito prejuízo, perdi informações pessoais, de clientes e ainda horas de trabalho pra fazer a manutenção dos equipamentos e ir até a delegacia registrar o BO”. Segundo a polícia, o crime do qual Rafael foi alvo pode ser enquadrado na Lei 12737/2012, a Lei Carolina Dieckmann, que recebeu o nome da atriz após ela ter seu computador invadido e mais de trinta fotos íntimas divulgadas na web. Além disto, no caso do empresário, a extorsão é um agravante. (*Nome fictício)

Não dá pra apagar

A internet facilita a nossa vida, mas infelizmente delitos como os que vitimaram Jaqueline e Rafael, e até o falecido cantor sertanejo Cristiano Araújo, são frequentes. De acordo com o delegado do Nuciber, Demétrius Gonzaga de Oliveira, os crimes virtuais mais comuns são os que envolvem falsa identidade, crimes contra a honra (injuria, calúnia e difamação), estelionato e fraudes em negociações pela internet.

Pra evitar cair em um destes golpes ele recomenda que as pessoas sejam cuidadosas, que contem com medidas de segurança e não compartilhem informações ou imagens pessoais. “A divulgação de fotos e vídeos é uma prática comum entre os adolescentes e alguns adultos. Muitas meninas e mulheres passam estas imagens pros namorados e quando o relacionamento termina, muitos ,ex-parceiros compartilham este material na internet. Assim, a recomendação é se preservar ao máximo, não divulgando imagens que você não gostaria que seus pais, filhos, chefes ou amigos vissem. É impossível remover completamente um conteúdo da internet”, diz Oliveira.

Impunidade é regra

De acordo com o advogado especializado em direito digital Omar Kaminski, ainda há muita dificuldade em tratar os crimes cibernéticos. “É necessário algum conhecimento técnico e infelizmente nosso Judiciário ainda não está preparado, nem temos leis suficientes, nem penas que desestimulem as práticas criminosas. O crime organizado está migrando cada vez mais pra internet. Precisamos evoluir bastante”.

Kaminski também lembra que muitos crimes são os mesmos, seja no meio real ou no virtual, já outros precisam de definição específica porque o direito penal não permite analogias para prejudicar o réu e qualquer dúvida pode beneficiá-lo, e nem tudo precisa passar pela via criminal. Algumas situações podem se resolver pela via cível, indenizatória. Caso você seja vítima de um crime virtual, a recomendação é procurar a delegacia mais próxima ou órgãos especializados, o quanto antes, levando consigo todas as provas que tiver (virtuais e impressas), pois sem elas não é possível iniciar uma investigação.

Reunindo provas

Além do B.O, quem enfrenta problemas nos meios virtuais também pode providenciar uma ata notorial, um documento lavrado em cartórios extrajudiciais, que pode ser utilizado como prova judicial para o combate a crimes virtuais. Em 2014 o Paraná foi o segundo estado brasileiro com maior procura pela ata notarial. Segundo dados do Colégio Notarial de São Paulo (CNB-SP), ano passado foram registradas 8.288 atas notariais no estado, que ficou atrás apenas de São Paulo, com 9.688 lavraturas.

Segundo o tabelião membro da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg-PR), Rodrigo Bittencourt Franceschi a ata notorial complementa o boletim de ocorrência e pode ser muito útil em um futuro processo na justiça. “A ata notarial é um documento público que serve como prova em juízo, mesmo que todas as informações sejam deletadas da rede, depois que ela tenha sido lavrada”. Para ter acesso ao documento, basta procurar um cartório com todas as provas sobre o crime. O custo inicial é de R$ 70,00, mas, pode variar de acordo com a complexidade do caso ou do tempo de serviço envolvido nas diligências ou produção do documento.

Proteja-se

E para se proteger também é preciso ficar atento. Segundo o diretor de infraestrutura da UPSec Segurança Gerenciada Henrique Cesar Ulbrich na internet as coisas funcionam com em nossas casas. “Pense assim, dentro de casa você está mais protegido do que na rua. Mesmo assim, um bandidão experiente entra na sua casa, se quiser. Mas em sua casa, os muros e seus cadeados afastam a multidão de ladrões de galinha pé-de-chinelo que estão na rua. No mundo virtual é a mesma coisa. Ter um comportamento seguro ajuda bastante”.

E apostar em segurança é o melhor a ser feito, já que depois de postada, uma imagem dificilmente é apagada da rede. “Uma vez que caiu na internet, estará lá para sempre. Sobreviverá a você inclusive. O legislador e o juiz podem bem tentar, mas se a sua foto está publicada num site em Singapura, a justiça brasileira vai fazer o quê? Mesmo que consiga retirar a foto lá de Singapura, ela vai aparecer de novo no México, ou na Espanha, ou na Suíça, ou na Zâmbia” afirma Ulbrich.