É amor ou doença?

Grupo ajuda mulheres que sofrem por amar em exagero

Buscado por muitos como ideal de felicidade, o amor, principalmente quando correspondido, costuma trazer harmonia e bem-estar para as pessoas. Mas, no campo dos sentimentos e relacionamentos afetivos, nem tudo são flores. Quando o amor é tão arrebatador que ultrapassa as barreiras da autoestima, respeito e amor próprio, o resultado pode ser prejudicial e muito doloroso, transformado literalmente em uma doença.

Exemplos deste sofrimento podem ser encontrados entre as mulheres que participam do grupo Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA), criado com base no livro Mulheres que Amam Demais, publicado em 1985 pela psicóloga norte-americana Robin Norwood. Nestes encontros, que seguem os princípios dos doze passos, inspirados na metodologia utilizada pelos Alcoólicos Anônimos (AA), elas buscam alívio para as dores provocadas por relacionamentos destrutivos, cercados de ciúmes, perseguições, falta de confiança, sentimento de posse e até situações de violência.

Em uma reunião do MADA, é possível ouvir relatos de mulheres de todas as idades, que trabalham, têm família, amigos e que, por dificuldades de se relacionar, acabam deixando tudo de lado, se tornando obcecadas pelo amado ou objeto de obsessão, como elas mesmas denominam seus pares.

Entre elas, está Maria*, de 42 anos, que participa do grupo há seis meses. Ela conta que sua forma possessiva de amar a acompanhou por tanto tempo, que chegou a acreditar que o amor era um sentimento doentio. “Eu era uma pessoa agressiva, sentia ciúmes 24 horas por dia e acreditava que era traída. Tive três casamentos e sabotei todos eles com minha forma de agir. Casei com homens idealizados por mim, não enxergava realmente como eram estas pessoas. E o preço destas escolhas foi alto, sofri muito, fui espancada por aquele com quem convivi por 13 anos. Depois de tanto sofrer, percebi que o problema era comigo e hoje, ainda em recuperação, já me sinto mais feliz por estar conseguindo superar o problema”.

Outra participante, Camila*, 27, frequenta os encontros há mais de um ano, também em busca do resgate de seu equilíbrio. “Durante boa parte da minha vida, acreditei que amava um único homem, com quem tive uma relação longa, difícil e destrutiva. Por várias vezes, tentei me afastar e, quando conseguia, caía em outros vícios, como a bebida. Isto, aliado às idas e vindas do nosso namoro, me fez chegar ao fundo do poço, cheguei até a tentar o suicídio. Cansada desta situação, procurei o MADA e aqui estou para aprender a me conhecer e a me amar, para um dia poder ter alguém e uma família”.

Sem controle e com medo de oferecer perigo para si ou para o seu ex-namorado, Elisabete*, 37, procurou ajuda há cinco anos. “O que me trouxe ao grupo foi um relacionamento doentio, descontrolado. Nesta época, cheguei até a ameaçar meu namorado, eu o perseguia, saía de madrugada escondida, para ver se ele estava em casa, se seu carro estava na garagem. Fazia isto em estado alterado, muito nervosa e sem pensar nos riscos que corria. E gastava bastante nesta minha vida secreta. Para ter certeza de que não era traída, cheguei a contratar um detetive particular”. Cansada destes seis anos de “jogos amorosos”, Elisabete passou a frequentar as reuniões. “O grupo me ajudou muito, no entanto, sei que preciso continuar vigilante”.

Felipe Rosa
O MADA foi criado com base no livro Mulheres que Amam Demais e segue os mesmos preceitos do tratamento de alcoólicos anônimos.

Um dia de cada vez

Para essas mulheres, a recuperação, assim como no caso dos alcoólicos, passa por enfrentar um dia após o outro, apoiando-se mutuamente. A coordenadora do grupo, Edna*, que chegou ao grupo h&aac,ute; oito anos, lembra buscar ajuda é fundamental, pois lidar sozinha com esta situação acaba sendo muito difícil. “As famílias não entendem que amar demais pode ser uma doença. Muitas vezes, internam estas mulheres em hospitais psiquiátricos, o que não resolve o problema”.

Para a psicóloga da Unidade Intermediária de Crise e Apoio a Vida do Grupo Marista (UNIICA), Carolina Francisco Batista, o amor saudável vira patológico quando o outro é a única coisa que a pessoa vê em sua frente. “Quando ela deixa de cuidar de si, de ter um hobby ou uma vida profissional e só fixa seus pensamentos na pessoa amada, sem conseguir ter uma visão crítica sobre o relacionamento, vira uma doença. A pessoa acaba se tornando compulsiva, como um dependente de álcool ou drogas, e pode, inclusive, substituir a dependência afetiva pela química”.

Como tratamento, ela recomenda ajuda especializada, com sessões de psicoterapia, seja individual, em grupos, com psicólogos e se necessário, com o acompanhamento de psiquiatras. “Trabalhando o autoconhecimento e a autoestima, elas conseguem recuperar o equilíbrio. E, nos casos mais graves, quando a obsessão vem acompanhada de depressão, fobia e pânico, os psiquiatras podem receitar remédios para auxiliar no tratamento”.

*Foram utilizados nomes fictícios para preservar a identidade dos envolvidos.

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