Vida moderna deixa as pessoas mais solitárias

O sentimento de solidão acompanha o ser humano desde o início de sua existência. Porém, nos últimos anos, o problema vem se potencializando por uma série de fatores, como falta de emprego, necessidade de lucro financeiro, estresse e supervalorização de bens materiais em detrimento de bens espirituais. Muitas pessoas, mesmo estando rodeadas de colegas de trabalho e familiares, não conseguem deixar de se sentir sozinhas.

A psicóloga Ionara Carraro Bonança explica que o isolamento é resultado do ritmo acelerado de vida imposto pela atualidade. O homem está cada vez mais individualista, voltado ao setor econômico, sempre correndo atrás de prejuízos e cada vez com menos tempo para cultivar laços de amizade: “As pessoas estão a cada dia menos disponíveis para ouvir umas às outras. Isso as acaba distanciando e impedindo-as de cultivar relacionamentos, que conseqüentemente morrem com o tempo”, afirma.

Como tentativa de fugir da solidão, algumas pessoas acabam procurando contatos interpessoais considerados inadequados, nos quais não se desenvolve a afetividade e não são criados vínculos definitivos: “Muitas vezes, homens e mulheres procuram relacionamentos que satisfaçam suas necessidades imediatas de companhia. A pessoa tenta validar sua existência por alguns momentos, não busca uma identidade no outro e, depois de um tempo, o vazio e a insatisfação gerados pela solidão acabam voltando”, explica a psicóloga Fátima Hadaya.

Segundo ela, para acabar com o problema, é válido tentar entrar em grupos de apoio mútuo, fazer cursos e atividades que possibilitem o contato entre pessoas com objetivos em comum. Porém, a solução definitiva está na resolução de problemas internos, como medos e inseguranças: “A pessoa que se sente só deve tentar valorizar a vida e buscar alternativas para ser feliz, nunca deixando de gostar dela mesma”, comenta. “Quando alguém se abre para coisas positivas e está de bem consigo mesmo, os relacionamentos externos acabam acontecendo de forma natural.”

A aposentada Vanda Souza de Oliveira, de 45 anos, é um exemplo de pessoa que se sente só mesmo cercada de gente. Ela é casada e tem duas filhas, mas não consegue superar a perda do único filho homem, há onze anos, que fez com que ela começasse a se sentir cada vez mais solitária e incompreendida: “Me sinto bastante sozinha, pois guardo coisas sobre as quais gostaria de conversar e não tenho com quem”, conta.

Há três meses, ela começou a se submeter a uma terapia de grupo, e acha que tem ajudado bastante: “No grupo, posso expor meus problemas com mais liberdade. Os outros participantes me escutam e tentam ajudar, sendo que eu também os ouço e tento compreender seus sentimentos”. Outra iniciativa da aposentada para fugir da solidão é escrever. Através de poesias e contos, ela coloca seus sentimentos no papel e tem a oportunidade de superar alguns traumas do passado, sentindo-se mais leve e menos angustiada.

A solidão da empregada doméstica Marlene Martins Carvalho, a Lena, de 49 anos, também foi gerada pela perda de um familiar. Há nove meses, seu marido faleceu e ela se viu sozinha com o filho de 16 anos para sustentar. Embora considere o garoto uma grande companhia, Lena diz que se sente só por não poder discutir determinados assuntos, por achar que ele ainda não tem idade suficiente para compreender. “Minha família mora longe (em Rondônia) e acabo não tendo com quem conversar”, diz.

Igreja

Angustiada, Lena começou a sofrer de depressão e insônia. No meio da noite, quando se sente muito angustiada, costuma ligar para a igreja São Gabriel, localizada no município em que vive, em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. Na igreja, ela conta que quase sempre consegue encontrar uma pessoa de confiança, que fica de plantão à noite e se mostra disposta a conversar, ouvir os problemas alheios e dar uma palavra de conforto. “Eu ligava muito para a igreja nas semanas seguintes ao falecimento de meu marido. Hoje, faço isso com menos freqüência, mas é uma coisa que continua me ajudando muito. A igreja e o ato de rezar sempre acabam me aliviando um pouco de meus problemas”.

CVV lida com casos mais agudos

Algumas vezes, a solidão é tanta que a vítima chega a pensar em acabar com a própria vida. Com o objetivo de prevenir suicídios através de apoio emocional, foi criado em 1962, em São Paulo, o Centro de Valorização da Vida (CVV). Atualmente, a entidade está presente em 17 estados brasileiros, inclusive no Paraná, com postos de atendimento em Curitiba e Londrina.

Em todos os locais em que atua, o CVV mantém um telefone específico para onde as pessoas angustiadas e que passam por situações de conflito podem ligar para pedir ajuda. Durante 24 horas, voluntários permanecem preparados para atender as ligações, que geralmente são realizadas por pessoas de todas as idades e com problemas bastante variados, como morte de um familiar, perda de emprego e divórcio, entre outros.

“Atendemos pessoas com uma série de conflitos, tratando-as sem preconceito e nunca julgando-as”, explica o coordenador de divulgação da regional Sul da CVV, Quintino Dagostin. “Os voluntários que trabalham conosco, sejam advogados, médicos, professores ou qualquer outro profissional, recebem um treinamento de 35 horas para poderem executar a função”.

Segundo Quintino, os voluntários aprendem a ouvir as pessoas e a dar respostas compreensivas. A função deles é compreender e ajudar para que o angustiado consiga, por ele mesmo, encontrar a solução para seus problemas. “Nosso objetivo é fazer as pessoas enxergarem esta realidade e encontrarem uma outra saída.” No ano passado, em todo Brasil, o CVV recebeu cerca de um milhão de ligações. Em Curitiba, em média, são recebidas 1.500 por mês. O telefone de ajuda da entidade na capital é o (41) 342-4111. Em Londrina, é o (43) 3356-4111.

Voluntários

Nos próximos dias 27 e 29, o CVV de Curitiba estará realizando um curso para a formação de atendentes voluntários no plenarinho da Câmara Municipal de São José dos Pinhais, às 19h30. Em Curitiba, o mesmo curso será realizado nos dias 11, 12 e 13 de agosto, no Colégio Estadual Barão do Rio Branco, localizado na Rua Brigadeiro Franco, 2532. Mais informações no número do CVV. (CV)

Programas de rádio são alternativa

Uma das alternativas para quem sofre de insônia e quer fugir da solidão nas madrugadas é ligar para as rádios que oferecem programações nesse horário. Em muitas emissoras, as pessoas podem ligar e falar de seus problemas. Os locutores acabam sendo vistos como pessoas amigas e mesmo confidentes.

Há sete anos, a rádio Clube (FM 101,5), com sede em Curitiba, mantém um programa neste estilo, que vai ao ar da meia-noite às 4h55min da manhã. Por mês, a emissora chega a receber entre 3 mil e 5 mil ligações. “Os ouvintes ligam, conversam com o locutor e, muitas vezes, deixam o número de telefone para que este seja passado a outras pessoas que se sentem sozinhas e estão em busca de companhia. Alguns participam ativamente do programa, ligando todas as noites”, conta o coordenador artístico e comercial da rádio Clube, Lourival Palitto Pedrazzani.

Na rádio Colombo (AM 1020), também com sede na capital, vai ao ar, há 32 anos, das 22h às 23h, o programa Quadro Casamenteiro. Nele, são lidas cartas de pessoas em busca de companhia. Depois que o programa termina, os ouvintes podem dar respostas aos autores das cartas, enviar telefone ou mesmo marcar encontros.

“Muitas das pessoas que escrevem as cartas querem encontrar um amigo ou mesmo um par afetivo. Nos últimos 25 anos, registramos 8.200 encontros promovidos pela rádio que resultaram em casamento”, conta o jornalista e locutor do programa, Rosaldo Pereira. “Por dia, lemos 32 cartas”.

Há quinze anos, a rádio também mantém um ponto de encontro específico para os ouvintes que desejem se conhecer pessoalmente. É o Clube dos Solitários, atualmente localizado na Travessa da Lapa, no centro de Curitiba. No local são promovidos bailes, nas quartas e sextas-feiras, das 18h às 24h, nos sábados, das 20h às 5h30, e nos domingos, das 14h às 22h30.

“O Clube dos Solitários surgiu por iniciativa dos próprios ouvintes. Eles pediram um ponto de encontro e a rádio resolveu atendê-los”, lembra Rosaldo.

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