Morales diz que Petrobras era ilegal na Bolívia

Foto: Arquivo/O Estado

Evo Morales: sem qualquer cuidado diplomático.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, acusou ontem a Petrobras de sonegar impostos de praticar contrabando e sinalizou que La Paz não pagará indenização à companhia brasileira, responsável por investimentos de US$ 1,5 bilhão no setor de gás.

Em entrevista à imprensa em Viena, onde estará hoje ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 4.ª Cimeira União Européia-América Latina, Morales excluiu deliberadamente o Brasil e a Espanha de sua lista de países que ofereceram ?apoio incondicional? à Bolívia, e levantou a suspeita de que uma tentativa de fazer contato com Lula, antes do anúncio do decreto que nacionalizou o setor do gás, no dia 1.º de maio, foi ?bloqueado? por assessores do Palácio do Planalto.

?Os contratos são ilegais e inconstitucionais. Se você quer saber da Petrobras, posso dizer como ela operava ilegalmente, sem respeitar as normas bolivianas?, afirmou Morales, irritado com uma pergunta sobre a decisão unilateral de La Paz de quebrar o contrato de compra e venda de gás entre Brasil e Bolívia, de 1993. ?Há muitas denúncias de empresas petroleiras que não pagam impostos, que são contrabandistas. De que segurança jurídica essas empresas e seus países podem falar??, declarou, referindo-se à Petrobras e às demais multinacionais que atuam em seu país no setor de gás e petróleo.

As declarações de Morales surpreenderam pela ausência de qualquer cuidado diplomático e por surgirem no momento em que estão em andamento negociações entre autoridades dos dois países em La Paz, sobre o reajuste de preços do gás exportado ao Brasil e o destino da Petrobras na Bolívia. Morales, entretanto, falou claramente e não se mostrou intimidado nem mesmo pelas repercussões que sua decisão de nacionalizar o setor de gás e de petróleo causará na própria Cimeira e nos encontros bilaterais de hoje em Viena.

Morales argumentou que os contratos firmados entre o governo boliviano e as companhias estrangeiras – como os celebrados com o Brasil e a Petrobras – são ?inconstitucionais?, porque não passaram pela aprovação do congresso boliviano, e que os termos do acordo haviam sido negociados ?secretamente?. Segundo o presidente boliviano, o fato de essas empresas terem atuado ?ilegalmente? em seu país anula seus direitos de reclamar segurança jurídica. Tais companhias, insistiu ele, ?desprezam a Bolívia e a traíram?.

Em uma demonstração da fina sintonia de governo sobre essa questão, o presidente boliviano jogou uma pá de cal no pleito de indenização da Petrobras. Garantiu que os investidores têm o direito de ?recuperar seus investimentos e a ter lucros?, mas acrescentou que não podem ?exercer o direito de propriedade?. Na última terça-feira (9), seu assessor de Integração, Pablo Sólon, justificou que a constituição boliviana não prevê indenização por quebra de acordos ?ilegais?, ou seja, não ratificados pelo congresso.

?Queremos parceiros e não patrões. Não estamos expulsando ninguém. Estamos só exercendo o direito de propriedade sobre nossos recursos naturais?, afirmou Morales. ?Eles executaram seus investimentos e terão seus lucros. Portanto, não há porque falar em indenização. Se estivéssemos expropriando sua tecnologia, teríamos que indenizar. Mas esse não é o caso?, completou.

Aparentemente, Morales fez questão de diferenciar a situação da Petrobras e de companhias ?convidadas? a se retirar da Bolívia, como a siderúrgica brasileira EBX, da condição dos brasileiros que cultivam soja no país e que respondem por 60% das exportações bolivianas do produto. ?Eles respeitam a lei?, informou, para depois completar: ?Tenho muita amizade com os ?sojeiros? brasileiros.

Entretanto, Morales indicou que interesses brasileiros podem vir a ser afetados pelo projeto de reforma agrária e pela aplicação de regras constitucionais, como as atividades que estiverem na faixa de fronteira e os que não tiverem licenças ambientais exigidas. ?Se a Bolívia era, antes, uma terra de ninguém; agora é dos bolivianos, especialmente dos povos indígenas.?

Segundo Morales, outras empresas estrangeiras que estiverem cumprindo a legislação boliviana terão respaldo para operar no país. ?Mas há algumas empresas que se dizem do Brasil ilegalmente instaladas em nosso território nacional. Por exemplo, EBX?, ressalvou ele, em referência à mineradora que mantinha um projeto perto da fronteira com o Brasil, na região entre Porto Suarez e Corumbá (MS), e foi recentemente expulsa da Bolívia.

Brasil poderá ter que mudar o tom

Viena (AE) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou ontem em Viena para participar da Cimeira entre a União Européia, América Latina e Caribe, sob uma renovada pressão para endurecer a posição brasileira em torno da crise com a Bolívia. Pela manhã, antes mesmo do início formal do evento e numa atitude que surpreendeu os diplomatas brasileiros e europeus presentes na capital austríaca, o presidente Evo Morales empregou um tom duro e acusatório contra a Petrobras e o Brasil durante uma entrevista à imprensa.

O líder boliviano acusou a estatal brasileira de manter atividades ilegais na Bolívia, inclusive incluindo-a no grupo de petroleiras que considera ?contrabandistas?. Morales, num tom firme, foi mais longe, afirmando que tentou conversar com Lula sobre sua decisão, mas não conseguiu. Além disso, comentou a compra pelo Brasil do território do atual estado do Acre, que era da Bolívia. ?Lamento muito que o Acre foi comprado em troca de um cavalo?, disse Morales.

Apesar do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ter endurecido o tom do discurso do governo brasileiro nesta semana, as novas declarações de Morales, que sinalizam que a Petrobras não será indenizada na Bolívia, criam uma situação delicada para o presidente Lula justamente num encontro no qual as principais lideranças da América Latina e Europa estarão reunidas.

Fontes diplomáticas admitem que a escalada agressiva na retórica de Morales, considerada em muitos pontos desrespeitosa ao Brasil, é um ?desdobramento preocupante? e poderá levar o presidente Lula a manifestar, publicamente, uma resposta dura ao colega boliviano.

Outro desafio de Lula em Viena será o de reafirmar a liderança brasileira na América do Sul, abalada pela crescente influência regional do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, pelos recentes atos de Morales e a profunda crise no Mercosul.

O início da Cimeira foi negativo, sob a perspectiva de Brasília, afirmam fontes diplomáticas européias. A entrevista de Morales atraiu cerca de 150 jornalistas estrangeiros e se tornou o principal assunto no primeiro dia do evento. Chávez, com uma comitiva de cerca de cem pessoas, deve também fazer bastante barulho na reunião. Enquanto isso, os europeus observam perplexos e confusos o agravamento da situação política na América do Sul.

O cavalo, o erro e a tentativa de aviso

Viena (Áustria) – ABr – O presidente da Bolívia, Evo Morales, não inclui o Brasil na lista de países que apóiam seu país de forma desinteressada ou iniciam algum tipo de cooperação com os bolivianos. Em entrevista coletiva, na 4.ª Cimeira União Européia – América Latina e Caribe, Morales disse que, apesar de já ter conversado com o presidente Lula sobre a cooperação entre os dois países, até agora não houve ação concreta nesse sentido por parte do Brasil.

Na entrevista, o presidente boliviano lembrou o episódio em que o Brasil comprou o Acre da Bolívia, no inicio do século 20. ?O Acre, trocaram por um cavalo?, afirmou Morales.

?Com nosso governo não se dará isso porque a luta dos povos indígenas é historicamente a defesa do território, a defesa dos recursos naturais.?

Erro

O Acre, ao contrário do que disse o presidente da Bolívia, Evo Morales, hoje em Viena, não foi comprado pelo Brasil ?em troca de um cavalo?. A não ser que o cavalo no início do século passado custasse dois milhões de libras. A anexação, segundo informações que estão disponibilizados no site oficial do governo do Acre, resultou de um longo processo de povoamento da região, além de uma negociação que envolveu essa quantia em dinheiro e a cessão de outros territórios.

Avisar Lula

Morales disse que tentou falar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de decretar a nacionalização do gás natural boliviano, mas que foi impedido de fazê-lo por auxiliares de Lula.

?Lula é muito solidário. Eu entendo que às vezes fazer caminhar o aparato do Estado custa. Nos últimos dias antes da nacionalização procurei por todos os lados para conversar com meu companheiro Lula, mas foi difícil encontrá-lo?, disse.

?Penso que alguns colaboradores de Lula me bloquearam para que pudesse encontrar o companheiro Lula. Porém, quando nacionalizamos, rapidamente me convocaram. Foi totalmente diferente.?

Antes de fazer o relato, ele respondeu a um jornalista brasileiro que afirmou haver no país um sentimento de que Morales havia traído Lula por não ter avisado sobre o decreto de nacionalização.

?Não tenho porque perguntar, não tenho porque consultar, não tenho porque informar sobre políticas que tem que decidir um país soberanamente?.

O presidente boliviano lembrou que a medida de nacionalização tinha sido anunciada antes mesmo da campanha eleitoral, e exposta publicamente em seu programa de governo.

Empresa não comenta acusações

Rio (ABr) – A assessoria de imprensa da Petrobras informou ontem que a empresa não se pronunciará sobre as últimas declarações do presidente da Bolívia, Evo Morales, feitas em entrevista aos jornalistas que acompanham a 4.ª Cimeira União Européia-América Latina e Caribe, em Viena.

Na coletiva, Evo Morales disse que a Petrobras operou ilegalmente na Bolívia, sem respeitar a legislação local. Morales ainda colocou a empresa sob suspeita de contrabando e sonegação de impostos.

Representantes da Petrobras iniciaram anteontem, em La Paz, negociações com o governo boliviano, que há onze dias nacionalizou as reservas de petróleo e gás. Na madrugada de ontem, em declaração conjunta dos ministérios de Minas e Energia do Brasil e de Hidrocarbonetos da Bolívia, a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia reiteraram o ?absoluto respeito pelas decisões soberanas do governo e do povo boliviano?.

O comunicado conjunto diz ainda que a primeira reunião ocorreu dentro do espírito da Declaração de Puerto Iguazú, firmada na reunião entre os presidentes do Brasil, da Bolívia, da Argentina e da Venezuela. O encontro ocorreu há seis dias e foi destinado ao debate sobre as questões energéticas envolvendo as quatro nações.

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