Após muita conversa

‘Acordo de confidencialidade’ da Odebrecht com Lava Jato é 1º passo para delação

Após sucessivas e tensas rodadas de negociação, a Odebrecht assinou Acordo de Confidencialidade com a força-tarefa da Operação Lava Jato. É apenas o reconhecimento simbólico do processo de negociação, o primeiro passo para um eventual acordo de delação premiada envolvendo o empresário Marcelo Odebrecht e outros executivos ligados ao grupo e também para um acordo de leniência da própria empreiteira.

Com o acordo de delação e o de leniência, se efetivamente forem fechados, serão estabelecidas condições como o valor de multa que a empreiteira arcará e as sanções penais aplicadas a Marcelo Odebrecht e a seus pares.

Mesmo já condenado a 19 anos de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, Odebrecht poderá ter a pena “perdoada” ou significativamente reduzida, a exemplo de outros réus da Lava Jato.

A informação sobre o Acordo de Confidencialidade foi revelado pela jornalista Mônica Bérgamo, da Folha de S. Paulo.

A eventual concessão de benefícios ao maior empreiteiro do País será decidida pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, se houver homologação da delação. Isso não tem prazo para ocorrer, é longo o caminho a ser percorrido. Mas a expectativa, a partir do Acordo de Confidencialidade, é que as negociações poderão, enfim, deslanchar.

A delação de Odebrecht será submetida ao crivo da Corte máxima, e não ao juiz federal Sérgio Moro, porque a previsão é que ele revele nomes de políticos com foro privilegiado, como deputados e senadores.

Na prática, como ocorreu com outras pessoas jurídicas que seguiram a mesma trilha, a Odebrecht agora se obriga a apresentar aos investigadores o que tem para revelar sobre fatos e obras em torno das quais teria funcionado esquema de propinas e cartel.

O Acordo de Confidencialidade representa, também, um “armistício”, a garantia de que a empreiteira não será mais alvo de novos “ataques” da Lava Jato, as operações especiais, exceto se algum executivo seu for flagrado na prática de novos crimes.

Desde que o presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, foi preso, em 19 de junho de 2015, a empresa tem sido alvo de constantes missões da Polícia Federal e da Procuradoria da República.

A Lava Jato sufoca a maior empreiteira do País e seu principal executivo.

As mais recentes operações, Acarajé e Xepa, atingiram o coração financeiro da empresa e descobriu a atuação de um “departamento” de pagamentos ilícitos, a partir da apreensão da superplanilha de pagamentos em poder de um de seus executivos, em fevereiro.

Marcelo Odebrecht, já condenado, é alvo de outras investigações.

Acuada, a empresa decidiu fazer o que denominou de “colaboração definitiva”. Ao se ver diante do “abismo”, a Odebrecht avaliou que precisava “dar uma resposta ao mercado”. A empresa aposta em “uma nova Odebrecht”, a partir da confissão de que se envolveu em atos ilícitos.

A partir do Acordo de Confidencialidade ela deverá informar detalhes preliminares sobre operações ilegais, que podem incluir outras construtoras, pagamentos ilícitos e nomes de agentes públicos contemplados com propinas sobre contratos fraudados.

Nessa etapa, a empresa não entrega provas, o que só deverá fazer depois de eventualmente fechado o acordo de delação premiada – só aí são repassados aos investigadores, por exemplo, cópias de e-mails, números de contas, identificação de instituições financeiras, operadores e testemunhas.

É a fase dos Anexos. Cada Anexo traz o resumo de um fato. Não há limites de Anexos. Nesse período poderão ocorrer “conversas informais” entre os procuradores e os executivos. As provas só quando for assinado o Acordo de Colaboração.

Investigadores acreditam que Marcelo Odebrecht poderá revelar muitas informações, inicialmente, sobre financiamento de campanhas eleitorais. “Pega todo mundo, não escapa nada”, avalia um investigador.

Os repasses teriam favorecido quase todos os partidos, especialmente as maiores legendas, e campanhas presidenciais. Teriam ocorrido repasses oficiais, declarados à Justiça eleitoral, e por caixa 2.

Outro capítulo é relativo ao pagamento de propinas a agentes públicos de estatais.

Interessa aos investigadores dados sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eles querem saber sobre o sítio de Atibaia, no interior de São Paulo, cuja propriedade a força-tarefa da Lava Jato atribui ao petista – o que é negado com veemência por sua defesa.

Os investigadores também miram em tráfico de influência supostamente praticado por Lula em favor da empreiteira, especialmente no exterior – conduta também repudiada pelos advogados do ex-presidente.

Eles querem “virar” a página da Petrobras porque consideram praticamente esgotada essa parte da investigação. Os investigadores supõem que Marcelo Odebrecht poderá oferecer “muita coisa sobre campanhas eleitorais e ir muito além da Petrobras”.

As negociações entre a Odebrecht e a força-tarefa tiveram início em fevereiro. De lá para cá foram realizadas nove reuniões entre advogados da empreiteira e os procuradores. As primeiras duas reuniões foram “duríssimas”, as partes não se entendiam.

Algumas reuniões ocorreram por videoconferência. Delas participaram procuradores da República de Curitiba, base da Lava Jato, do Rio e de Brasília, estes da Procuradoria-Geral da República, da equipe de Rodrigo Janot.

No início houve muita resistência das partes envolvidas na negociação, inclusive dentro da própria companhia.

Marcelo Odebrecht e nem qualquer outro executivo participou de reuniões com os procuradores. Ele ainda não sentou à mesa com a força-tarefa da Lava Jato em nenhuma oportunidade. O empresário está preso no Complexo Médico Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.

O avanço do processo de delação não reflete nas ações penais contra Marcelo Odebrecht e os outros executivos da companhia. Os processos seguem seu rumo natural, até porque existe a possibilidade de, ao final das negociações, a Procuradoria da República ou a própria empreiteira não aceitarem os termos.

A reportagem procurou o criminalista Téo Dias, que integra o núcleo de defesa da Odebrecht, mas ele não se manifestou sob alegação de que impedimento legal não o autoriza a fazer comentários sobre as negociações.