Entrevista

Nelson Justus abre a caixa-preta da AL

Ao divulgar uma lista nominando os servidores de carreira e ocupantes de cargos comissionados no Legislativo, informações tidas como uma verdadeira caixa-preta, o presidente da Assembleia Legislativa, Nelson Justus (DEM), disse que estava inaugurando a era da transparência no poder. Mas reconhece que o processo é gradual e que ainda tem muito para ser feito. Porém, disse que o primeiro passo está dado e que, apesar das muitas críticas, a Assembleia do Paraná é a única do País a publicar essas informações.

O Estado: Para chegar à publicação da lista de funcionários do Legislativo, o senhor teve que romper com uma cultura interna de resistência à abertura da instituição e de seu funcionamento para a sociedade. Quais foram as dificuldades para finalizar esse trabalho?

Nelson Justus: As dificuldades são culturais mesmo. Estou aqui há dezenove anos e há pouco tempo não se poderia imaginar que nós teríamos os projetos na intranet ou internet, como agora. Quando assumimos aqui, o compromisso foi de avançar para a modernidade. Para isso, estamos conversando com todas as assembleias do País e extraindo informações.

OE: Nestes contatos, foi possível identificar qual é o grau de transparência da Assembleia do Paraná em relação às demais?

NJ: Quando cheguei aqui, os deputados recebiam carros. Depois, tinham problemas com motoristas, com manutenção dos veículos. Aos poucos, isso foi sendo extinto. Hoje, não temos mais carros, não temos as diárias, não temos sessões extraordinárias remuneradas, acabamos com o voto secreto, fortalecemos as comissões permanentes, o público tem acesso a projetos. E vamos falar do painel eletrônico.

Era um tabu na Casa porque alguns se perguntavam como é que as pessoas vão saber quem vem e quem não vem para a sessão, quem votou, como votou. A TV Assembleia é extraordinária. O eleitor pode conferir se o discurso que o deputado faz em plenário é o mesmo que ele faz na base, o que ele diz o que não diz. Como ele vota. Isso é transparência.

OE: Qual foi o papel do Ministério Público nesse processo? Sempre se comentou que o MPE tinha montado uma base aqui e exigido que a Assembleia adotasse medidas internas saneadoras. A divulgação da lista dos servidores, da prestação de contas dos deputados no portal, tudo isso foi resultado de uma exigência do Ministério Público?

NJ: O Ministério Público participou porque cobra o cumprimento ao preceito constitucional, o artigo 234, que determina a divulgação dos servidores de todos os poderes. E isso não foi incluído ontem na Constituição. Já está aí faz alguns anos e não era cumprido. E uma coisa interessante: a única Assembleia que colocou esse artigo na Constituição foi a nossa, a do Paraná. Nenhum parlamento tem na sua constituição este artigo, que também está na Constituição Federal. Ninguém cumpre. A história de que todas as assembleias publicam a lista é mentira. Só a nossa está publicando. Se alguém me trouxer a relação de funcionários de alguma assembleia do País, eu dou a cara para bater. Eu prometi que iríamos avançar e estamos avançando. Claro, pode ser melhor? Pode, mas estamos avançando…

OE: Uma das críticas que foram feitas à lista é que não constam nem os funcionários aposentados nem o local de trabalho dos servidores, como determina o artigo 234. Por que esses dados não aparecem?

NJ: Não vejo necessidade. A relação tem os efetivos, que são os funcionários de carreira. E os comissionados. Os de carreira são aqueles que exercem funções na administração da Casa. E os em comissão, são aqueles que exercem os cargos de confiança. No caso dos cargos de confiança dos deputados, n&a,tilde;o os da Casa, que também os tem, não precisam, necessariamente trabalhar aqui na Assembleia.

É possível ter um cargo comissionado que exerça sua função num município da base eleitoral do deputado. Sentamos com o Ministério Público e perguntamos se estava bom assim e foi feito. Agora, nunca ninguém vai estar satisfeito com o que fazemos. Quando distribuí a lista, um jornalista me perguntou se era verdadeira. Eu sou um “lorde”, mas numa hora dessas a gente perde a nobreza. Eu tenho cara de quem vai apresentar uma lista fria? Ora, tenha paciência, uma pergunta dessas não dá para responder.

OE: O cálculo de 45 servidores por gabinete foi duramente contestado por todos os deputados. O que está errado nesta conta?

NJ: É maldade e burrice. É a mesma coisa que eu pegar todos os funcionários do Tribunal de Justiça e dividir pelo número de juízes e desembargadores. Ora, ninguém fez isso. Ou pegar os cerca de seiscentos funcionários do Tribunal de Contas e dividir pelos sete conselheiros. Ora, não é assim. A Casa tem que ter uma estrutura para funcionar. Eu tenho que ter um departamento jurídico, um departamento financeiro, um setor de segurança, as taquigrafas.

Isso não pode entrar na conta do deputado. O que o deputado tem é R$ 39,5 mil que ele divide no seu gabinete. E estes funcionários não precisam estar o dia inteiro no gabinete. Eles podem estar trabalhando no interior, exercendo outras funções políticas. O trabalho de um deputado não se esgota no gabinete. Esses argumentos todos foram discutidos com o Ministério Público. Vamos regulamentar isso, vamos esclarecer isso.

OE: A Assembleia vai regulamentar que um cargo comissionado pode ser exercido em qualquer lugar do Estado, é isso?

NJ: Eles são agentes políticos. A Assembleia não é uma loja comercial, onde um é o contador, o outro o balconista e todos têm que cumprir o horário de tal a tal hora. O parlamento é uma casa política. O funcionamento não é assim. Há um exagero nas críticas que são feitas ao parlamento. Esse combate exagerado às instituições é perigoso. Claro que a classe política contribui para levar a pancadaria. Um tem um castelo e não declara. Há o mensalão. Isso contribui para o desgaste. Mas há o exagero. Não basta fazer a crítica. Tem que constranger, tem que ridicularizar.

OE: Amanhã, começam a ser votados três projetos que o senhor descreve como a segunda etapa desse processo de transparência. O que vai mudar?

NJ: Os deputados vão mostrar na internet como eles gastam a verba de ressarcimento. Com nota fiscal e CNPJ. Uma pessoa vai checar as notas. Se não tiver o “ok” dela, a Tesouraria não paga. Tudo estará discriminado. Todo mundo vai saber o quanto o Nelson Justus gastou em combustível naquele mês, quanto gastou em restaurante, em hotel, mas com a nota fiscal.

OE: Deputado, e como é que será evitado aquele processo de nomeações que deu origem ao caso dos gafanhotos, quando as pessoas nem sabiam que eram funcionárias da Casa….

NJ: O gafanhoto já não existe mais… O que acontecia é que nem sempre havia a sacanagem que todos achavam. Havia casos em que a pessoa que ia ser contratada por um deputado não queria ter uma conta em seu nome. Às vezes, a pessoa tinha um monte de dívida e sabia que, se abrisse uma conta bancária, todo o salário dela seria confiscado. E aí pedia para pôr na contra de outra pessoa. Faziam isso. E de monte. Mas é claro que em outras situações, havia os mal intencionados. Esses vão ter que responder. A Assembleia forneceu todas as informações à Polícia Federal.

OE: Como evitar que isso se repita?

NJ: A pessoa que for contratada pelo deputado terá que preencher um formulário declarando que não tem emprego público, que está com o imposto de renda em dia, e assume a responsabilidade pelo que está informando. Tem que assinar. Se não tiver essa ficha na Assembleia, o funcionário não recebe. Você pode ter certeza que funciona. Porque se o sujeito que trabalha lá em São Pedro do Ivaí não preencheu o ,formulário, ele não recebe. Se não tem salário na conta, ele vem a pé de São Pedro do Ivaí para saber por que não recebeu. E o deputado vem junto para perguntar por que nós não pagamos o funcionário dele (risos). Então, nós sabemos que vai funcionar.