Ciclo do mal

Boa parte das vítimas de abuso sexual na infância comete o mesmo crime

Aos 28 anos, Roberto (nome fictício) foi preso pela segunda vez por abuso sexual de menores. A primeira detenção foi três anos antes, quando a Polícia Federal encontrou fotografias de crianças nuas no computador dele. Confessou ter molestado um garoto de 14 anos, motivo de sua segunda passagem pela polícia.

“Sofri estupros de primos e outros garotos mais velhos, dos 8 aos 13 anos”, disse, na delegacia, com muita dificuldade e sem conseguir evitar as lágrimas. De acordo com a polícia, esse discurso é comum entre autores de crimes sexuais. “O objetivo do combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes é, além de proteger inocentes, quebrar o ciclo gerado pelo trauma. Evitar que vítima se transforme em abusador”, explicou a delegada Sabrina Alexandrino, do Núcleo de Proteção à Criança e o Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria).

Atendimento

É muito importante que o crime seja registrado e a vítima receba acompanhamento médico e psicológico. Do começo do ano até agora, a polícia já instaurou pouco mais de 150 inquéritos de violência sexual contra crianças e adolescentes em Curitiba. Em 2014, foram mais de 350 casos. “Cerca de 90% dos abusos acontecem no ambiente familiar. Os autores mais comuns são parentes ou pessoas próximas da família”, comentou Sabrina. “Por medo e vergonha de expor o problema, os parentes perdoam ou deixam passar. Assim, geralmente os abusos voltam acontecer”. De acordo com o Ministério da Saúde, apenas um em cada 20 casos de abuso ou exploração chega ao conhecimento das autoridades.

Filmes criam debate entre jovens

Para encorajar o diálogo sobre o abuso e exploração sexual de menores, hoje, amanhã e quarta-feira, sempre às 19h, serão realizadas sessões do filme “Anjos do Sol”, na Cinemateca. O longa-metragem, de 2006, conta a história de Maria, uma menina de 12 anos que é vendida pela família para se tornar prostituta em um garimpo. A plateia será composta por adolescentes do programa Menor Aprendiz, que participam de debate após o filme.

A primeira sessão foi na semana passada. “Queremos levar até eles a temática da prevenção. O filme choca e por isso instiga o debate. O abuso e a exploração sexual muitas vezes é marcado pelo silêncio. Se a conversa for franca e na linguagem dos jovens, eles ficarão mais conscientes de como agir e se tornarão protagonistas no combate”, frisou a assistente social Marisa Mendes, da Secretaria Municipal da Mulher, uma das organizadoras do evento.

Outro

Na semana passada, também foi lançado em Curitiba o filme “O silêncio de Lara”, que mostra o drama de uma adolescente, vítima de abusos cometidos por um membro da família. Retrata a dificuldade de expor a violência que sofre durante anos. Foi exibido em escolas e em grupos de jovens. A produção foi feita em parceria entre o Centro Europeu e a Escola Adventista.

Hospital

A maioria dos abusos que não são denunciados pela família, acabada identificada por médicos e enfermeiros. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, no ano passado, 476 notificações de violência sexual contra menores foram feitas em hospitais, postos de saúde e Conselho Tutelar da capital.

Desde janeiro, o Hospital Pequeno Príncipe recebeu 70 crianças, de até 12 anos, vítimas de violência sexual. Cerca, de 35% delas com 4 anos ou menos. Um terço esteve no hospital pela segunda vez, porque a família não busca ajuda para afastar o abusador, que geralmente é parente.

“Se o abuso fica impune, volta a acontecer de maneira mais violenta e até fatal”, afirmou a pediatra Maria Cristina Marcelo da Silveira. “Denunciar é o único meio de proteger a criança. O sigilo médico é garantido justamente para que a vítima não fique marcada e se transforme em um adulto problemático e possível agressor”, frisou Maria Cristina.

É o segunte!

Hoje é o dia nacional de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. A data foi instituída em 1973, depois que uma menina, de 8 anos, foi violentada e assassinada no Espírito Santo. O crime ficou conhecido como “Caso Araceli” e os culpados nunca foram punidos. No ano passado, foram feitas 689 notificações de violência sexual contra menores de 18 anos em Curitiba e região metropolitana.