Provas imperfeitas

Solução de crimes depende da vontade e da estrutura policial

Existem homicídios insolúveis ou são apenas casos mal investigados? A resposta rende muita discussão e críticas ao trabalho da polícia. Oito profissionais da área do Direito ouvidos pela Tribuna, entre eles delegados, advogados e um promotor de Tribunal do Júri, acreditam que até existam casos insolúveis, mas a maioria concorda que grande parte dos crimes em que nunca se encontrou suspeito, ou dos casos em que os acusados foram inocentados no julgamento, é por falta de uma investigação apropriada.

A delegada Maritza Haisi, que comandou a recente reestruturação da Delegacia de Homicídios em Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), diz que crimes perfeitos não existem. O que ocorre, são assassinatos mal-investigados ou que ainda não possuem recursos suficientes para desvendá-lo. “Existem situações em que, naquele momento, a gente esgota todas as linhas investigativas. Mas com o tempo surgem novas tecnologias, por exemplo de substração de DNA, de melhoria de imagens de foto ou vídeo, de identificação de fragmentos papiloscópicos etc., que dão novo rumo à investigação. Quem imaginaria há poucos anos atrás que seria possível abstrair uma digital de uma folha de papel? Às vezes, novas informações só surgem bem depois, como por exemplo um crime de 2008, que só na semana passada surgiu a identificação da vítima. Já as desovas de corpo são locais de morte onde geralmente quase não há vestígio nenhum para se produzir prova técnica”, explicou a delegada.

Falta de Provas

É justamente a falta destas provas técnicas que derrubam toda investigação policial, quando ela chega no júri popular. Segundo o advogado Danilo Rodrigues Alves, presidente da Associação Paranaense dos Advogados Criminalistas (Apacrimi), absolvição por falta de provas não é algo difícil de acontecer, independente se o réu é culpado.

Absolvição aconteceu com o assassinato de Giovanna dos Reis Costas, em Quatro Barras, em 2006. Três ciganos foram a júri, acusados de matá-la em suposto ritual de magia negra. No entanto, o advogado deles, Cláudio Dalledone, conseguiu mostrar que as provas colhidas no inquérito não eram suficientes para incriminar os ciganos, a ponto do próprio promotor do Ministério Público, Marcelo Balzer, pedir aos jurados a inocência dos réus. Por causa de investigações frágeis, vários outros réus foram inocentados, como Valentina de Andrade, acusada de decepar o pênis de meninos para usá-los em rituais de magia negra, no Pará e no Maranhão, na década de 80; dos quatro acusados de matar o ambientalista Jorge Grando, numa chacina, em Piraquara, em 2011, entre vários outros.

Polícia

Balzer, que há muitos anos atua no Tribunal do Júri, até acredita que casos insolúveis existam, em todo o Brasil, mas em quantidade ínfima. Ainda assim, ele resiste em utilizar o termo “insolúveis”. “Se a investigação inicial é boa, o caso pode até ser inconclusivo. Ele só pode ser chamado de insolúvel porque há má investigação”, disse Balzer, analisando que a maioria dos casos em que os réus são inocentados é porque a fase do inquérito policial foi mal trabalhada.

“Um promotor depende totalmente do inquérito para pedir a condenação. Se a gente consegue condenar um réu, ponto positivo para a polícia. Já os advogados de defesa têm a função de desqualificar a investigação para buscar a inocência do cliente”, disse o promotor, lamentando que muitas investigações têm sido tão frágeis, que fica fácil para os advogados atingirem seus objetivos. “Quase toda investig,ação é questionável. Existem muitas falhas, faltam coisas. É fundamental para um inquérito ter os laudos de local, de necropsia e de balística. Eu já peguei processos que o laudo de local de crime me fala uma coisa e o de necropsia diz outra totalmente contrária. Quantos júris fazemos que sequer existe o laudo de local de crime”, criticou o promotor.

Sucesso

Balzer explica que, em alguns casos, a investigação é tão bem feita que é impossível haver brechas para inocentar um réu. Assim foi com o homicídio da universitária Louise Maeda, em 2011. Ela era gerente de uma iogurteria num shopping e morreu porque descobriu que duas funcionárias estavam desviando dinheiro do caixa. “A investigação deste caso foi primordial para a condenação (os três réus já foram julgados). A polícia fez coisas que nem imaginávamos que seria possível, como rastreamento do cartão de transporte da Urbs, todo o roteiro do veículo feito através de radares, imagens de câmeras de segurança de todo o trajeto por onde passaram”, analisou o promotor, elogiando a atuação do delegado Marcelo Lemos de Oliveira, que conduziu o inquérito na época.

Aliocha Maurício
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Melhorias simples podem ser decisivas

Na opinião de vários profissionais do Direito, melhorias simples da estrutura policial e de alguns processos de investigação reduziriam drasticamente a quantidade de homicídios sem identificação de autor, ou de crimes com réus inocentados no Tribunal do Júri por falta de provas. Para o advogado Cláudio Dalledone, não existe nenhum caso insolúvel.

“O que existe é uma péssima investigação. Hoje temos uma polícia defasada, deficiente, cheia de preconceitos. Falta conexão entre a polícia judiciária e a científica. Essas guerras internas entre as polícias só fazem crescer esses crimes taxados de insolúveis. Homicídio é o crime dos crimes. Tem que pegar policiais que pensem de forma científica, que estejam atrelados a peritos criminais, vinculados com promotores do júri. Na DHPP (Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa) tem que ter delegado perdigueiro, vocacionado pra homicídio. Esse negócio de policial tático, caveira, usando balaclava é uma cultura policial antiquada”, criticou o advogado.

Estrutura

O advogado Danilo Rodrigues Alves, da Associação Paranaense dos Advogados Criminalistas (Apacrimi), também concorda que a Polícia Civil, a Criminalística e o IML estão sucateados e faltam policiais, mesmo com as recentes contratações. Já para o promotor Marcelo Balzer, uma pequena modificação na estrutura policial, além do aumento do efetivo, ajudaria muito na elucidação de crimes.

“Um dos grandes problemas da polícia é a falta de comprometimento dos policiais com os casos. Vou dar como exemplo o sistema que funciona hoje. Os policiais que estão no plantão vão atender um local de crime. Pegam informações, falam com algumas pessoas, fazem um relatório e entregam. Dali três dias só é que outra equipe diferente vai pegar o relatório e começar a investigar. Eles nem foram ao local do crime, não “vivenciaram” aquilo. Quem deveria investigar um crime do começo ao fim são os policiais que foram ao local, que iniciaram aquele processo. Isso os tornaria mais comprometidos com a elucidação. Um homicídio bem investigado começa com um bom trabalho nas primeiras 48 horas”, analisou o promotor.

“A investigação policial já melhorou muito nos últimos anos. Mas ainda dá pra melhorar bem mais. Tem que investir mais no Instituto de Criminalística, no Instituto Médico-Legal, tem que colocar mais policiais para investigar. Se a polícia já consegue fazer muito com pouco, imagina se tiver mais condições”, analisou o p,romotor.

Escolha

O promotor Marcelo Balzer acusou a polícia judiciária de escolher quais casos vai se dedicar e quais ficarão nas prateleiras, conforme quem morreu ou quem matou. “Eles elegem aqueles que vão dar repercussão. A imprensa também é eletiva. Escolhe um caso ou outro para dar destaque. Mas eu entendo que a mídia precisa vender, é um negócio. Mas a polícia não pode preterir um caso a outro. Tem que tratar todos de forma igual. Eu faço júris todos os dias. Me dedico igual a todos eles. A polícia deveria fazer o mesmo. Por que não fazem em todos os inquéritos a mesma coisa que fizeram no caso Louise Maeda?”, atacou o promotor.

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