Sexo com tumulto

Moradores do Rebouças reclamam da atuação de travestis

A tolerância com a prostituição de travestis na região da Praça Ouvidor Pardinho, Rebouças, está no limite. Há mais de uma década, as esquinas das avenidas Getúlio Vargas e Iguaçu são pontos para oferecer sexo em troca de dinheiro. Entretanto, constantes algazarras, programas feitos na rua ou dentro de carros e cenas de nudez têm constrangido moradores e quem passa pelo local.

O movimento começa depois das 20h, porém, a concentração ocorre a partir das 22h. Até o fim da madrugada é possível contar dezenas de travestis pelas esquinas da praça e arredores. Vêm e vão, sempre procuradas por clientes em carros luxuosos e de vidros escurecidos. A rotatividade é grande. Após rápida negociação, entram nos veículos. A maioria não vai muito longe e usa pequenos hotéis do Rebouças ou do Centro.

Certo tempo depois os mesmo carros voltam e as travestis descem. Em seguida se posicionam à espera de novos clientes. Quem tira a roupa têm mais chance de fazer programa e a competição tornou a nudez, mesmo que parcial, quase regra. A quadra da Rua Lamenha Lins é onde a ação das travestis é mais ostensiva. O local foi palco de protesto de moradores em 2009, quando barricadas de pneus em chamas bloquearam as duas esquinas. Mas eles se calaram nas semanas seguintes, após receberem ameaças de travestis.

Na esquina da Paróquia do Sagrado Coração de Maria, na Rua Nunes Machado, moradores relataram ter visto programas dentro de veículos. A iluminação pública foi redobrada, porém, não afugentou a clientela nem aumentou o pudor.

Vistas grossas

As autoridades fingem não enxergar o problema, apesar de a área de prostituição fica a duas quadras do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar. A Avenida Getúlio Vargas, por exemplo, é rota de qualquer viatura que retorne ao quartel, vindo da parte norte da cidade. O Paraná Online registrou travestis sem roupa e várias vezes fazendo poses obscenas. Em alguns momentos, viaturas da PM foram vistas circulando, sem que qualquer prisão ou mesmo alguma advertência ocorresse. Em nota, o comando do 12.º Batalhão da PM, responsável por esta área da cidade, informou que “não tem se deparado com flagrantes de nudez no local apontado” e que nenhum policial “se negaria a intervir num fato como este, caso o flagrasse”.

Lei

O artigo 214 do Código Penal, que previa o crime de atentado violento ao pudor (ficar nu ou praticar sexo em público, ou constranger alguém com ato libidinoso que não seja conjunção carnal), foi revogado em 2009. Mas isso não significa que deixou de ser crime. Apenas foi incorporado ao artigo 213, que prevê o crime de estupro. Portanto, tem a mesma pena, que vai de seis a dez anos de prisão.

Acostumados, mas nem tanto

Depois de insistentes pedidos para a polícia e prefeitura, os moradores da região não encontram solução para eliminar o estigma do local como ponto para prostituição de travestis. A contragosto, tiveram que se acostumar. Um empresário que mantêm seu comércio no primeiro andar de um prédio na Rua Lamenha Lins, e a casa no andar de cima, perdeu a paciência várias vezes, mas após receber ameaças, desistiu de reclamar.

“Estamos há nove anos neste local. Minha filha, de 5 anos, sempre morou aqui. Ela faz perguntas e se assusta sempre que vê as travestis nuas. Não sei o que responder”, comentou. “Usam a minha marquise como ponto e tem noites que não conseguimos dormir por causa de som alto e gritaria”, completou. “Quase todos os dias, antes de abrir meu negócio, preciso dar uma geral na calçada. Volta e meia sobram camisinhas, fezes e cheiro de urina”, lamentou.

Desvalorização

Outro empresário, há 20 anos na região, reclamou que os imóveis estão desvalorizados e que alguns estabelecimentos foram obrigados e trocar de lugar ou fechar. “Dominam a rua pouco antes do anoitecer e o tráfego fica praticamente restrito à clientela delas. Restaurantes que funcionavam aqui foram embora e os que restaram lutam para atrair clientes”, explicou o comerciante.

O homem contou que a mãe de um coronel da reserva da PM mora nas proximidades e que o ex-policial encabeçou, por certo tempo, a briga dos moradores. Porém, após insistentes pedidos e contatos diretos com autoridades, sem efeito, ele também desistiu.

A última alternativa estudada pelos empresários e moradores foi a instalação de câmeras em pontos estratégicos das ruas Lamenha Lins, Nunes Machado e Alferes Poli. As imagens ficariam disponíveis na internet em tempo real. “Desse modo, quem estivesse disposto a contratar travestis ficaria de alguma forma exposto. Talvez isso afugentasse os clientes, mas o alto custo de instalação e manutenção desmotivou a maioria e o projeto não seguiu adiante”, resumiu o empresário.

ONG orienta e recebe denúncias

A organização não governamental Dignidade e o Transgrupo Marcela Prado trabalham diretamente com as travestis da capital. Segundo levantamento feito pelas duas ONGs, cerca de 80% das travestis que se prostituem na Praça Ouvidor Pardinho não são de Curitiba. Vêm de outras cidades e estados atrás do grande volume de clientes.

“Curitiba é polo de prostituição de travestis. Algumas se mudam em definitivo, mas a maioria está de passagem e isso diminui o respeito às regras. Nós não compactuamos com essas atitudes”, alegou Rafaelly Wiest, presidente do Transgrupo, referindo-se à nudez e programas na rua.

Segundo ela, a cada 15 dias, equipes da ONG vão até a região da praça para distribuir preservativos e dar orientações. “Temos um código de conduta das travestis que proíbe a nudez e o barulho, principalmente depois das 22h. Os moradores devem denunciar. Eu já denunciei esses abusos várias vezes. Cobramos respeito e as obrigações que estado brasileiro deve ter conosco. A mesma via que cobra é a que tem que cumprir, como um cidadão faz”, declarou Rafaelly.

Reclamações

Após o contato da reportagem, ela se comprometeu em se reunir, em caráter de urgência, com as travestis. “Vamos adverti-las para diminuir os conflitos. Queremos ser lembradas pela luta por direitos e pela visibilidade trans, não por bagunça e problemas com a comunidade”, definiu.

Os moradores que tiverem alguma reclamação podem entrar em contato direto com as ONGs pelo telefone 3322-3129.