Incentivos às montadoras dão prejuízo ao Estado

Cálculos da Agência de Fomento do Paraná revelam que o governo do Estado receberia pelo menos R$ 5 bilhões se a Volkswagen pagasse os juros e a correção monetária do empréstimo que o governo Jaime Lerner liberou à empresa para sua instalação em São José dos Pinhais, em 97. “O Estado foi um pai generoso. O que o Paraná deixará de ganhar, só com a Volkswagen, pagaria a dívida que tem com o Banestado. Os benefícios dados à Volks representam um segundo banco”, denunciou o governador Roberto Requião.

A montadora tomou por empréstimo, na ocasião, por meio do Fundo de Desenvolvimento Econômico, R$ 166,177 milhões, com vencimento em 26 anos, sem juros nem correção monetária. “Se projetarmos esse valor para daqui a 26 anos, aplicando juros médios de mercado, chegaremos aos R$ 5 bilhões”, salientou o diretor presidente da Agência de Fomento do Paraná, Antônio Rycheta Arten.

O governo do Estado pretende ser ressarcido desse prejuízo através de ação na Justiça. No processo, a Procuradoria Geral do Estado vai pedir o pagamento dos juros e correção monetária desde a concessão do empréstimo até o final do contrato.

Dilação

Outro benefício dado à Volks foi a dilação no pagamento do ICMS, também sem juros nem correção monetária. O governo Lerner adotou uma fórmula pouco usual com relação ao recolhimento. Além da postergação inicial do prazo de pagamento do imposto em quatro anos, o governo concedeu outros dois benefícios. Dividiu o valor integral do recolhimento mensal em duas parcelas e deu prazos que variam de quatro a quinze anos. Dessa forma, a Volks, depois de quatro anos, ou seja, em setembro de 2001, começou a pagar apenas o equivalente a 25% do seu recolhimento mensal. Os 75% restantes serão pagos a partir de 2016. Até agora a Volks pagou ao Estado R$ 75,763 milhões de ICMS, e tem uma dívida de R$ 474 milhões, até 12 de janeiro deste ano.

Renault

Inicialmente o Estado subscreveu um capital de R$ 136 milhões em ações da Renault, através do Fundo de Desenvolvimento Econômico (à época U$ 136 milhões). A montadora francesa recebeu do mesmo fundo R$ 8,770 milhões, a serem pagos em 10 anos, também sem juros nem correção monetária. Em seguida, no entanto, a montadora foi beneficiada com a dilação do prazo para o pagamento referente a 99,5% do valor dos impostos, também sem juros nem correção monetária, reduzindo a participação do Estado nas ações da empresa. “O que significa que, ao invés de ter investido, tendo como contrapartida ações, o Estado fez de forma oblíqua uma doação de recursos à Renault, sem contrapartida alguma”, explica Requião.

O governo questiona também o fato de as peças de reposição serem absurdamente caras, onerando pesadamente a manutenção dos veículos por ela fabricados. “O Estado sofre com isso. Entretanto, o Estado tem instrumentos de pressão, o que não acontece com o consumidor comum, que tem pouco poder de reivindicação”, assinalou Requião.

Os benefícios fiscais dados à Renault no governo Jaime Lerner seguem o mesmo padrão dos da Volkswagen. Foram determinados quatro períodos de recolhimento a partir de 97, que também serão pagos em duas vezes. As primeiras parcelas equivalem a 0,5% da dívida e serão pagas com uma dilação de quatro anos. E as segundas parcelas, referentes aos 99,5% restantes, terão uma dilação de prazo que variam de 10 a 20 anos. A Renault até agora pagou apenas R$ 1,567 milhão em ICMS e tem um saldo devedor, até janeiro deste ano, de R$ 547,848 milhões.

Prejuízos

Na opinião do diretor presidente da Agência de Fomento, os recursos liberados durante o governo Jaime Lerner para as montadoras trouxeram prejuízos imensos para o Estado. “O Paraná perdeu duas vezes. A primeira porque não está havendo cobrança nem de juros nem de correção monetária sobre os valores liberados nos financiamentos. E também porque os prazos para o pagamento dos impostos tiveram uma dilação absurda”, disse. “O Estado paga todos os meses R$ 47 milhões para saldar a dívida do Banestado. Por que as montadoras não pagam nada ao Estado?”, indaga.

Há uma sentença judicial favorável ao Paraná que se refere ao financiamento da Detroit Diesel Motores do Brasil Limitada, liberado em 97, de R$ 9,8 milhões, a serem pagos em 10 anos, sem juros nem correção monetária. A decisão em primeira instância é do juiz da 4.ª Vara de Fazenda Pública, Jefferson Alberto Johnsson. Ele diz que a indústria tem que pagar o financiamento, desde a sua concessão até o efetivo pagamento, com juros de 4% ao ano, mais correção monetária com base no IGP-DI. “Pretendemos seguir com o mesmo procedimento com as montadoras Volkswagen e Renault”, garantiu Rycheta.

Além disso, é preciso que se atente ao fato de que dívidas com o Estado prescrevem em cinco anos e isso pode atingir qualquer dilação que ultrapasse esse prazo.

Lei Complementar autoriza medidas

A assessoria de imprensa do ex-governador Jaime Lerner distribuiu, ontem à tarde, nota a respeito dos incentivos concedidos às montadoras. Segundo o documento, “em 1996, preocupado com a dura ameaça da Lei Kandir sobre o equilíbrio financeiro do Estado, o nosso governo, com o apoio dos nossos deputados estaduais, obteve da Assembléia Legislativa a promulgação da Lei Complementar 11.580/96, que regulamentou o ICMS em nosso Estado, conseguindo, ao se atender à exigência da lei federal de desoneração do ICMS sobre as exportações de produtos primários, a ampliação dos incentivos fiscais e financeiros para a atração de indústrias estratégicas.”

“O principal incentivo novo foi exatamente a dispensa de encargos financeiros de qualquer natureza, assegurada, no artigo 66 daquela Lei Complementar, aos programas de investimentos amparados pelo FDE (Leis 4529/62 e 5515/67) e pela Lei Aníbal Curi (Lei 9895/92), aprovada no governo de Roberto Requião, em 1992, pela qual o Paraná pode oferecer um prazo maior para recolhimento do ICMS novo”, continua a nota.

“Graças à visão estratégica do governo Lerner e ao compromisso dos nossos deputados com a causa do desenvolvimento do Paraná, aquela Lei Complementar do ICMS garantiu a base jurídica necessária não só para a legalidade, mas também para a licitude dos incentivos oferecidos às montadoras que vieram para o nosso Estado e mudaram de vez o perfil da nossa economia.”

“Vale também lembrar que o notável desempenho da economia paranaense em 2003, quer no âmbito das exportações (aumento de 23,5% até novembro), quer na atividade industrial (crescimento anual de 7,6% em outubro, o mais alto do país), superando largamente os índices nacionais e em particular os do Estado de São Paulo, evidencia o elevado retorno econômico e social que o Paraná obteve ao conceder os incentivos, que foram estendidos a todos os setores econômicos do Estado, principalmente ao agroindustrial.”

O documento conclui: “Somente as duas montadoras em questão (Volkswagen e Renault) geraram mais de 150 mil empregos (diretos e indiretos, considerando-se toda a cadeia produtiva, fornecedores, e terceiros como comércio e serviços etc, alimentados pelo incremento econômico com a instalação das montadoras). Sem elas, certamente não haveria toda essa discussão. Mas também não haveria os empregos e nem o ICMS que elas recolhem aos cofres do Estado”.

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