Carcaças ao relento

Apenas um policial cuida da Delegacia de Campo Magro

O cenário de carros desmanchados, abandonados em Campo Magro, mostrado ontem pela Tribuna, não se dá somente pelas estradas da zona rural. Na delegacia da cidade, vários carros e motos apreendidos também se acumulam no pátio. O único policial que toma conta do local sequer sabe de quais inquéritos muitos dos veículos estão relacionados. É uma falta total de estrutura e de gente, que faz com que a bandidagem se sinta à vontade para agir no município e o único policial, acuado para investigar.

A delegacia de Campo Magro não tem delegado e é administrada pela delegacia de Almirante Tamandaré, município do qual Campo Magro foi distrito até sua emancipação, em 1997. Até o fim de agosto, a delegacia estava sob cuidados da delegacia sede de Colombo, mas funcionava praticamente com apoio de funcionários emprestados da prefeitura, os chamados “bate-paus”, que atuam dentro das delegacias como policiais. Após intervenção da Justiça, estes funcionários foram afastados e a delegacia se tornou literalmente de um homem só.

Sem registro

“Desde que assumi como superintendente, dois homicídios aconteceram na cidade e foram resolvidos. Porém, o problema dos carros abandonados nesses desmanches na zona rural, além dos veículos do pátio da delegacia, exigem trabalho de investigação e burocrático, e não temos pessoal para isso. Mesmo assim, já tomei algumas medidas”, declarou Adolfo Rosevics, que por anos trabalhou no 1.º Distrito Policial e agora está sozinho, cuidando dos crimes em Campo Magro.

Sentado na sala que se abre para o corredor de acesso à antiga carceragem, ele contou que o primeiro passo foi transferir o cartório para a DP de Almirante Tamandaré. “Precisávamos saneá-lo. Desde então, os inquéritos começaram a ser cadastrados e agora conseguimos identificar o processo de alguns dos automóveis que estão no pátio”, esclareceu Rosevics. Por conta desta falta de cadastramento dos inquéritos policiais no sistema, não há estatística confiáveis sobre a quantidade de crimes que ocorreram na cidade, nos últimos anos.

Depósito

A falta de pessoal provocou outros problemas na delegacia, entre eles, a transformação das celas em depósito para 29 motocicletas. “Não há nem como pensar em cuidar de presos. Para suprir o básico e voltar a atender a população são necessários mais policiais”, resumiu.

‘Terceirização’ perigosa

A falta de policiais na delegacia de Campo Magro vem se arrastando há alguns anos. O emprego de funcionários terceirizados, conhecidos como “bate-paus”, sem qualquer vínculo com o Estado, no lugar de servidores de carreira, contaminou a delegacia a ponto de, em julho de 2009, o distrito ser alvo de operação do Ministério Público.

Quatro funcionários da delegacia foram detidos por policiais do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), vinculado ao Ministério Público.

Os “bate-paus” faziam operações para apreender veículos irregulares, entretanto, cada um ficava com parte do material arrecadado ilegalmente. Todos foram autuados por receptação.

Flagrante

Na casa de um deles, foram encontradas armas e o motor de um carro apreendido, instalado no veículo particular do funcionário. Um Corsa branco, apreendido ilegalmente pelo quarteto, continua no pátio da delegacia até hoje sem devolução ao dono.

Reforço virá com um investigador

Aliocha Maurício
Louvanir pediu mais efetivo.

O Departamento da Polícia Civil informou que, desde o fim de agosto, quem não era policial na DP de Campo Magro foi retirado dos serviços. Além disso, uma estagiária foi contratada nesta semana para auxiliar no trabalho burocrático. Até a metade de novembro, quando devem terminar as aulas da Escola de Polícia, um novo investigador será enviado para ajudar Rosevics na delegacia.

A delegacia continua com vínculo com o delegado de Tamandaré porque, segundo a assessoria da Polícia Civil, a falta de efetivo não é um problema exclusivo de Campo Magro, além disso, segundo o informe da corporação, não há necessidade de ter um delegado na cidade todo dia, já que é um distrito pequeno.

Compromisso

A prefeitura se comprometeu a reformar as instalações. “No início do ano, encontramos uma delegacia que não atendia a população. Com a chegada do novo superintendente, as coisas começaram a ser colocadas em ordem. Já entrei em contato com o governo estadual para trazer maior efetivo policial”, garantiu o prefeito Louvanir Menegusso (DEM).

Cemitério não aparece na Operação Vortex

Aliocha Maurício
Peças teriam como destino autopeças em Araucária. Veja mais imagens.

Em abril, a Operação Vortex, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, colocou na cadeia delegados, policiais civis e empresários, suspeitos de envolvimento com uma rede de autopeças com irregularidades. Na semana passada, a 6.ª Vara Criminal de Curitiba aceitou a denúncia do Ministério Público contra 23 dos investigados.

Investigação

De acordo com o procurador de Justiça e coordenador estadual do Gaeco, Leonir Batisti, o cemitério de carros em Campo Magro não apareceu nas investigações, que se concentraram nas denúncias de extorsão. Porém, a partir da reportagem, que revelou suspeitas da prefeitura de Campo Magro que as peças de carros sigam para as autopeças de Araucária, investigadas na Vortex, novas investigações do Gaeco poderão ser iniciadas, segundo o promotor.

Dificuldade

Entretanto, Batisti ressaltou que será muito difícil chegar aos donos de autopeças que receptaram componentes extraídos dos mais de 20 automóveis encontrados no município.

“O crime se resolve mais fácil na hora, ou poucos dias depois de ser cometido. Para culpar ladrões é preciso o flagrante. No caso dos receptadores, que incentivam e articulam este mercado paralelo, é preciso estabelecer a relação entre o carro encontrado no mato e as peças no ferro-velho ou na revenda. Sempre é um trabalho muito grande, que envolve pedidos de mandados judiciais e outros procedimentos”, descreveu Batisti.

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