Tráfico “formiguinha”

Jovens ganham até R$ 1 mil pelo tráfico formiguinha

Na fronteira do Brasil com o Paraguai, o tráfico de drogas é uma maneira fácil e perigosa de ganhar dinheiro para milhares de adolescentes pobres. Pegar um ônibus com uma mochila cheia de maconha, rumo a grandes centros urbanos, em troca de R$ 500 a R$ 1 mil, é uma aventura cada vez mais procurada por jovens entre 15 e 18 anos, explorados como “mulas” por traficantes.

A cruel realidade desses meninos e meninas, responsáveis pelo tráfico “formiguinha” na região fronteiriça, foi o tema da tese de doutorado da professora e assistente social Andréa Pires Rocha, concluída no final do ano passado. Em cinco anos de pesquisa, ela consultou dados oficiais, visitou instituições de internação e entrevistou menores infratores.

O objetivo da pesquisa é entender a trajetória de vida desses meninos e meninas e mapear a rota de sua atuação no contrabando internacional de entorpecentes. “São geralmente jovens que pertencem às classes populares, que têm seus direitos sociais negados desde a infância e vivem em territórios de pobreza, na fronteira ou em cidades que ficam nas rotas do tráfico”, diz Andréa.

Segundo ela, esses adolescentes estão longe de ser os principais responsáveis pelo tráfico, mas acabam sendo um dos principais alvos da repressão. “Eles trabalham para pequenas redes. De 60% a 80% da maconha consumida no Brasil vêm do Paraguai. Não é com meninos carregando drogas na mochila que o tráfico vai funcionar. É coisa de muitas toneladas, não de alguns quilos”.

Rotas

Cidades do oeste e norte do Paraná, como Foz do Iguaçu, Toledo, Cascavel, Maringá e Londrina, apresentam altos índices de apreensões de menores sob acusação de tráfico de drogas. Elas ficam no trajeto de três rodovias que são apontadas como as principais rotas do comércio ilegal de narcóticos: BR-277, entre a Ponte da Amizade e o Porto de Paranaguá; BR-369, que parte de Cascavel, atravessa todo o estado de São Paulo e chega a Minas Gerais; e BR-163, que liga o Sul do Brasil ao Centro-Oeste e Norte.

Foi nessas cidades e estradas que a grande maioria dos jovens infratores entrevistados por Andréa foi apreendida. “Geralmente eles são detidos em ônibus intermunicipais e interestaduais. Alguns são apreendidos por transporte a pé na Ponte da Amizade e poucos são pegos em automóveis acompanhados de outras pessoas”, constata a pesquisadora.

O estudo mostra ainda que, apesar de ser um drama internacional, a questão dos “mulas” é um grande desafio para as autoridades locais. “A grande maioria são adolescentes paranaenses que vão levar maconha para a capital e outros estados. O Paraná é um estado rico, com grande produção agrícola e industrial, mas com um grupo social muito vulnerável”, analisa.

Pra pesquisadora, guerra pautada por repressão é perdida

Quando e por que você começou a fazer essa pesquisa?

Andréa – Em 2003, fui contratada como assistente social pela prefeitura Maringá, onde pude atuar com adolescentes em liberdade assistida. Lá, me deparei com a situação dos “mulas”, pois muitos relatavam ter ido para a fronteira com o Paraguai buscar maconha. Pesquisei dados contidos no site do “Narcodenúncia” e estudei os casos de 53 jovens em centros de socioeducação de Londrina, Foz do Iguaçu, Cascavel e Toledo, entrevistando diretamente 30 deles.

Quem são esses “mulas” e como eles atuam?

Andréa – São jovens que transportam pequenas quantidades de droga a partir da fronteira, rumo a grande centros urbanos. A grande maioria são meninos e quase todos foram apreendidos com maconha, com até 30 quilos. Em muitos casos, são contratados para serem presos e distrair a, polícia, enquanto passa um carregamento bem maior. São os próprios traficantes que denunciam e alguns jovens sabem que são contratados para “cair presos”.

Como esses jovens se envolvem com o tráfico?

Andréa – Eles sempre mencionam um irmão, um tio, um pai que já tinha envolvimento. Relatam que é só ir na fronteira que logo aparece alguém interessado em contratar. A maioria vem de Foz e trabalha desde criança no contrabando de produtos, ou na muamba, como eles falam. O tráfico de drogas é visto como uma oportunidade, que traz mais riscos, mas muito mais ganho também. O contrabando é tão comum que é visto como um trabalho normal. Já o tráfico é reconhecido como um crime.

Quais são os maiores atrativos que os traficantes oferecem?

Andréa – O ganho de R$ 500 a R$ 1 mil por viagem e a própria possibilidade de viajar. Muitos jovens nunca saíram do local onde moram e vêm o trabalho como uma oportunidade de conhecer outros estados, cidades, dormir em um hotel, ir até a praia… A maioria busca recursos não para necessidades básicas, como alimentação ou moradia, mas por necessidades ditadas pela sociedade de consumo, como uma roupa ou tênis da moda, e também para investimento em diversão, onde se inclui o próprio uso de drogas.

O estudo aponta alguma solução ou forma de amenizar o problema?

Andréa – Aí entra a parte polêmica. Acredito que a guerra às drogas, enquanto for pautada na repressão e proibição, é uma guerra perdida. Essa questão só será resolvida quando sair do âmbito da segurança pública para a saúde. Se não a sociedade vai continuar sofrendo com a hipocrisia da proibição, que na verdade é uma criminalização da pobreza. Apenas os jovens pobres, que não têm acesso a advogados e sofrem preconceito, são apreendidos por tráfico. Meu estudo defende a regulamentação do uso de drogas.

Arquivo
Na maioria das vezes, jovens são contratados para distrair a polícia, enquanto passa um carregamento bem maior.
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