Descontrole

Funcionários da penitenciária são ‘marionetes’ do PCC

Funcionários do sistema penitenciário, lotados na Penitenciária Estadual de Piraquara I (PEP I), são marionetes dos detentos que integram o Primeiro Comando da Capital (PCC). A declaração é de um agente que trabalha na unidade, que pediu para ser mantido em anonimato. Ele procurou o Paraná Online para fazer denúncias graves de vícios e perversão das normas na PEP I e que as quatro mortes de detentos ocorridas no complexo penal de Piraquara, na verdade, tratam-se de execuções ordenadas pelo PCC. Só na PEP I, foram dois detentos mortos em menos de uma semana. Outros dois detentos foram encontrados mortos na Penitenciária Central do Estado (PCE), no final do mês passado, mas a polícia acredita que sejam casos de suicídio.

Na terça-feira da semana passada, Eleandro Hardrich da Costa, 27, o “Trevas”, que cumpria pena por tráfico de drogas, foi encontrado morto com golpes de lâmina de barbear no pescoço porque teria infringido uma norma da facção. Um companheiro de cela assumiu a autoria do crime, supostamente a mando de um superior do grupo criminoso. No último domingo, Edmilson Novaes, 29, o “Febem”, também foi encontrado inconsciente na cela, depois de um tumulto de presos. Ele foi encaminhado à enfermaria, mas não resistiu.

“Hoje podemos dizer que a maior parte do internos da PEP I são faccionados. Estamos falando aí que de um universo de cerca de 630 presos, 70% seria do PCC e os demais são simpatizantes”, disse a fonte. “A morte do “Febem’ foi decretada, assim também como a do “Trevas’”. As supostas execuções ocorrem sempre com droga. “O condenado pode escolher. Normalmente é o “gatorade’ (água com cocaína, com ingestão oral), ou tubos de canetas cheios de cocaína nas vias áreas. O laudo vai dar overdose, mas não explica as circunstâncias que ela ocorreu”, relata. Com as mortes inexplicadas, ninguém precisa assumir BO (boletim de ocorrência).

De acordo com ele, estas mortes e os atentados a agentes penitenciários – como o caso de Jair Dias, atacado em fevereiro por uma dupla de motoqueiros, que disparou 26 tiros na vítima, além da agente penitenciária Neusa Berdinarczuk, 42, que levou um tiro no olho, no Xaxim, no sábado passado (e que a polícia divulgou inicialmente como tentativa de assalto) – também seriam obra do PCC, que mantém atividade fora dos muros da prisão. “Dizem que a ordem teria partido do “Zé Neguinho’”, comentou o funcionário. Tanto Jair como a agente escaparam com vida.

Regalias de todo tipo

“Curioso que no dia do atentado ao agente penitenciário (Jair), os presos já sabiam antes que a gente. Eles tem celular e sabem de tudo o que acontece. O equipamento para inibir sinal foi desligado, com a desculpa que atrapalha o sinal de toda a região de Piraquara”, revelou. Na cotação da PEP I, um celular está valendo R$ 5 mil. Um pacotinho de fumo Caiçara, produto largamente consumido pelos detentos, sai por R$ 400.

O sistema de câmeras, outro equipamento fundamental para vigiar os detentos, não estaria funcionando 100%. “A maioria não obedece o comando do joystck, instrumento que possibilita a movimentação em 360.º do equipamento”.

“O PCC fez também um recadastramento de presos, para saber qual família estava precisando de ajuda. Eles pagam aluguel, médico e até advogado. Quando o “irmão’ estiver solto, tem que pagar mensalidade de R$ 850 para o comando continuar atividades”, completou.

Corega nas partes íntimas

O Paraná Online perguntou ao funcionário como drogas entram com tanta facilidade numa unidade de segurança máxima. De acordo com o funcionário, “droga lá é mato”. Os entorpecentes são levados por funcionários subornados ou visitas. São feitas revistas, mas mulheres que querem levar algo dentro genitália ainda tem chance de conseguir., “Um dos truques é fechar a genitália com Corega (pomada usada para fixar próteses dentárias) e aí pode abaixar quantas vezes for que não vai soltar”, explicou.

Como prova de que as drogas circulam livremente pela unidade, ele apresentou rascunhos escritos a caneta que mostram movimentação de pequenas quantidades de droga, com data de dezembro de 2012 e valores, sempre creditados a apelidos, como “Beiço”, “Javali” e outros. “Provo que entra droga, porque tenho a contabilidade, cocaína, ecstasy, Viagra, usado em visitas íntimas”. Além desta documentação, o denunciante apresentou um estatuto do PCC (que dita normas de conduta para os integrantes), além de “relatórios de exclusão” de membros, por infringir as normas do PCC.

Governo fortaleceu comando na cadeia

A tensão dentro de PEP I cresceu desde que o governo tomou a decisão de agrupar todo o comando do PCC dentro de unidade, contou o denunciante. Isso facilitou a organização do grupo, que interfere até em questões administrativas. Por exemplo: o café só é servido se o “Voz” (guardião) da galeria aprovar. Ele é o primeiro a provar a bebida e se ele não aprovar, ninguém toma café ali.

Os funcionários temem confrontar os presos, já que relatam que sofrem ameaças constantes. “Eles dizem claramente que é fácil descobrir nosso endereço, ameaçam de morte nós e nossas famílias. É muito difícil ignorar isso”, diz.

Outra evidência do domínio do PCC é a livre circulação dos cabeças da facção entre as galerias, o que é proibido pela Cartilha de Segurança. Com trânsito livre pela PEP I, os chefes do PCC podem realizar as “ARs” (reuniões) e planejar suas ações. “Eu acredito que eles só não tomam a unidade porque está “fofo’ (cômodo, com tudo na mão) para eles, caso contrário já teriam se rebelado”, disse.

Mas nem por isso, a situação deixa de ser tensa. Na noite da última segunda-feira, houve tentativa de fuga na PEP I. Dois detentos conseguiram alcançar a laje, mas foram recapturados. Um deles teria sido ferido. Dominada a situação, quando os funcionários foram colocar os detentos da ala onde ocorreu o incidente no isolamento, os presos teriam se negado a ficar dois por cubículo. “Os funcionários são marionetes dos presos. Nós ficamos entre a administração e eles. Eles mandam em nós,
ameaçam, intimidam, oferecem suborno … é uma pressão constante”.

Além do domínio do PCC, uma queixa comum dos agentes é com o descaso das ocorrências disciplinares dos presos. Pelas normas, elas teriam que ser comunicadas à Vara de Execuções Penais (VEP), “mas muitas vezes não passa da segurança, por causa de acertos com presos dentro da unidade”, disse a fonte.

Polícia Civil investiga às cegas

Arquivo
Feijó: “funcionários não vão falar”.

O delegado Osmar Feijó, da delegacia de Piraquara, instaurou inquérito para apurar as mortes na penitenciária e aguarda os laudos do Instituto Médico-Legal (IML), que vão confirmar a causa dos óbitos. Ele também deverá ir até a PEP I para ouvir os presos envolvidos e agentes penitenciários, mas acha difícil conseguir informações devido ao medo de se trabalhar dentro do presídio. “O funcionário às vezes fala menos do que o preso”, lamenta.

A Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju) não confirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que agentes estão trabalhando acuados, como marionetes, conforme a denúncia, mas salientou que a secretaria, por meio do serviço de inteligência, vai intensificar as investigações e realizar uma apuração rigorosa do caso. A Seju ainda informou, com relação à morte de dois presidiários da PEP I, que o pri,meiro morreu em decorrência de uma briga de presos. O outro teria sofrido parada cardíaca, mas a causa somente será confirmada pelo IML.

Fora da lei

Apesar da exposição evidente ao perigo, os agentes ainda não tiveram a regularização do porte de arma. A lei foi sancionada em 2011, mas até agora a regulamentação ainda não foi feita. Enquanto isso, os agentes optaram por infringir a lei. “A grande maioria dos agentes está andando armada mesmo sem porte, por segurança de si e da família”.

O reclamo por falta de efetivo e estrutura é geral e atinge questões básicas. “Em cinco anos como agente, ganhei um jaleco e só”, resume o agente.