Recomeço

Pais sofrem com morte de filho e buscam força pra viver

Companheiro, destemido, respeitoso, amigo, alegre, contador de piadas: é dessa forma que Sandra e Claudemir Cordeiro lembram-se do filho primogênito, Henrique Zacharias Trindade Cordeiro, morto aos 21 anos, num acidente de trânsito provocado por um motorista embriagado e em alta velocidade, em fevereiro do ano passado.

Henrique foi um filho desejado. Brotou do ventre de Sandra após três decepcionantes abortos. “Veio um menino lindo. Uma vitória. Um presente de Deus”, lembra a mãe, com os olhos marejados. Henrique era um rapaz de berço, bem educado. “Em qualquer momento do dia, ele vinha tomar a benção”, recorda. “Era meu parceiro de futebol”, lembra o pai, mostrando as chuteiras do filho.

Em vez de prestar vestibular, como a maioria dos garotos da sua idade, preferiu trabalhar com o pai, dono de uma empresa de terraplanagem. Nos fins de semana, não dispensava a presença dos amigos. Na madrugada em que morreu, foi até uma casa noturna, no Tarumã, comemorar o aniversário de um deles. Henrique retornava para a chácara da família, em Piraquara, no seu Gol 94 pela pista direita do Contorno Leste, quando foi atingido na traseira pelo Hyundai I30 conduzido por Paulo Romaniow Júnior, 20, que voltava da mesma boate.

Henrique foi socorrido às pressas e levado ao Hospital Vita. Paulo sobreviveu por causa do airbag. A polícia apurou que ele dirigia a 182 quilômetros por hora e com 0,84 miligramas por litro de álcool no sangue, mais de oito vezes o permitido pela legislação. Ele foi preso e encaminhado à delegacia de São José dos Pinhais. Pagou R$ 300 de fiança e voltou para casa.

O acidente é semelhante ao que se envolveu o ex-deputado Fernando Ribas Carli Filho, acusado de duplo homicídio com dolo eventual e poderá ir a júri popular. Paulo, porém, foi denunciado apenas por homicídio culposo (sem intenção de matar) e embriaguez ao volante. A pena é de dois a quatro anos de prisão, que pode ser revertida para pena alternativa.

No último aniversário, Paulo ganhou de presente da mãe uma BMW, o que só aumentou a revolta. Desde o acidente, nem Paulo nem um parente seu entraram em contato com a família de Henrique para prestar assistência. “Eu quero que esse piá se conscientize do que fez”, lamenta Sandra. “Pedir perdão era o mínimo que ele podia fazer”, concorda o advogado Benedito de Paula, amigo da família, que se abraçou no caso e atua como assistente da acusação. Segundo ele, o processo que tramita no Fórum de São José dos Pinhais ainda está em fase de instrução.

Irmã da vítima é a força pros pais

“Por ela que vivo”, diz o pai.

Durante sua breve vida, Henrique só trouxe felicidade aos pais, que perderam o rumo quando o filho morreu. Desde então, Claudemir, mais conhecido como “Charuto”, Sandra e a filha, de 18 anos, irmã de Henrique, já se mudaram duas vezes de endereço. Era muito traumático passar pela rodovia onde o filho perdeu a vida. “Nós pensamos, sobretudo, na Andreza, que voltava dirigindo da aula por lá”, justificou Claudemir.

O segundo motivo foi ficar mais perto do cemitério onde Henrique está sepultado, no Água Verde. “Um homem que trabalha há 30 anos lá me contou que o velório do Henrique foi o segundo em número de pessoas”, contou o pai.

Todos os domingos a família visita o túmulo do rapaz. No dia 21, também é rezada missa em homenagem ao garoto, na Igreja Nossa Senhora do Sagrado Coração, no Pinheirinho, bairro onde os pais de Henrique moram atualmente.

De onde conseguiu forças para superar a perda?, Claudemir é sincero: “Por ela, minha filha, é que eu vivo. Se não fosse ela, não teria vontade de viver. Não existe fortuna maior que um filho”, afirma. No dia 21 de agosto, quando completou um ano e seis meses da morte de Henrique, o anjo da guarda do irmão parece ter guiado Andreza, que sofreu um assalto, mas não reagiu. Ela foi surpreendida pelo ladrão perto de casa. O marginal queria o carro que era do irmão: um Audi, presente do pai a Henrique, no final de 2010. A jovem se manteve calma e continua viva. O marginal levou o carro.

Doação atenua sofrimento e salva vidas

A primeira pessoa da família a receber a notícia do acidente foi a irmã Andreza. “Um homem me ligou e se identificou como enfermeiro. Achei que fosse brincadeira e desliguei. Mas retornei a ligação, porque fiquei preocupada, e soube que o Henrique tinha se envolvido num acidente de trânsito”, lembra.

Até 10h do dia seguinte, a família não sabia direito como havia acontecido o acidente. “Estávamos no hospital desde as 5h e o telefone da portaria tocou. A moça perguntou quem eram os pais do Henrique. Do outro lado da linha, era o delegado contando que o causador do acidente estava preso”.

Quase 80 amigos do rapaz foram ao hospital para visitá-lo. “Isso mostra o quanto ele era querido”, afirma.

Henrique permaneceu um dia internado até que foi constatada a morte cerebral. Apesar do sofrimento, Claudemir e Sandra se mantiveram sensatos e autorizaram a doação de órgãos. “Só não doamos a pele e os ossos”, disse a irmã. E a morte salvou várias vidas; a tristeza se multiplicou na esperança para outras famílias. O rim e o fígado foram doados a moradores de Maringá. Uma mulher recebeu um rim. Já o fígado salvou um homem. “Conseguimos entrar em contato com os receptores, que vieram para Curitiba para a missa de doadores. Eles sempre estão em contato com a gente”, conta Sandra. “A doação é dos pais. Doaram parte do filho para outras pessoas em sofrimento”, comenta o advogado.

Mas o que o casal realmente almeja hoje é descobrir em que peito pulsa o coração do jovem. A assistente social da central de transplantes enviou uma carta ao receptor do órgão, porém, não houve retorno. “O coração dele era muito bom. Só queria saber se a pessoa está bem”, esclarece Sandra.

Fotos por todo lado

O conforto dos amigos tem aliviado o peso do luto da família. Sandra faz questão de deixar à vista a imagem de Henrique em porta-retratos espalhados pela casa. A vontade de reencontrar o filho é tão grande que ela parece vê-lo caminhando pelas ruas. O vazio deixado pelo filho é como se fosse um buraco negro sugando todas as energias que lhe restam. “O dia não rende. Não tenho vontade de fazer nada. Quando saio, vejo pessoas diferentes na rua. Procuro o rosto dele por todo lugar e às vezes acho que o vejo”, disse. “Não tem uma hora em que eu não lembre dele. Acho que só quando eu estou jogando futebol é que me desligo”, confessa o pai.

No carro que causou o acidente, havia garrafa de vodka e o bafômetro comprovou a embriaguez do motorista.