TJ anula absolvição de Celina e Beatriz Abagge

O mais longo julgamento da história da Justiça brasileira, com duração de 34 dias, realizado no Fórum de São José dos Pinhais, em 1998, foi anulado ontem pela 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná. A Câmara deu provimento à apelação interposta pelo Ministério Público e anulou o júri que absolveu Celina e Beatriz Cordeiro Abagge, acusadas da morte do garotinho Evandro Ramos Caetano, ocorrida em abril de 1992, em Guaratuba. De acordo com a decisão da Câmara, a anulação ocorreu porque a decisão dos jurados foi contrária à prova dos autos.

Os jurados negaram a materialidade do crime, não reconhecendo o cadáver encontrado como sendo o de Evandro. Diante disso, o relator do processo, juiz convocado José Maurício Pinto de Almeida, analisou a questão e concluiu que a sentença do júri é manifestamente contrária à prova dos autos, uma vez que existiam laudos de exames odontológicos e de DNA – este com resultado 99,99% positivo – comprovando cientificamente a identidade do cadáver.

As duas mulheres que, desde a absolvição residem em Curitiba e mantêm uma vida recatada, deverão permanecer em liberdade, já que a decisão da Câmara não autoriza a prisão das acusadas. Ainda não foi marcada a data para um novo júri.

Defesa

Os advogados de defesa das Abagge – Osmann de Oliveira e Ronaldo Botelho -, assim que tomaram conhecimento da decisão do Tribunal de Justiça iniciaram os preparativos de uma série de recursos para tentar cancelá-la. “Nós vamos recorrer no próprio Tribunal e mais tarde em instâncias superiores. Vamos entrar com embargos, habeas-corpus e outros”, afirmou Oliveira, dizendo-se “espantado” com esse resultado.

Ainda segundo Oliveira, entre os laudos apresentados durante o julgamento, existia exame de necropsia que negava que o corpo encontrado era o de Evandro e com base neste documento os jurados teriam decidido pela absolvição das rés.

O promotor Celso Ribas, que atuou na acusação, ao término do julgamento saiu do plenário amparado pela mãe e por alguns amigos, chorando. Ele não se conformava com a decisão dos jurados e após se acalmar, com o dedo em riste garantiu que iria recorrer e conseguir a anulação do júri.

Seita

A anulação do júri das Abagge acontece ao mesmo tempo em que são julgados em Belém, no Pará, cinco pessoas acusadas de matar e castrar garotos com idades entre 7 e 13 anos, em rituais de magia negra. Os crimes aconteceram na cidade de Altamira, naquele Estado, há 11 anos. Na mesma época Evandro Ramos Caetano e Leandro Bossi, ambos com 7 anos, desapareceram em Guaratuba. Coincidentemente Valentina Andrade e seu marido, o argentino Teruggi, líderes da seita Lineamento Universal Superior (LUS) – a mesma acusada pelos crimes em Altamira – estavam hospedados em um hotel daquele município litorâneo.

Durante o julgamento das Abagge a seita LUS chegou a ser citada e Valentina apontada como suspeita no sumiço das crianças. Porém o envolvimento de Valentina e do marido nas mortes de menores nunca chegou a ser investigado com profundidade no Paraná. Ambos chegaram a ser detidos em Curitiba, naquela época, mas nada ficou provado contra eles.

Guerra entre defesa e acusação

O menino Evandro Ramos Caetano, com 7 anos de idade, desapareceu no dia 7 de abril de 1992 e um corpo mutilado foi encontrado cinco dias depois, num matagal. O cadáver foi dado como se fosse de Evandro e a polícia concluiu que ele havia sido assassinado em um ritual realizado pelo pai-de-santo Osvaldo Marcineiro, com a ajuda de Vicente de Paula, Davi dos Santos, Sergio Crithofolini e Airton Bardelli, a mando de Celina e Beatriz Abagge (esposa e filha do então prefeito de Guaratuba, Aldo Abagge).

Todos foram presos e depois de uma confissão obtida de maneira duvidosa, passaram a jurar inocência. Na confissão, era descrito um ritual de magia negra, no qual a criança era segura pelas mãos e pelos pés, enquanto De Paula estrangulava e cortava o pescoço dela. Depois, os órgãos genitais e as vísceras foram retirados do corpo e as mãos e os pés, descepados.

A brutal história tomou proporções assustadoras a partir do momento em que os acusados passaram a relatar cenas de torturas a que teriam sido submetidos para confessar o crime. Através de trâmites legais e jurídicos os julgamentos dos envolvidos foram sendo sucessivamente adiados, tanto que até hoje os cinco homens acusados não foram levados a júri.

Guerra e dúvidas

Na guerra travada entre advogados de defesa e de acusação, foram tantas as dúvidas levantadas, que atualmente sequer existe a certeza de que aquele corpo era mesmo o de Evandro. O menino nunca mais apareceu. Se o corpo não era o dele, de quem era então? Esta pergunta não teve resposta. Os motivos do crime também nunca chegaram a ser esclarecidos. Tem gente que até hoje jura que houve uma armação política para desestabilizar o então prefeito de Guaratuba, que acabou morrendo do coração, meses depois, não suportando o desespero de ver a mulher e a filha recolhidas na Penitenciária Feminina.

Oito famílias (a de Evandro e as dos sete acusados) viveram os últimos anos no mais atroz dos sofrimentos. Enquanto os pais do menino – Ademir e Maria Caetano – acreditando na versão do ritual de magia negra exigiam que os acusados fossem condenados, os sete se defendiam jurando inocência. Agora, com a decisão do Tribunal de Justiça de anular o julgamento, a dramática história volta à tona. Esperança para a família do menino desaparecido, de que os culpados sejam punidos. Tristeza para as duas mulheres que deverão passar pelas mesmas tensões e correrão o risco de ser condenadas. (MC)

Sentença foi lida entre lágrimas e sorrisos

Às 23h45 do dia 27 de abril de 1998 chegou ao fim o julgamento das Abagge. Asessão teve início no dia 23 de março e foi encerrada 34 dias depois. A esposa do ex-prefeito de Guaratuba, Celina Abagge, na época com 59 anos, e a filha dela Beatriz Abagge, com 34, foram consideradas inocentes da acusação de seqüestro, morte e ocultação do cadáver do menino Evandro Ramos Caetano, de 7 anos. Elas eram acusadas de ter seqüestrado o garoto no dia 6 de abril de 92, participado de um ritual de magia negra no dia seguinte, quando ele teria sido assassinado. Depois disso elas teriam jogado o corpo mutilado no matagal.

A decisão foi anunciada no Fórum de São José dos Pinhais pela juíza Marcelise Weber Lorite, depois de ouvir mais de 30 testemunhas e se ater a um processo com 72 volumes e cerca de 17 mil páginas. Por quatro votos a três para Celina e por cinco a dois para Beatriz, o conselho de sentença não reconheceu a materialidade do crime. Os jurados entenderam que não havia provas concretas de que o corpo encontrado em um matagal fosse de Evandro. Apesar da sentença, a juíza determinou na época um novo inquérito para apurar a identidade do cadáver e as condições da morte. Nunca se soube se esta determinação foi acatada.

Inconformado com a sentença, o promotor Celso Ribas deu um forte soco na mesa, deixou seu lugar ao lado da juíza e afastou-se chorando.

Os pais, também desolados, afirmavam que haviam reconhecido o corpo do filho e protestaram contra o resultado. Por fim, mãe e filha inocentadas saíram rapidamente do tribunal, comemorando a sentença. (PR)

Em Belém médico é condenado a 77 anos de prisão

Do grupo que está sendo julgado em Belém (PA), acusados dos crimes ocorridos no município de Altamira, o médico Anísio Ferreira de Souza foi condenado a 77 anos de cadeia em regime fechado pelo assassinato de três meninos e tentativa de assassinato de outros dois entre 1989 e 1993. Como não mora no Pará há dois anos e não comunicou seu novo endereço, o juiz Ronaldo do Valle determinou sua imediata reclusão ao Presídio de Americano, no Estado. Antes dele, dois outros envolvidos – um ex-PM e um comerciante – também haviam sido condenados juntos há mais de 70 anos de prisão. O próximo médico a enfrentar o Tribunal do Júri será Césio Brandão, na próxima segunda-feira.

O juiz também decretou a prisão preventiva de Valentina de Andrade, chefe da seita Lineamento Universal Superior (LUS) e acusada no processo que investiga a emasculação de 19 meninos em Altamira. Ela foi informada da prisão assim que chegou no Tribunal de Justiça do Pará. Conforme o juiz, a prisão de Valentina se tornou necessária para garantir que ela esteja presente em seu julgamento, marcado para o dia 22. Valentina ficará aguardando o seu julgamento no Centro de Detenção Feminino, na região metropolitana de Belém.

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