QUADRINHOS – A arte maior de Le Blanc, Ivan e Euzébio

Quando alguém fazia objeção às histórias-em-quadrinhos ou as rotulava de arte menor, Al Capp, o genial criador de Ferdinando (Li?l Abner), Violeta Buscapé e de toda a turma animada de Brejo Seco, indicado para o Prêmio Nobel de Literatura por John Steinbeck, costumava contrapor:

? Se você desenhar a mesma coisa em formato maior, em tela e a óleo, terá uma obra de arte. Um trabalho artístico será sempre um trabalho artístico, quaisquer que sejam a forma e o material utilizados.

O grande satírico dos comics norte-americanos sabia o que dizia. Há momentos em que as HQs superam todas as expectativas e, além de excelente forma de expressão, representam a melhor arte popular produzida no mundo. E neste aspecto, o Brasil e os artistas brasileiros sempre formaram na vanguarda.

O time da Ebal

Na semana passada, falamos aqui de Adolfo Aizen e da sua notável obra editorial de mais de 50 anos, na qual um dos destaques principais foram a quadrinização de clássicos ilustrados da literatura e a série de álbuns especiais dedicados à história do Brasil e aos grandes vultos nacionais. É justo que falemos, hoje, dos grandes artistas gráficos projetados por Aizen, já que pela saudosa Editora Brasil-América Ltda., a Ebal dos nossos sonhos infantis, passaram alguns dos maiores nomes da ilustração brasileira.

De agosto de 1950, com o n.º 24 de Edição Maravilhosa, a janeiro de 1961, com o n.º 200, quando o título deixou de circular, Adolfo Aizen publicou praticamente toda a literatura brasileira de então. Para tanto, contou com o trabalho de inúmeros desenhistas, alguns estrangeiros aqui radicados: Monteiro Filho, André Le Blanc, José Geraldo, Gutemberg Monteiro, Gil Coimbra, Álvaro de Moya, Ramón Llampayas, Nico Rosso, Rodolfo Iltzche, Aylton Thomás, Juarez Odilon, Manuel Victor Filho, Marcelo Monteiro (filho de Monteiro Filho), Eugênio Colonnese, Ivan Wasth Rodrigues e Antônio Euzébio. A exigüidade de espaço leva-me a selecionar, aqui, apenas três deles, tão importantes quanto os demais: André Le Blanc, Ivan Wasth Rodrigues e Antônio Euzébio.

O primoroso Le Blanc

André Le Blanc, um haitiano radicado no Brasil, que atuara como um dos colaboradores regulares de Will Eisner, em The Spirit, foi o principal ilustrador de Edição Maravilhosa. Foi ele quem inaugurou a fase brasileira da revista, adaptando e desenhando O Guarani, de José de Alencar (uma segunda edição sairia em fevereiro de 1954 e uma terceira, nos anos 70). O brilhante talento de Le Blanc superou a arte das edições anteriores, cujos originais norte-americanos pecavam pela irregularidade e precariedade artísticas. E animou Adolfo Aizen a novas empreitadas na literatura nacional, apesar do alto custo, muito superior ao do material estrangeiro.

Em razão das limitações gráficas da época, no entanto, Le Blanc não usou naquela edição as belas aguadas que viriam a caracterizar os seus trabalhos posteriores, mas o traço certeiro, primoroso e bem definido do artista se fez presente desde logo.

De José de Alencar, André Le Branc quadrinizou ainda Iracema, Ubirajara, O Tronco do Ipê, O Sertanejo e Senhora. Adaptou e ilustrou também Cangaceiros, O Menino de Engenho e Doidinho, de José Lins do Rego; Sinhá Moça, de Maria Dezone Pacheco Fernandes), e A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz.

As adaptações eram roteirizadas pelo próprio Le Blanc – como assinalam Álvaro de Moya e Otacílio d?Assunção, em Literatura em Quadrinhos, Ed. Nova Fronteira, 2002) -, que fazia a decupagem, escrevia os diálogos, desenhava os quadrinhos e entregava o trabalho completamente pronto; apenas as letras eram colocadas pela Ebal.

Mas Le Blanc não atuou apenas na quadrinização de romances. Dedicou-se, também, à literatura infantil e foi considerado o melhor ilustrador da obra de Monteiro Lobato.

Paralelamente, foi o responsável, nos anos 50, por uma das primeiras tentativas de distribuição de tiras de quadrinhos para os jornais no Brasil. Morena Flor, de sua autoria, foi distribuída pela Apla (depois, Ica Press) não só para o nosso país, como para toda a América Latina, chegando, inclusive, aos EUA.

Quando voltou aos Estados Unidos, em 1960, Le Blanc, além de dedicar-se à ilustração publicitária, produziu mais de 800 páginas em quadrinhos com histórias da Bíblia Sagrada para um suplemento semanal americano. Esta obra, depois reunida em uma coleção de livros de bolso, foi premiada e acabou sendo lançada no Brasil, em 1975, pela Editora Betânia. A partir de 1970, ele realiza, anonimamente, dezenas de tiras diárias para os sindicates. Entre elas, O Fantasma, de Lee Falk, embora assinadas por outros artistas, como Sy Barry.

André Le Blanc nasceu no Haiti, estudou e fez carreira em Nova York, mas sempre que perguntavam sobre a sua nacionalidade, afirmava categoricamente:

? Eu sou brasileiro.

Em 1991, ele esteve no Brasil para receber o prêmio Angelo Agostini, da AQC-ESP, como mestre do quadrinho nacional.

O perfeccionista Ivan

O paulista Ivan Wasth Rodrigues, formado pela Escola de Belas-Artes de São Paulo, realizou duas obras-primas para a Ebal. Ambas após um estafante trabalho de pesquisa gráfica. A primeira delas foi História do Brasil em quadrinhos, em dois volumes, o primeiro editado em 1959 e o segundo, em 1962. A segunda grande realização foi a quadrinização da obra sociológica de Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, com belíssimos desenhos em-preto-e-branco, lançada por Adolfo Aizen em 1981 (e republicada em cores em 2001).

Ivan levou oito anos para completar o levantamento iconográfico e realizar a ilustração da História do Brasil. Pesquisou arquivos, museus e bibliotecas, fez um exaustivo trabalho de reconstituição do tempo e contou com a colaboração do tio, J. Wasth Rodrigues, um dos maiores estudiosos dos assuntos ligados à história pátria. Valeu-se, também, de gravuras, desenhos, figurinos e pinturas de autores coevos, assim como de descrições de cronistas da época.

O resultado foi primoroso, único, ainda hoje não igualado, embora já se tenham passado quase 50 anos.

Ainda em 1959, quando recebeu o primeiro convite para ilustrar a Casa Grande, Ivan não pôde aceitá-lo, por ter assumido outros compromissos com o MEC e IBGE, para os quais faria o Atlas Histórico Escolar e Atlas de Relações Internacionais. Pelo menos outros cinco artistas foram, então, contatados, mas recusaram a oferta devido às dificuldades de pesquisa.

Quando Gilberto Freyre estava completando 80 anos, foi a oportunidade de novo convite a Ivan Wasth que, sem outros compromissos, aceitou, finalmente, a tarefa e dela se desincumbiu em seis anos de trabalho intenso. O resultado foi deslumbrante, com lançamento oficial no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio, quando também foi feita uma exposição dos originais do desenhista.

O mestre Antônio Euzébio

Antônio Euzébio Neto, muito provavelmente, foi o maior autor de capas de revistas do Brasil. Com Adolfo Aizen desde os tempos do Suplemento Juvenil, merece um capítulo especial na história das histórias-em-quadrinhos brasileiras. Era o capista das principais edições da Ebal e um autêntico mestre no pincel, com um domínio perfeito do guache e um estilo que poderia ser rotulado de “clássico romântico”.

Dono de uma técnica notável, Euzébio sabia, como ninguém, valorizar a revista nas bancas. Seus trabalhos eram autênticas obras de arte, impressas em papel couchê e envernizadas, onde se destacavam sempre belos rostos sobre uma cena de fundo.

Como desenhista, chegou a produzir apenas uma edição especial, em preto-e-branco, que foi integrada à Série Sagrada, da Ebal: A História de N. S. Aparecida, Padroeira do Brasil.

Antônio Euzébio tornou-se publicitário e construiu brilhante carreira como ilustrador de comerciais. Mas deixou muita saudade entre os fãs dos quadrinhos.

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