Família de jovem morto por policiais ainda luta por Justiça

Há exatamente um ano,Márcio Gustavo de Camargo, 30 anos, beijou a mãe depois de lhe servir o jantar (ela estava acamada por conta de um câncer de pâncreas descoberto dez dias antes) e saiu para levar duas amigas até o ponto de ônibus próximo, avisando que voltaria em seguida.

Passados oito minutos, os pais e o irmão de 15 anos ouviram dois tiros na rua. O pai saiu para ver o que estava acontecendo e só teve tempo de vislumbrar dois policiais militares colocando Márcio em um Gol preto. Levado para o Hospital Cajuru, com um tiro nas costas e outro no peito, o rapaz morreu em seguida.

Márcio era jogador de futebol amador. Nunca tinha tido problemas com a lei. Era benquisto pela família e pelos amigos. Os PMs, lotados no 20.º Batalhão, o teriam confundido com outro morador da mesma rua que tinha problemas com drogas e furtos. Acharam que o celular era uma arma e o mataram. Alegaram que houve reação e tentaram fazer crer que a morte aconteceu durante um “confronto”.

A família não se conforma com o brutal episódio e até hoje, um ano após o acontecido, não recebeu informações a respeito do inquérito policial militar. A mãe, Sueli do Rocio, 50 anos, está se curando do câncer. Fez cirurgias e em agosto passado conseguiu sair da cama.

Ela luta para viver, para poder cuidar do outro filho e da neta de 9 anos (filha de Márcio), e nutre a esperança de ver punidos os responsáveis pela morte do primogênito.

Inquérito demonstra sucessão de erros


Janaina Monteiro

Aliocha Maurício
Revendo fotos do filho, Sueli tenta acalmar a saudade.

Márcio foi morto por engano com dois tiros de pistola. O alvo da polícia era o vizinho dele, como apontam as testemunhas ouvidas na delegacia. Naquele dia, uma Parati descaracterizada da PM foi vista pela vizinhança fazendo campana à tarde na Rua Alferes Marcílio Cardoso, Tingui.

À noite, a Parati deu lugar a um Gol preto, ocupado pelos soldados Ademar José Sklar e Rafael Moreira, do serviço reservado do Comando do Policiamento da Capital (sede), que estavam à procura de Michel Henrique Wagner, 23, envolvido na morte de um policial militar de quem teria roubado uma pistola ponto 40.

À noite, a vítima foi acompanhar duas amigas até o ponto de ônibus, quase em frente à casa de Michel, e notou a presença dos policiais à paisana. Ele estava falando ao celular e comentou: “Os P2s estão na área”, pois sabia dos antecedentes de Michel e que a polícia o procurava. Logo depois foi baleado. Tanto Michel quanto Márcio tinham uma tatuagem no braço, o que pode ter induzido os policiais ao erro.

Porte ilegal

O boletim de ocorrência foi registrado pelos PMs por porte ilegal de arma e reação à abordagem policial, disparando com um revólver calibre 38. A suposta arma utilizada pela vítima foi entregue pelos PMs na delegacia, com quatro cartuchos intactos e um deflagrado.

“A perícia não constatou a origem da arma. Não sabemos quem é o proprietário”, contou o delegado Celso Neves, responsável pelo inquérito que está parado no 6.º Distrito há um ano.

No entanto, as pessoas ouvidas na delegacia, incluindo o pai da vítima, contam que ouviram apenas dois disparos, levando a crer que o revólver foi “plantado” pelos PMs.

O verdadeiro alvo dos PMs, Michel, hoje está preso em uma delegacia da capital e foi ouvido sobre o caso. Afirmou que estava escondido no Litoral quando o vizinho foi assassinado.

A Polícia Militar informou, por meio da assessor,ia de imprensa, que o Comando de Policiamento da Capital (CPC) instaurou Inquérito Policial Militar que já foi remetido à Vara da Auditoria da Justiça Militar do Ministério Público. “Por se tratar de um homicídio doloso, a constituição prevê que o processo e julgamento ocorram na Justiça comum”, diz a assessoria.

Enquanto isso os PMs continuam em suas atividades rotineiras – quatro meses depois do crime o soldado Sklar prestou concurso para o curso de habilitação ao quadro especial de oficiais da PM.

Sem exame

Mara Cornelsen e Janaina Monteiro

Falta apenas o resultado do exame residuográfico das mãos do jovem morto (detecta sinais de chumbo e indica se foi feito uso ou não de arma de fogo), para o delegado Celso Neves finalizar o inquérito e encaminhá-lo à Justiça.

O exame foi solicitado pelo delegado dois dias depois do crime. Como não houve resposta e por ser essencial para as investigações, Neves enviou em setembro deste ano novo ofício ao Instituto Médico-Legal (IML). Porém, o exame é realizado pelo Instituto de Criminalística e, de acordo com o órgão, não há registro de que tenha sido feito.

“A autoridade policial tem que comunicar imediatamente a Criminalística para que seja feita a coleta de resíduo”, disse o diretor administrativo do IC, Márcio Borges de Macedo. A conclusão é de que o delegado espera até hoje o resultado de um exame que nunca foi feito.

Homenagem solitária

Redação

Em um comovente texto, Sueli do Rocio declara seu amor ao filho morto. É a solitária homenagem de quem não consegue esquecer a dor. “A verdade é que a vida me brindou com uma grande surpresa, que foi a partida tão cedo do meu filho Márcio e com tanta covardia.

Vivemos uma felicidade radiante e inexplicável durante 30 anos. Nunca pude imaginar que um dia você fosse me deixar assim em prantos, pela sua partida tão cedo. De ti me restaram recordações.

Fascinado por bola desde os 6 anos, foi um grande e corajoso zagueiro do futebol amador. Suas fotografias o eternizam nas paredes dos clubes por onde você jogou e conquistou uma legião de amigos.

Os campos de futebol ficaram vazios para mim; a nossa rua ficou vazia; a nossa casa perdeu bastante do brilho que tinha e a saudade se transformou num vazio tão imenso que todas as minhas lágrimas de dor não poderão preencher jamais. Amamos e continuaremos te amando pela eternidade.

Não sei quantos beijos e abraços te dei ao longo da vida mas, seu eu soubesse que aquela sexta-feira (21/11/08) você iria sair e não voltar, eu te abraçaria firme e não deixaria você sair.

Não podemos aceitar de maneira alguma o descaso e a injustiça. Você morreu meu filho, sem dever nada para ninguém, muito menos para a Justiça. Arrancaram você de mim com covardia. Em meu papel de mãe, imploro ao criador a Justiça divina.

Ao mesmo tempo, tenha certeza meu filho, vamos fazer através desta singela homenagem que outras pessoas fiquem cientes de quanto você foi importante em nossas vidas e o quanto nós te amamos.

Que outras mães possam, de alguma maneira, abraçar firme seus filhos e pedir aos céus que eles estejam protegidos contra ações violentas como essa que aconteceu em nossa família.

Seguirei levando flores em seu túmulo, com a mesma dor, com as mesmas lágrimas e com a certeza de que a Justiça divina prevalecerá. Eternas saudades…”