Violência assusta bairro de Fazenda Rio Grande

As ruas são escuras e estreitas. Quando a noite cai, começa o drama de centenas de moradores do bairro Iguaçu I, um dos mais violentos de Fazenda Rio Grande, município distante apenas 25 quilômetros de Curitiba. As pessoas se trancam em casa e rezam para não serem surpreendidas pelos criminosos que rondam a região. Ousados e usando armamento pesado, os bandidos arrombam as portas a tiros e pontapés, dominam as famílias ameaçando-as de morte, atiram, ferem e estupram. Depois pegam o que querem e vão embora, muitas vezes rindo.

A noite de domingo passado foi infernal para os moradores dali, que desesperados após uma seqüência de assaltos, foram para a rua, protestar e pedir segurança. “Não sabemos mais a quem recorrer. Estamos nas mãos da bandidagem”, reclamavam eles, exibindo ferimentos de tiros e os danos nas casas provocados pelos bandidos. A situação chegou a um ponto tão absurdo que várias famílias concordaram em pernoitar em uma mesma residência para tentar, em grupo, se proteger dos assaltantes. “A gente pega as coisinhas de mais valor, os colchões e as cobertas e vai dormir na casa de um vizinho”, explicava uma senhora, que mantinha os dois filhos pequenos agarrados em suas pernas. As crianças choravam de medo, segundo a mãe, cujo olhar apavorado transmitia a insegurança de todo o grupo.

Enquanto as mulheres decidiam quem iria dormir na casa de quem, os homens, revoltados, prometeram reagir comprando armas. “Ao invés de repor o televisor e o rádio que levaram da minha casa, vou é comprar um revólver. Isso não vai ficar assim”, dizia um deles, enquanto outros faziam coro com conversa igual. “Se ninguém tomar uma providência imediatamente, se não aumentar o policiamento e se a gente tiver que viver neste desespero, vamos fazer a nossa guarda pessoal. Um vizinho vai cuidar do outro e vamos matar os bandidos”, ameaçaram.

Insustentável

Eram perto das 20h quando um dos moradores da Rua Rio Despique (um homem de 40 anos, pai de dois filhos e que trabalha com transporte de cargas) chegava em casa com seu carro. Ele percebeu que três homens se aproximavam e imediatamente pressentiu que seria assaltado. Ouviu um deles gritar: “Não corra”. Mesmo assim tratou de trancar rapidamente o portão de aço que protege a entrada da garagem de sua casa, deixando o carro para fora. Os criminosos, irritados, atiraram pelo portão, quase o acertando. A bala transfixiou a chapa de aço, ricocheteou na parede da garagem e foi parar no muro. “Eles agora atiram para matar mesmo, não é mais para assustar”, explicou a vítima, cujo nome será mantido em sigilo por questão de segurança.

A Polícia Militar foi chamada e uma viatura com dois PMs compareceu ao local, anotou a ocorrência e logo saiu, sem que nenhuma investigação pudesse ser realizada. Ocorre que durante todo o domingo, apenas uma equipe da PM era responsável pelo policiamento ostensivo e preventivo de todo o município, que conta atualmente com cerca de 100 mil habitantes. Mais de 20 ocorrências já tinham sido atendidas até então, desde briga de bêbados até assaltos a ônibus. Os PMs também estavam exaustos e não tinham previsão de quando poderiam descansar.

Os vizinhos ficaram revoltados e começaram a se reunir na rua, quando então descobriram que os mesmos homens que atiraram naquele morador também haviam assaltado dois outros rapazes na rua e ainda um casal de namorados. Todos foram despojados de seus pertences e ficaram sem saber o que fazer.

Pior a situação de um motorista desempregado, 45 anos, que na manhã de sexta-feira passada, dormia em casa com a esposa e duas filhas, quando foi surpreendido no quarto pelos quadrilheiros. “Eu me levantei assustado e eles atiraram na minha barriga”, contou a vítima. Mesmo sangrando, ele foi obrigado a ficar ajoelhado ao lado da cama, enquanto os ladrões levavam todos os seus pertences de mais valor. “Ainda ameaçaram matar minha mulher e mexer com as meninas”, revelou o ferido, exibindo os curativos e a bala retirada pelos médicos. “Sobrevivi porque não tinha chegado a minha hora”, comentou.

Assim como ele, outras pessoas já foram assaltadas de manhã em casa, e muitos dos criminosos costumam andar cedo pelas ruas, para praticar assaltos a ônibus (no domingo foram registrados dois casos). Para amedrontar quem os vê, giram o revólver no dedo, como se estivessem em um filme do velho oeste americano, e apontam as armas para as cabeças das crianças que saem de casa para ir à escola.

Atrevimento

A audácia dos criminosos da região chegou ao ponto deles afixarem uma placa em um poste de energia elétrica, próximo a invasão que ganhou o nome de Vila Aquário, avisando que todos que passarem por aquela rua serão assaltados e que todas as casas da região serão invadidas. Nossa reportagem quis se dirigir até a vila para fotografar a placa, mas foi impedida pelos próprios moradores que garantiram: “Vocês não saem vivos de lá”.

Efetivo de policiais é insuficiente

Os moradores de Fazenda Rio Grande sentem-se desamparados em relação à polícia e à Secretaria da Segurança Pública. “Os políticos só prometem, prometem, mas não fazem nada para resolver a situação”, reclamam. Na noite de domingo, no posto da Polícia Militar, recentemente inaugurado com pompas e honras, apenas um PM estava no local, atendendo aos chamados pelo rádio e pelo telefone. Na rua, somente uma viatura, com dois policiais, para fazer o policiamento ostensivo e preventivo de uma população de quase 100 mil habitantes. O telefone e o rádio não paravam de comunicar ocorrências das mais diversas, algumas atendidas somente uma hora depois de acontecidas. Com tão pouca gente não havia como dar atendimento imediato.

Pior ainda a situação da delegacia, situada ao lado do destacamento da PM. Com 21 presos na carceragem, tinha apenas um investigador de plantão das 9h de domingo até as 9h de segunda-feira. Ele não podia se ausentar nem por um minuto, pois era responsável pela guarda dos presos e segurança do prédio. Todas as ocorrências eram encaminhadas para o atendimento da Polícia Militar. Contando com os plantonistas, para todo o município existiam apenas quatro policiais de plantão, ou seja, um policial para cada grupo de 22 mil e 500 habitantes. (MC)

Criminalidade está crescendo

Para o subcomandante do 17.º Batalhão da Polícia Militar, major Celso José Mello, responsável pelo policiamento de toda a Região Metropolitana de Curitiba, a situação em Fazenda Rio Grande inspira mais cuidados. Em sua avaliação, o índice de criminalidade cresceu no município justamente em função do crescimento desenfreado da população. Os loteamentos foram aumentando, assim como as invasões e as favelas. Sem trabalho, muitos migram para o crime. “Nós vamos dar uma atenção especial a essa situação”, prometeu o oficial, que nos próximos dias deverá manter contato principalmente com os moradores do bairro Iguaçu I, para identificar e capturar os criminosos que estão apavorando a região.

Lembrando que vez por outra são enviados para a cidade patrulhamentos especiais, como a Ronda Ostensiva de Natureza Especial (Rone) e o Tático Móvel, o oficial salientou que as vítimas precisam ajudar a polícia na identificação dos bandidos para que uma ação efetiva contra eles possa ser desencadeada. “Não adianta a população se armar e iniciar uma guerra que só levará a mais violência”, justificou Mello, que no final do mês de maio fez uma reunião com as autoridades do município justamente para discutir a violência e traçar metas de combate. O oficial deixou à disposição da população o telefone do batalhão (com sede em São José dos Pinhais) – 283-3737 -, o disque denúncia – 282-4712 -, e o do plantão do pelotão de Fazenda Rio Grande – 627-1637. “Qualquer um deles pode ser utilizado para transmitir informações sobre os criminosos”, salientou.

Polícia Civil

No âmbito da Polícia Civil a situação ainda é pior. Com um efetivo reduzidíssimo – que beira ao ridículo – de apenas três investigadores, o delegado Noel Francisco da Silva tem ainda a obrigação de cuidar das delegacias de Agudos do Sul, Mandirituba e Quitandinha. Na realidade é um único delegado para uma população aproximada de 150 mil pessoas. Andando com três telefones celulares nos bolsos e rodando o dia todo pelas delegacias que atende, para tentar dar conta de tanto trabalho, Noel conseguiu perder 13 quilos nos últimos meses. “É um regime e tanto”, brinca o policial, que apesar de tudo não perde o bom humor. “Falta efetivo sim e já fizemos pedidos para mais policiais ao Departamento da Polícia Civil. Estamos aguardando”, diz ele.

Mesmo com tanta dificuldade, o delegado comemora a prisão de um quadrilheiro que agia na região – Alanciser César do Prado -, capturado em um favela com uma escopeta calibre 12 e um revólver calibre 38. Na esteira da prisão de “Alan”, como é conhecido o assaltante, outros quatro criminosos também foram tirados de circulação. “Aqui a gente faz o que pode e como pode”, explicou Noel.

Voltar ao topo