Bruna, 18 anos e uma longa história

Sem bolo nem velinhas para apagar, Bruna Aparecida Vasconcelos comemora hoje seu 18.º aniversário. Enquanto a maioria das garotas de sua idade pensam nas baladas, festas, presentes, a preocupação de Bruna é outra: sustentar os dois filhos – Daniel, de 3 anos, e Eduardo, de 1 ano e 7 meses. Desempregados, ela e seu atual companheiro – Valmir – lutam como podem para pagar aluguel e colocar comida na mesa. “A vida está difícil, mas nós vamos vencer”, diz a adolescente, que já tem responsabilidade de gente grande, mas conserva no rosto o mesmo ar de garotinha sapeca que tinha aos dois anos de idade, quando voltou ao Brasil, depois de ser protagonista de um seqüestro que ficou conhecido no mundo inteiro.

Sim, esta Bruna de quem falamos é aquela mesma, que foi para Israel, aos quatro meses de vida, após ter sido seqüestrada de dento da casa onde morava, no Cotolengo, por uma falsa babá, viciada em cocaína e ligada à quadrilha que, na década de 80, apavorou o Sul do País roubando crianças que eram vendidas, em dólares, para casais estrangeiros. Até hoje não se sabe quantas crianças foram vendidas – principalmente para casais de Israel -, por quantias que variavam de 5 a 10 mil dólares. Dos integrantes da gangue, sabe-se que uma ainda mora no Paraguai, país onde normalmente eram feitas as trocas das crianças (já com documentos falsos) pelo dinheiro; outra cumpriu pena na Penitenciária Feminina, em Piraquara, e atualmente trabalha como corretora de imóveis. Outro preso estudou Direito e hoje atua como advogado criminal. Quanto aos demais – era uma grande quadrilha – nada se sabe.

Se para os seqüestradores é importante esquecer o passado e começar vida nova, para Bruna isso é mais importante ainda. Ela quer ter uma chance de viver normalmente, ao lado dos filhos, da mãe (Rosilda Gonçalves, que mora em Fazenda Rio Grande), do companheiro e dos irmãos. “Minha vida foi sempre tumultuada por causa desse seqüestro. Fui uma adolescente rebelde, dificultei as coisas. Mas hoje, como mãe que sou, consigo entender bem toda a luta da minha própria mãe para me recuperar e depois enfrentar o turbilhão de coisas que veio pela frente”, diz ela, ao mesmo tempo em que atende aos garotos, que parecem não dar um minuto de sossego.

Vida

Bruna, adotada pelos israelenses Tourd Jmane Jacob e Simone Jacob, recebeu o nome de Caroline e teve festa chique quando chegou na cidade de Elilot Lod, em 1986. Dois anos depois ela voltou ao Brasil, após uma grande luta jurídica travada pela mãe e pelo pai – Luiz Américo Vasconcelos – nos tribunais de Israel. Apoiados e financiados pela Central TV – rede de televisão inglesa que se comoveu com o caso de Bruna – os pais retornaram ao Brasil vitoriosos, com a menina no colo e muita luta pela frente. Na época, a família foi alvo de incontáveis promessas. Teve até grande empresário prometendo em programa de audiência nacional custear os estudos da garotinha até ela chegar à faculdade. Nada aconteceu. O trauma do seqüestro, que durou dois anos – ela só voltou em 30 de junho de 1988, teve que ser superado pela própria família, aos “trancos e barrancos”.

Bruna cresceu irrequieta, fugia da escola, brigava com as irmãs, sentia-se diferente e mal amada. Teve o primeiro filho aos 15 anos e algumas pessoas chegaram a sugerir que desse a criança para adoção. Ela se revoltou e não aceitou. Iria criar sozinha o filho. Mais tarde, num segundo romance, engravidou de novo. Tentou viver em companhia do pai da criança, mas não deu certo. “Ele bebia, era violento, não suportei”, conta ela, que corajosamente arrumou as malas e foi para a casa de uma amiga, até saber o que iria fazer da vida. Amparada pelo atual companheiro, aceitou viver com ele. “Nós passamos necessidades, mas ele é atencioso com meus filhos e cuida bem de nós”, diz, sorridente. Realmente, Valmir, que não se deixou fotografar, alegando que não tinha feito a barba, tem quase o dobro da idade de Bruna, mas a trata com muito carinho. Enquanto brinca com os garotos, que considera seus filhos, abraça Bruna e diz: “Ela é a minha garotinha mais velha”.

Uma volta ao passado

Depois de inúmeras tentativas de jornalistas israelenses, que nunca deixaram de acompanhar a vida de Bruna no Brasil, em fevereiro deste ano finalmente ela – com autorização da mãe – concordou em ir para Israel, com viagem custeada por uma emissora de TV de lá. “Fiquei uma semana em Tel Aviv”, conta a jovem, que levou o filho Daniel com ela. Recebida pelos antigos pais adotivos, foi acarinhada e ganhou alguns presentes. “Eles são bacanas. Disseram que ainda gostam muito de mim e gostaram também do meu filho”, relata a jovem, com certa timidez. O casal tem outra filha adotiva, que está com 16 anos. Não se sabe como foi feita essa segunda adoção nem a procedência da garota.

“Aquela que poderia ser minha irmã adotiva também é muito simpática. Fiquei feliz em conhecer a família”, assegura Bruna, que chegou a ser convidada a permanecer em Israel, com eles. “Perguntaram dos brinquedos que me deram e outras coisas. Conseguimos nos entender com intérprete. O primeiro encontro foi no estúdio de TV. Eles choraram muito quando me viram. Foi emocionante”, revela. Depois a viagem se resumiu em passeios e trocas de recordações. Bruna, que sequer imaginava como eram os “pais adotivos”, ganhou um álbum de fotos tiradas durante os dois anos que viveu com o casal. “Eles cuidavam bem de mim, mas tenho certeza que a minha mãe verdadeira iria cuidar bem assim também, embora não tivesse a mesma condição financeira”, salienta.

Insistência

Ao que parece, o casal Jacob não desistiu de ter Bruna de volta. Além do convite para que ela ficasse em Israel, também demonstraram o desejo de fazê-la ingressar em uma escola hebraica – chegaram a fazer contato com uma existente em Curitiba – e pediram que ela freqüentasse uma sinagoga. “A escola, tudo bem, eu quero voltar a estudar e não importa em qual delas. Já na sinagoga eu não irei, pois sou evangélica, e freqüento minha própria igreja”, garante.

O casal também prometeu um presente, hoje, para o aniversário de Bruna, e voltou a insistir que, com a maior idade, ela pode retornar para Israel quando quiser, independente da vontade de sua mãe biológica.

“Não quero voltar. Acho que minha vida é aqui no Brasil, com meus filhos. Se fosse para eu ficar lá, tinha ficado quando era bebê. Quero lutar e vencer aqui, junto com minha mãe verdadeira, que sofreu muito por minha causa”, diz Bruna, num emocionante depoimento que foi uma espécie de declaração de amor por Rosilda, a mãe guerreira, que não se deu por vencida e lutou muito para ter a filha de volta.

Para conseguir voltar a estudar e ter uma vida melhor, Bruna precisa colocar os filhos em uma creche (ela mora no Pinheirinho) e não consegue vagas. Também quer fazer um curso de cabeleireira e quem sabe, ajudar Rosilda no salão de beleza que ela possui em Fazenda Rio Grande. “Também gostaria que meu marido conseguisse emprego. Ele é garçom e auxiliar de cozinha. Se essas coisas acontecerem, o resto a gente garante”, finaliza a jovem de 18 anos completados hoje e dona de uma longa história de vida.

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