Turma do Gueto quebra tabus e é novo paradigma na TV aberta

O engajado Turma do Gueto é um exemplo de produção que deveria ser seguido por outras emissoras, como a própria Record, Band, SBT e Rede TV!. Só desta maneira será possível chegar perto do alto padrão que a Globo atingiu em seus programas e, aos poucos, reduzir o grande fosso de qualidade que separa esta emissora das concorrentes.

A primeira sensação ao assistir a Turma do Gueto é que o acabamento referente à iluminação e ao áudio deixa muito a desejar. Mas a intenção e o objetivo do programa superam qualquer deficiência técnica. A produção, comandada por Netinho de Paula, é antes de mais nada bastante ousada. Além de colocar no vídeo a realidade de uma população carente, finalmente prova que é possível obter um elenco de maioria negra e conseguir um razoável nível de interpretação.

Além disso, o seriado desmonta a idéia de que este tipo de programa não dá audiência. O segundo episódio da atração manteve os 10 pontos de média da estréia e atingiu picos de 13, ficando em terceiro lugar – atrás apenas de um filme da Globo, com 26, e da Hebe Camargo no SBT, com 17.

O programa também tem intervalos comerciais recheados de anunciantes. Ou seja: mais uma vez, quebra o conceito de que uma produção que retrata a periferia teria dificuldades comerciais. Como a Globo acabou colocando no ar o episódio Palace 2, do Brava Gente, e, recentemente, a microssérie Cidade dos Homens, a impressão é que Netinho aproveitou a onda para também estrear um programa neste estilo. Mas a verdade é que o cantor já tem esta idéia há dois anos e só não havia estreado antes por falta de apoio, já que cada um dos 16 episódios custa R$ 150 mil.

Um dos problemas do Turma do Gueto é o desnivelamento do elenco secundário diante do principal. Os personagens pequenos, quando realizam uma intervenção, deixam evidente a falta de domínio da arte de interpretar. Mas alguns atores do primeiro escalão surpreendem. O irmãos Nill e Jorge Marcondes, por exemplo, que interpretam respectivamente o traficante Jamanta e o desempregado Edson, se destacam. São dois bons exemplos de atores negros que poderiam ganhar papéis em novelas da Globo e estariam no mesmo nível de um Sérgio Menezes ou Norton Nascimento. O garoto Sidney Santiago, que vive o delinqüente Xarope, também tem futuro como ator.

Netinho de Paula, porém, precisa melhorar seu desempenho como protagonista. Na pele do idealista professor Ricardo, ele até se esforça, mas tem de evoluir para se livrar da canastrice. Vale mais pela intenção de bancar este tipo de programa parcialmente do próprio bolso e concretizar a produção, pois o que mais se escuta dos envolvidos com tevê são projetos que acabam nunca saindo do papel. Talvez a presença de Netinho sirva mais para alavancar a audiência.

Um acerto do Turma do Gueto diz respeito à trilha sonora. O rap como linguagem musical que pontua as tramas é uma boa escolha. A idéia de abrir o programa com um rap relatando o que aconteceu no episódio anterior, já usado na global As Filhas da Mãe pelo diretor Jorge Fernando, é uma boa saída para situar o espectador sobre a seqüência da trama. Tudo bem que, às vezes, aconteçam excessos no seriado, com personagens até mesmo dialogando através das letras de rap. Também precisa ser revista a maneira como a direção faz as passagens de uma cena para outra. Nestas ocasiões, sempre aparece a imagem de uma favela ou de uma casa de periferia que, além de óbvia, é repetitiva. O maior desafio, no entanto, é o de se tornar uma produção mais universalista e menos paulistana. Não dá, por exemplo, para fazer referências à rua 25 de Março, reduto comercial da Grande São Paulo, sem pensar que o telespectador de outros estados não sabe do que se trata. Mas são detalhes de uma produção que, só por estar no ar, já é um avanço para a “embranquecida” programação das emissoras brasileiras.

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