Ônibus vira ambulância em Matinhos

A situação da saúde em Matinhos é crítica. Pelo menos é esse o entendimento de moradores que dependem do sistema municipal de saúde, que denunciam a falta de ambulâncias e o atendimento precário. Uma das conseqüências disso pode ser vista diariamente, quando um ônibus escolar sai da cidade cheio de pacientes em direção a Curitiba.

A reportagem de O Estado esteve na cidade e constatou a falta de ambulâncias. Há apenas uma Kombi que, segundo moradores, não tem estrutura para atendimento de emergência (UTI móvel). Outra Kombi também é usada para transporte de pacientes, mas só circula dentro da cidade e na região.

Fontes ligadas ao Hospital Municipal Nossa Senhora dos Navegantes contam que as ambulâncias que o município adquiriu estão todas com problemas, apesar de não serem carros antigos. Uma estaria na oficina e outras duas estariam paradas no pátio da Prefeitura.

Segundo o secretário de Saúde de Matinhos, Jeferson de Azevedo, a situação no município é normal. ?As duas ambulâncias com problemas ficam prontas na quarta-feira pela manhã. E temos mais uma funcionando, além da Kombi?, informa.

As condições do hospital também são objeto de reclamação. Os pacientes dizem que freqüentemente faltam medicamentos. Exames comuns, como o de raio-X, muitas vezes não podem ser feitos porque a máquina fica muito tempo estragada.

O aposentado Arlindo Rodrigues, que sofre de vários problemas de saúde decorrentes de uma alta taxa de chumbo no sangue, sente na pele os problemas. De quatro em quatro meses, em média, ele agenda uma vaga no ônibus para Curitiba, onde faz exames e tratamentos. ?Uma vez tive uma crise no olho por causa do glaucoma, precisei de atendimento de emergência e tive que ir a Paranaguá, por conta própria?, conta.

Outra moradora, que não quis se identificar, diz que o mau atendimento no hospital da cidade faz com que as pessoas evitem usar os serviços da cidade. ?Eu quebrei o braço e acabei tendo que ir até Curitiba para tratar, porque a máquina de raio-X estava quebrada.?

O funcionário público aposentado Celso Fernandes da Silva também reclama. Para ele, a Prefeitura não atende a nenhum pedido da população para melhorias na área da saúde. ?O povo já nem tem mais motivação para denunciar?, avalia. Além disso, segundo Silva, os moradores acabam ficando com medo de retaliações, se reclamarem publicamente. ?Tem motorista do hospital que já foi afastado do posto porque denunciou problemas.?

A conseqüência aparece nas manhãs de segunda a quinta-feira, quando um ônibus com capacidade para 46 passageiros sobe a serra em direção a Curitiba. Na capital, os pacientes vão buscar atendimento, seja por decisão própria ou por orientação recebida no próprio hospital de Matinhos. Pacientes também são levados com freqüência a Paranaguá. Eles são levados de Kombi ou de microônibus, este também destinado originalmente ao transporte de alunos.

Para o secretário de Saúde, as remoções são decorrentes da falta de certos exames e especialidades que Matinhos não tem. ?E isso é feito por muitos municípios no Paraná?, diz. Em relação à quantidade de pacientes que usam o ônibus, Azevedo diz que essa é a demanda da cidade.

Azevedo negou, ainda, que o ônibus escolar que faz o trajeto para Curitiba seja usado com freqüência. ?Temos um ônibus específico para isso, doado pela Receita Federal. O escolar nós só usamos quando o outro está com algum problema.? Sobre o fato de a reportagem ter visto, ontem, o ônibus escolar circulando em Curitiba com pacientes, Azevedo classifica como uma coincidência.

Pacientes fazem viagem rotineira

Foto: Fábio Alexandre

O ônibus parado próximo ao HC, em Curitiba. No detalhe, a lista dos passageiros.

A viagem do ônibus escolar de Matinhos a Curitiba, transportando pacientes, já virou rotina. Às 4h da manhã, o ônibus começa a pegar os pacientes em vários pontos da cidade, começando pelo Hospital Municipal, onde está a maioria dos doentes.

No caminho, o veículo ainda pára em alguns pontos onde mais pacientes aguardam. O motorista recebe uma lista com os nomes dos pacientes, o local de embarque, os hospitais para onde cada passageiro vai e os horários das consultas, quando há horário marcado.

O ônibus passa pelo pedágio por volta das 6h, onde faz uma parada rápida no posto de atendimento da concessionária. No local, os passageiros saem para esticar as pernas, tomar café, água e ir ao banheiro. Isso porque o ônibus, por ser escolar, não tem estrutura para viagem, como sanitários ou poltronas. Os bancos, apesar de acolchoados e com cintos de segurança, são no estilo dos ônibus de linha urbana.

O trajeto na capital é digno de um Interhospitais. Normalmente começa pelo Hospital Erasto Gaertner, passando pelo Angelina Caron, Hospital de Clínicas (HC), do Trabalhador, Evangélico e Santa Casa, entre outros. O caminho varia conforme o dia.

Após deixar os pacientes, o ônibus normalmente estaciona próximo ao Colégio Estadual, onde espera a hora de começar a buscá-los novamente. Faz isso à tarde, até por volta das 18h, quando volta à estrada, para chegar no litoral já à noite. Muitas vezes, o ônibus chega apenas por volta das 22h em Matinhos.

É comum a presença de veículos de cidades do interior do Paraná nos arredores do HC. Basta ficar em frente ao hospital por alguns minutos, principalmente pela manhã, para fazer essa constatação.

Em pouco mais de meia hora que a reportagem ficou no local, passaram ambulâncias, vans, microônibus e ônibus oficiais de várias cidades, deixando pacientes de União da Vitória, Piraí do Sul, Castro, Carambeí, Piên, Paranaguá, e até de Canoinhas, em Santa Catarina, entre outros municípios.

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