A vida dos brasileiros que vivem no exterior

O número de brasileiros que moram no exterior é uma incógnita. Estima-se que entre 3 e 4 milhões de nativos vivam fora do Brasil. O número é impossível de ser apurado com exatidão, pois grande parte deles está na ilegalidade. Sabe-se com certeza, porém, quais os principais destinos. Estados Unidos são o primeiro disparado.

A comunidade brazuca em solo norte-americano teria em torno de 1,2 milhão de pessoas até o início do ano passado, conforme levantamento do Ministério das Relações Exteriores. Em seguida vem o Paraguai (450 mil); o Japão (300 mil); Portugal (130 mil); Itália (120 mil); Espanha (110) e outros, num total grossamente estimado em 800 mil em solo europeu.

Se no resto do mundo é difícil saber ao certo quantos brasileiros estão por lá, a situação se complica mais em relação aos nossos vizinhos. A informalidade no fluxo migratório devido a acordos entres os países torna as estatísticas ainda mais imprecisas. O contingente de “brasiguaios” responderia por quase a metade dos cerca de um milhão dos brasileños “expatriados” (outra grossa estatística).

O perfil do brasileiro que optou por morar na vizinhança é bem distinto dos que buscam EUA ou Europa. Tanto na condição social quanto nos motivos da saída do Brasil. Enquanto para o resto do mundo, a maior parte dos emigrantes são de classe média em busca de melhorar a renda ou de estudos, para o países sul-americanos, a grande fatia é de pequenos agricultores (vide o Paraguai) e muitos se deslocam para países vizinhos devido a empresas brasileiras que atuam neles ou por questões familiares.

Preconceito

Foi o caso de Fernanda Beatriz Bregge, 42 anos, natural de Araraquara, no interior paulista. Desde 2005 ela mora em Puerto Madryn, pequena cidade turística na Patagônia argentina. Sua primeiro viagem ao país vizinho foi em 2001, quando passou algum tempo com uma amiga brasileira que morava em Comodoro Rivadávia, cidade ao sul do país, terra de Adolfo, seu avô paterno.

Foi conhecer a terra dos ancestrais e gostou tanto que dois anos depois mudou-se para lá. Formada em Turismo e Propaganda, trabalhou um tempo como vendedora de pacotes turísticos e tradutora. Também artesã, em 2005 montou uma barraca na praça central de Puerto Madryn.

Com a venda os colares, pulseiras e enfeites para o cabelo (as chamadas “trenzas”) ela diz que tira em torno de 6 mil pesos argentinos (4.037 reais pelo câmbio desta sexta-feira) na temporada de cruzeiros, do final de dezembro ao início de março, quando os transatlânticos aportam na cidade. Ela diz que vive razoavelmente bem, mas que pretende voltar para o Brasil.

A saudade da família e do Brasil seria um dos motivos. Na época de Carnaval, ela e os poucos brasileiros da região participam do grupo Comparsa brasileiro para brincar com sotaque português na folia dos hermanos. O segundo motivo seria a discriminação que ela diz sentir de muitos argentinos, principalmente os jovens.

Foi por isso que sua filha, Beatriz, teria voltado ao Brasil há dois anos para morar com a avó. Segundo ela, a menina, hoje com 15 anos, sofria muita discriminação entre os colegas de escola. “Eles acham que toda brasileira é prostituta”, desabafa a mãe, antes de devolver na mesma moeda: “O que acontece é que as adolescentes daqui é que se portam como prostitutas. Nunca vi no Brasil jovens tão desbocados, que tratam os outros o tempo todo com palavrões…”

Sem volta

Ueliton Silva deixou Porto Alegre para morar em Maldonado, no Uruguai.

Experiência bem distinta de convívio com outros latino-americanos vive Ueliton Marques da Silva, 25 anos. O gaúcho de Porto Alegre mora desde 2005 em Maldona,do, cidade uruguaia que tem como bairro o famoso balneário de Punta Del Este. Ele conheceu o país quando trabalhava numa construtora brasileira. Gostou do que viu e ficou. Há dois anos está casado com a uruguaia Gennifer Devoto, 38 anos. Ele diz não ter o que reclamar da vida que leva. Seu salário médio na construção civil está hoje em 1.400 reais, o dobro que ganhava no Brasil.

A última vez que visitou Porto Alegre foi em outubro passado, quando faleceu sua mãe. Voltar para morar no Brasil, onde moram seus seis irmãos, está fora de cogitação. “É um país mais tranquilo, não tem tanta criminalidade quanto lá”, explica.

Sobre o convívio com os nativos, o brasileño Ueliton também cita “a boca suja” dos operários paraguaios. “É só te conhecer que eles metem a mãe e as irmãs nos chingamentos. Saudade, além dos familiares, ele tem do arroz e feijão brasileiros. Arroz “soltinho” não existe por lá, e o feijão, pelo menos em sua área de convivência, é discriminado, é “coisa de pobre”. Como exemplo ele cita uma advertência comum dos uruguaios quando se está fazendo alguma coisa errada: “Se continuar assim, você vai acabar comendo feijão no presídio”, ameaçam.

Um emprego itinerante

Pedro: casamento marcado para quando voltar.

Pedro, Carlos e Mariane são jovens brasileiros que atualmente moram fora. Só que eles não ficam parados num lugar só. Um dia estão na Argentina, outro, no Uruguai; ou um no Hawai, outro no Alasca. Os três fazem parte da tripulação do Radiance of The Seas, transatlântico da Royal Caribean que incluiu nesta temporada o Brasil em seus roteiros.

Os três têm motivos diferentes para estarem trabalhando no navio, mas concordam entre si que entre as vantagens estão a possibilidade de aperfeiçoar o inglês e conhecer diversos povos e costumes diferentes. E em alguns cruzeiros, o que não falta é diversidade étnica. Num deles, recentemente, havia passageiros vindos 66 países.

Pedro Ribeiro da Luz Scaramelli, 25 anos, veio da capital paulista, onde se formou em Turismo. Noivo, ele pretende trabalhar no Radiance somente este ano, pois está com casamento marcado com a paisagista e agrônoma Maria Carolina. Ele trabalha diariamente das 5 às 17h como “atendente de piscina”, cuja principal função é fornecer, recolher e dobrar as toalhas usadas pelos passageiros.

Ele diz que está atingindo o seu objetivo, que é aperfeiçoar o inglês e treinar o espanhol. “O que aprendi em uma semana de trabalho foi mais que a vida inteira fazendo aulas de inglês”, afirma. O trabalho em si, porém, é puxado. É de segunda a segunda, sem feriado. O principal problema, porém, diz, é a saudade da noiva e da família.

Mariane Leite Souza: “Viajando de graça e ganhando para isso”.

Mariane Pegoretti Leite de Souza, 23 anos, tomou gosto por conhecer outros países e povos ainda criança, quando os seus pais mudaram-se de Cruzeiro, no interior paulista, para a Venezuela. Há alguns anos ela voltou para morar no Brasil, em Vitória (ES), onde tem matricula trancada no curso de Turismo. Trabalhando como garçonete nos bares e restaurantes do navio, ela ganha em média 3 mil dólares por mês.

Um dos trunfos para conseguir o emprego foi seu inglês fluente, lapidado pelo ano que morou em Nova York a partir de um intercâmbio. Ela diz que não tem do que reclamar do trabalho. “Adoro viajar e eu viajo de graça e ainda ganho por isso”, resume. A saudade da família ela mata com a comunicação via internet. Saudade do namorado, Vladimir Leon, 26 anos, ela não tem, pois ele também trabalha no navio.

O garçom e atendente de restaurante Carlos Henrique Ângelo, santista de 26 anos, também considera que as principais vantagens do trabalho são o fato de poder co,nhecer outros países, além de treinar o inglês. Ex-funcionário de uma empresa exportadora em Santos, ele diz que cansou de ter que ficar viajando para capital e de ter de estar o tempo todo à disposição da firma.

Hoje, para cada seis meses trabalhados, ele tem dois meses de folga. Mas mesmo durante o trabalho, o seu dia-a-dia não é tão árido como era antigamente. Com os seis cruzeiros onde já trabalhou, ele pôde visitar locais que nem imaginava há alguns anos que poderia conhecer, como o Alasca, a Terra do Fogo, o Caribe…