Detector de mentira é novo item de consumo

Nova YorkOs detectores de mentira (ou polígrafos), esses controvertidos avaliadores da verdade, estão se incorporando à vida cotidiana.

São usados por seguradoras como uma ajuda para pegar gente que apresenta pedidos de indenização fraudulentos. Cônjuges desconfiados usam versões portáteis para julgar se estão sendo enganados pela outra parte. São utilizados também por investigadores do governo americano para confirmar a análise de pessoas suspeitas de serem terroristas.

Aos polígrafos, em uso há décadas, vieram se juntar novos sistemas que analisam a voz, rubor facial, tamanho da pupila e até as ondas cerebrais em busca de indicativos de impostura. Os dispositivos variam de equipamentos experimentais caros, que usam cadeias de eletrodos ou formação de imagens térmicas, a versões do tamanho da palma da mão ao preço de US$ 19,95.

Até hoje não surgiu um estudo provando que os detectores de mentira funcionam. Muitos estudos mostram que essas máquinas avaliam a verdade com tanta precisão quanto fazer uso de uma moeda para tirar cara ou coroa. Mesmo assim, há pessoas que aprenderam a depender deles.

É o caso de Liz Saul, contato publicitário de uma estação de rádio que recebeu um telefonema de um homem que dizia ser de uma empresa lotérica pela internet que queria comprar US$ 315 mil em publicidade. Ele era animado e charmoso, mas Liz sentiu que alguma coisa estava errada. E decidiu que precisava de uma segunda opinião – fornecida por uma máquina.

Um dia, enquanto conversaram, Liz filtrou a voz dele através de um “telefone da verdade”, que, segundo os fabricantes, mede microtremores inaudíveis da voz da pessoa para determinar a probabilidade de que esteja mentindo. O visor numérico digital que indica o nível de stress atingiu a zona de perigo. Segundo a máquina, ele era um impostor. Liz encerrou a ligação cortesmente, e também a transação.

“Não preciso mais perder meu tempo nem criar expectativas pensando em alguma coisa. Isso me ajuda a viver em um mundo de realidade”, diz Liz, uma moradora de Manhattan de 36 anos que comprou a máquina construída pela CCS International Ltd. por US$ 3 mil em uma loja de artigos de espionagem.

A recente proliferação dos detectores de mentira reacendeu um debate que já dura décadas sobre a ética e a política de quando e como devem ser usados e se uma questão tão importante como culpa ou inocência deve ser entregue a máquinas.

Com ajuda de um subsídio da CIA, Lawrence Farwell desenvolveu uma tecnologia denominada “impressões digitais do cérebro”, que diz ser capaz de determinar se uma imagem desencadeia as lembranças de uma pessoa. Mas seus sentimentos em relação a sua invenção são contraditórios. “A ciência é sempre uma faca de dois gumes”, diz ele. “Em nosso país, verdade e justiça estão altamente correlacionadas. Em outro lugar, talvez as coisas não sejam assim, e eu não gostaria que regimes desse tipo tivessem essa tecnologia.”

Há séculos que a humanidade busca um indicador físico que desmascare um mentiroso. Os romanos estudavam as vísceras dos suspeitos de serem mentirosos. Na China, enfiava-se arroz na boca do entrevistado para verificar sua secura, pois acreditava-se que, quanto mais seca a boca, maior a probabilidade de que a pessoa estivesse mentindo. Outras culturas experimentaram várias poções químicas ou “soros da verdade”, que não funcionavam melhor que a adivinhação.

Especialmente a partir de 11 de setembro, os organismos policiais passaram a considerar os sistemas de detecção de mentira cruciais para suas investigações. A CIA, o FBI e o Departamento de Defesa têm gasto milhões de dólares com eles. Em um apelo fora do comum, logo após os atentados terroristas, o governo solicitou ajuda da população para o desenvolvimento de tecnologias de combate ao terrorismo, entre elas um polígrafo portátil.

Os polígrafos, desenvolvidos em laboratórios do governo e em uso há décadas, medem a pressão arterial, transpiração, batimentos cardíacos. O operador da máquina interpreta os resultados para tentar determinar se o sujeito está mentindo ou não.

Nos EUA há um padrão duplo quando se trata do uso de polígrafos. Embora o chamado detector de mentira seja considerado um importante instrumento do trabalho policial, os dados por ele fornecido não são admitidos como provas nos tribunais. A Suprema Corte dos Estados Unidos proibiu as empresas privadas de os usarem para selecionar candidatos a emprego, mas permite que o governo faça uso deles com o mesmo objetivo.

Propostas recentes de ampliar o uso do detector de mentira têm encontrado resistência. O Conselho Internacional de Críquete viu-se sob fogo cruzado no último outono, quando propôs o uso deles para tentar pegar jogadores que estavam combinando o resultado das partidas. O conselho desistiu da proposta. O Departamento de Energia e o FBI obtiveram uma reação semelhante quando anunciaram que melhorariam muito o critério de seleção de funcionários usando o detector de mentira.

Paul Ekman, professor de psicologia da Universidade da Califórnia, é um dos pesquisadores que está estudando a validade dos polígrafos para aplicação em segurança nacional para um relatório da Academia Nacional de Ciências que deve sair nos próximos meses. Ele disse que a fé do governo nos detectores de mentira é equivocada e, no lugar deles, seria melhor que se gastasse dinheiro oferecendo um treinamento melhor sobre como intearrogar melhor seus agentes.

“Estamos maníacos por engenhocas neste país. Achamos que vai surgir uma solução tecnológica mágica para o problema do terrorismo. Mas o que acontece se essas coisas não funcionarem tão bem quanto esperamos? Talvez estejamos fazendo mais mal do que bem”, disse Ekman.

À medida que o debate sobre polígrafos esquenta, os dispositivos estão sendo gradualmente abandonados em favor dos analisadores de voz, que são mais portáteis e mais fáceis de usar.

Um dispositivo de análise de voz típico consiste em um telefone e um microfone anexados a um computador e que pode caaber em uma valise ou ser anexado a qualquer PC com o software próprio instalado. A maioria dos analisadores de voz pode ser usada em contato direto com a pessoa ou pelo telefone. As conversas podem ser testadas em tempo real ou gravadas para análise posterior.

Primeiro, o questionador pergunta ao entrevistado alguma coisa sobre a qual que ele não tem razão para mentir, como: “Quando é seu aniversário?”

Depois, pergunta o que realmente quer saber. O dispositivo avalia se o sujeito diz a verdade baseando-se nas diferenças entre os microtremores inaudíveis na voz na primeira e na segunda rodadas de perguntas. Para cada amostra sonora, o programa apresenta avaliações do tipo “declaração falsa”, “imprecisão”, “sujeito não tem certeza” e “verdade” ou, então, pode exibir uma leitura numérica do nível de tensão do sujeito.

“Mesmo um entrevistador experiente pode ser enganado por um cara bem-vestido que fala de uma maneira confiante. Mas a máquina pode lhe dizer que ele não está tão certo assim do que está dizendo ou mesmo se ele está mentindo”, disse Naaman Boury, presidente da Risk Technologies Innovative Solutions, que comercializa o analisador de voz.

O governo federal diz oficialmente que não usa esses detectores de mentira de voz. Após uma série de estudos que datam de meados da década de 90, o Departamento de Defesa concluiu que não funcionam. Mesmo assim, a tecnologia de voz tem seus defensores, entre os quais mais de 1.200 departamentos de polícia do país inteiro, emitentes de cheques de viagem e dezenas de milhares de consumidores.

Várias seguradoras de automóveis, de residências e de viagem da Grã-Bretanha começaram a fazer experiências com tecnologia semelhante para detectar pedidos de indenização fraudulentos. Uma delas, a Direct Line, interrompeu as experiências após concluir que o sistema não ajudava. Mas a gerente de marketing da Highway Insurance, Michelle Holt, disse que os testes realizados pela empresa foram bem e espera instalar um sistema abrangente nos próximos meses.

Bancos da Holanda preocupados com a lavagem de dinheiro e desfalques e varejistas do Canadá preocupados com o desvio de cargas estão entre aqueles que fazem uso dessa tecnologia sem conhecimento dos clientes.

“Quase todo mundo está querendo saber sobre os detectores de mentira – cônjuges, policiais, advogados, disse Shaed Khan, que trabalha na Counter Spy Shop de Washington. Embora os preços dos modelos profissionais top de linha variem de US$ 1 mil a US$ 20 mil, há dispositivos por apenas US$ 19,95.

O Handy Truster quando detecta uma verdade faz surgir uma maçã na tela da máquina e quando detecta mentiras mostra um verme. A 911Tech Co., fabricante do equipamento, diz ter vendido 20 mil unidades por ano nos últimos anos.

O Truster, um programa de software ligeiramente mais sofisticado que é executado em um computador de mesa, dá graduações de verdade ao texto. As empresas que comercializam essas tecnologias dizem que têm uma precisão de mais de 80%.

Os novos dispositivos não exigem que os interrogadores prendam fios e sensores no sujeito. Podem, assim, ser usados secretamente, o que levanta a questão delicada sobre se os avaliados devem ser avisados de que suas palavras estão sendo analisadas  (

Ariana Eunjung Cha/The Washington Post)

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