Apelidos para o bem ou para o mal

Colocar apelidos nas pessoas é uma mania nacional e quase ninguém escapa de ter um, nem que seja o diminutivo do próprio nome. Nenhum outro país usa tanto os apelidos para batizar seus craques do esporte. O costume de deixar o nome das outras pessoas de lado pode refletir carinho e amizade, mas também gerar mágoas, desconforto e inimizade. Na escola interfere na aprendizagem e no convívio com os colegas. No trabalho cria um clima de animosidade que pode atrapalhar até o rendimento da empresa.

É quase impossível encontrar alguém que não tenha nenhum apelido. Quando a criança ganha um nome comprido, os familiares tratam logo de abreviá-lo. Gustavo, vira Guto e Maria Eduarda, Duda. Além de facilitar a pronúncia do nome, de um modo geral as famílias acham mais carinhoso chamar a criança pelo apelido.

Mas a substituição do nome também nasce de outras maneiras e fora do convívio familiar. É comum surgirem na escola e no ambiente de trabalho. Geralmente estão relacionados a alguma caraterística física, comportamental ou a algum fato que tenha ocorrido durante a aula, na hora do recreio, no happy hour ou durante a partida de futebol.

E as chances de desagradar quem recebe o apelido é muito grande. É o caso da ?Purga?, na verdade Luciane Rodrigues, 24 anos, que carrega o apelido desde a 4.ª série. Ela conta que quando criança era magricela, tinha o cabelo curtinho e era bem bronzeada. Os amigos acharam que ela lembrava uma pulga e não perderam tempo, logo trocaram o nome.

Luciane diz que ficava chateada com os amigos e pedia que parassem de falar, mas quanto mais dizia que não gostava, mais e mais o nome pegava. Com o passar do tempo ela foi se acostumando e hoje muita gente ainda a chama assim, embora não fique mais chateada. ?Sou mais conhecida como a ?Purga? do que como Luciane. Não tenho mais problema com o apelido?. Ela acha normal colocar apelidos nos outros, só não concorda com os pejorativos. ?Eu mesmo já coloquei apelidos em muita gente?.

Na escola

Mas algumas crianças detestam tanto o apelido que ganham na escola que ele atrapalha os estudos e a convivência. O psicólogo e diretor do Colégio Martinus, Marcos Meier, diz que na instituição são admitidos apenas apelidos considerados carinhosos, como a abreviatura do nome Daniela para Dani. Outros, que retratam características físicas, como bocão, por exemplo, são coibidos.

O professor diz que a melhor maneira de se livrar do apelido é falar diretamente com o colega que inventou o nome e explicar que não gostou. Mas se isto não resolver, deve procurar ajuda de um professor ou pedagogo. O docente deve ter muito cuidado e resolver tudo numa conversa particular com os alunos, procurando não fazer alarde para que a situação não se torne constrangedora.

Atitudes também devem ser tomadas mesmo quando o jovem fala que não liga ou que não fica chateado com o apelido. ?Trata-se de um mecanismo de defesa usado pelo aluno?, explica Meier. ?É uma tentativa de fazer os outros pararem de usar o apelido?. Ele diz que há casos em que até os estudos e o círculo de amizades começam a ser prejudicados. A primeira atitude da criança é se isolar no recreio e da turma. Começa a se atrasar para sair de casa porque sabe que se chegar na escola e o professor já estiver na sala, não ouvirá gracinhas. Depois a criança começa a faltar nas aulas e isto começa a afetar o seu rendimento.

?É a fase de construção da auto-imagem e da auto-estima, por isso é importante resolver?, explica o diretor. Segundo ele, os pais também devem ficar atentos e incentivar, primeiro, a criança e o adolescente a resolverem a situação sozinhos. ?Eles precisam desenvolver a autonomia. Mas muitos pais acabam interferindo antes da hora, sem ao menos ter dado tempo de a criança e escola tomarem alguma atitude?

A Mandioca, Amanda Alferes Leite, 24 anos, diz que a brincadeira começou quando ela ainda era adolescente, na escola, e era uma brincadeira com as letras do nome. Ela também não gostava da idéia no início, mas preferiu não dar bola para não dar mais corda à situação. Segundo ela, não ficou chateada porque o apelido foi dado pelos amigos e só eles a chamavam assim.

Mas se o apelido desagrada alguns, outros até gostam. Reinaldo Ribeiro, 27 anos, diz que nunca se importou com o apelido. Ele vivia falando ?ah!?, e por isso acabou virando ?Azinho?. O nome que ganhou na rua chegou até a casa e hoje a família também o trata assim. ?Nunca me incomodou?, diz.

Clima pode ficar ?pesado?

Os apelidos transcendem a sala de aula e o círculo de amizades, chegando ao mundo do trabalho. O sócio-diretor da empresa de Recursos Humanos Huczok Consulting, Romeu Huczok, diz que também é comum as pessoas inventarem apelidos para os colegas. Ele comenta que a proximidade adquirida nas atividades sociais – como o jogo de futebol e até o mesmo o happy hour – favorecem este tipo de situação.

Como na escola, há os apelidos que demonstram carinho, mas há os pejorativos, como por exemplo, ?marcha lenta?. Eles acabam criando um clima ruim entre colegas e podem até afetar o rendimento da empresa. O conselho dado para as crianças e adolescentes também vale para os adultos, que devem dizer que não estão gostando do apelido. Romeu diz que é melhor a pessoa ter uma conversa particular com quem inventou o nome, se disser isto em frente a uma turma o efeito pode ser contrário. Se a conversa não resolver, o conselho é usar a hierarquia da empresa e falar com o superior imediato.

Huczok diz que não conhece nenhuma empresa que tenha uma política específica para combater apelidos pejorativos. Mas há políticas que promovem o respeito entre os funcionários e a criação de um nome desagradável para alguém fere este princípio.

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