Avaliação, aprovação ou reprovação

Ao chegar o fim do ano letivo, todos os atores envolvidos em um processo educacional começam a ficar mais preocupados com a aprovação ou reprovação escolar. Os pais por que querem que os filhos ?passem de ano? muitas vezes sabendo que o filho não sabe quase nada; – os filhos porque temem a reação dos pais ?tomara que eu passe mesmo não sabendo nada? e dos colegas de turma, ?…vou ficar para trás?; os professores que utilizaram a nota como ?instrumento de controle da turma, ou de ?alguns alunos? com medo de serem avaliados pela direção da escola ou do sistema no qual estão inseridos. A avaliação, enfim, vira tormento para todos, pois acaba tornando-se o centro do processo educacional.    

Este ?tormento? não é um fato novo. Na cultura em que vivemos o que vale é o ?boletim?, ?as notas?, se a criança passou ou não passou de ano, se obtivemos a média para passar, mesmo que isso signifique que os alunos não saibam nada ou pouco, para utilizar durante sua vida. Mas por que isso ocorre? Por que a avaliação é um instrumento que nos amedronta, principalmente quando chega no final de ano? Porque o que importa para esta sociedade é o resultado das provas… Não a qualidade daquilo que aprendemos. O que importa para os ?pais e professores e para os alunos?, que não sabem o valor político do processo avaliativo é o registro meramente técnico dos acertos e dos erros de um amontoado de conteúdos que se acumulam durante o ano letivo.

Observa-se que, ao longo do tempo, houve alterações quanto à concepção de avaliação subjacente à legislação: inicialmente, consistia em julgar o desempenho do aluno, de forma imparcial e objetiva, a partir do cômputo de acertos e erros apresentados nas questões de provas e exames; posteriormente, a avaliação da aprendizagem como procedimento de julgar o desempenho do aluno passou a se basear em critérios expressos nos objetivos previstos e a ser realizada de forma ampla e contínua como diz o artigo 24 item IV da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394 de 20 de dezembro de 1996 (?V – a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;).

Ora, se ela é processual, devemos entender como ?processo? a maneira como ocorre a ação educacional, como o professor ?ensina?, como a aluno ?aprende?, para intervir neste processo contínuo e levar ambos a ?aprender?, tanto o professor, que ensina e vai continuar a aprender novas formas de ensinar,  quanto o aluno, que aprende aquilo que o professor possibilita.

A avaliação, segundo os fundamentos legais, deveria acabar com a ?aprovação? ou ?reprovação?. Da maneira como está redigida, transforma a avaliação em um ato educacional de toda a sociedade.

A tese aqui defendida é de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394 de 20 de dezembro de 1996 determina que a avaliação da aprendizagem, nas instituições educacionais, deve indicar o caminho da aprendizagem, isto é, deve servir de diagnóstico do processo educacional, e assim permitir a intervenção no mesmo. A avaliação precisa indicar o porque da não-aprendizagem, quais foram as causas que levaram os indivíduos em processo de formação a não aprenderem. A comunidade educacional (pais, alunos, professores e sociedade), identificando as causas da não-aprendizagem, deveriam intervir no processo com o intuito de que todos aprendam, pois, com o fundamento legal da legislação atual determina implicitamente, não deve haver aprovação ou reprovação, e sim aprendizagem, o que interessa à sociedade, já que a formação educacional é a base de sustentação à vida das pessoas.

Ao considerar as dimensões do processo avaliativo, o tornamos um ato educacional que liberta o homem para o exercício da sua humanidade e abre a possibilidade da contradição, ou seja, do diálogo entre o professor e o aluno, entre o aluno e o conhecimento, entre o aluno o professor e o próprio processo de ensino e aprendizagem. A ética torna-se então o fundamento principal da ação avaliativa. O ato de avaliar, sob tal ótica, é um ato ?negociado? entre os seus atores, sem separá-los, e que respeita suas subjetividades, seus valores, sua cultura, sua identidade singular e plural.

Mas o que é um ato negociado, no processo avaliativo? É uma nova maneira de avaliar mais participativa. O professor deve discutir como se procederá a avaliação com seus alunos, construindo-a coletivamente, partindo do que será avaliado, como e quando será.

Ao construir coletivamente o processo avaliativo, possibilitar-se-á a intervenção direta da coletividade na aprendizagem, pois será criado um vínculo de significação com cada sujeito em particular, uma vez que todos se tornam aprendentes. A avaliação torna-se então convergente, pois incorpora aspectos éticos e políticos em um processo dinâmico, não mais ?exterior?, ?fragmentado? e unilateral, porque são os próprios participantes que melhor conhecem os significados e interpretações das aprendizagens, e por isso estão bem posicionados para participar da avaliação. O conhecimento (…) ?assim gerado parte das interpretações individuais e coletivas e procura a construção de significados intersubjetivos?. (Fernandes, 1988:23)

A transformação do paradigma da avaliação não consiste em um conjunto de fatos separados, mas no conjunto de atos e conseqüências intimamente relacionados. Para conhecer a realidade e seus significados, é necessário submergir no curso vivo e real dos acontecimentos e conhecer as diversas interpretações dos indivíduos que vivem esses mesmos acontecimentos. As opiniões e interpretações dos participantes devem ser parte integrante da avaliação, sendo a mesmo, desta forma, um processo de negociação. (MacDonald, 1976)

Mudar o paradigma da avaliação requer mais do que políticas públicas educacionais. É necessário acreditar na condição humana por parte de todos os seguimentos da sociedade, sejam políticos, econômicos culturais. É necessário ver o homem não como um objeto, um produto, e sim como um sujeito apto a autogestão e a transformação crítica e reflexiva, capaz de superar determinismos numa ação-reflexão no mundo, com o mundo e para o mundo.

É preciso seguir a lei… Não se pode mais reprovar nem aprovar na escola… Deve-se por meio do ato avaliativo Educar…

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