Punk rock perde espaço, mas está vivo

Uma ordem de despejo, por não pagamento de aluguéis atrasados, deve fechar as portas de um dos últimos marcos importantes da música pop, principalmente para o punk rock: o clube nova-iorquino CBGB. E o golpe pode ser duplo para quem mora em Curitiba e é fã do estilo, onde dois importantes endereços para o surgimento do movimento punk na cidade também encerram suas atividades em 2005. Primeiro foi o Lino?s Bar, que mesmo completando 24 anos de existência em setembro, por decisão do dono do prédio, foi obrigado a fechar. O outro é o 92graus, clube onde se apresentaram, e ainda se apresentam, os maiores expoentes do estilo na cidade, mas que em dezembro também encerrará as atividades por dificuldades de manter o alvará para as apresentações que promove.

?Faz tanto tempo que esse movimento começou e as pessoas ainda acham que punks são aqueles moleques que pintam o cabelo e ficam na Rua XV sem fazer nada?, diz Geraldo Jair Ferreira Júnior, o J.R. Foi ele que, juntamente com o irmão, começou a usar o porão do prédio que morava para criar, em 1991, o 92graus, espaço que serviria de salvaguarda para as bandas curitibanas, até então carentes de um circuito de bares para se apresentarem.

E na ótica do empresário, o que poderia indicar o fim de uma geração, parece apenas apontar para o surgimento de uma nova safra de punks. ?O movimento está supervivo. Nunca vi tanta banda aparecendo ao mesmo tempo. Todo show que a molecada assiste aqui no 92 faz com que surjam outras três bandas do estilo?, conta.

?O motivo por trás do fechamento do 92 não tem nada a ver com pessoas que se considerem punks, mas sim que em Curitiba falta política cultural?, acusa J.R. Ele explica que o 92 sempre incentivou as bandas e diversos outros movimentos culturais, inclusive criando um selo e gravando discos. ?Cedemos espaço para afirmar uma cultura na cidade, mas perante a legislação municipal, somos considerados como qualquer bar. A parte cultural não é levada em conta e muito menos incentivada?, lamenta.

André Scheinkmann foi um dos que viu de perto o surgimento do 92. Foi lá que ele começou, logo no início do bar, suas apresentações com a banda UV Ray. ?Pior que na época não me achava um punk. Ouvia tudo daquilo, mas achava que não era a minha cara?, conta. Hoje toca em outra banda, o Bad Folks, e tem que dividir o tempo entre o escritório e a música. ?Agora acho que sou punk, mas porque tem mais a ver com a atitude de faça você mesmo?.

Maurício Singer, o Mauricião, que produz e apresenta um programa de rádio apenas sobre o estilo, e é vocalista da banda No Milk Today, também acredita que ninguém consegue ser punk 100% do tempo. ?A gente cresce e as prioridades na vida mudam. A gente precisa ganhar dinheiro?, explica. Mas garante que o estilo, mesmo mudado, não tem prazo de validade. ?Hoje vemos shows dos filhos e sobrinhos dos primeiros punks. E muitos deles se deram bem na vida?. Mas a atitude de quem mal tinha deixado de ser adolescente a 15, 20 anos atrás, também parece ter mudado. ?O punk de hoje não é mais tão radical quanto o de antes. Acho que a semelhança fica mais na música, apesar de ainda existir algumas bandas que se atêm àquela atitude dos anos 70?, explica J.R.

Scheinkmann acredita que o fechamento do 92 prejudica a cultura da cidade, já que muitas bandas de garagem não terão mais espaço para tocar. ?É o único lugar que aceita todo mundo. Não interessa se é bom ou não?. Com essa política, de acordo com J.R., a média de espetáculos do bar é de quase 700 por ano. Mauricião fala que o fechamento do 92 encerra um ciclo, mas que aposta na volta do bar em um esquema mais profissional. ?Vamos tentar migrar o 92 para algum outro lugar. Mas ainda não está certo onde. É muito difícil conseguir alvará para shows na cidade?, afirma J.R.

CBGB

O clube CBGB foi fundado em 1973 e sua importância se deu principalmente em meados da década de 1970 com o surgimento do movimento punk rock, que quebrou com a tradição dos roqueiros sessentistas comportados e começaram a andar com cabelos pintados, pregar a anarquia e, atados ao lema ?faça você mesmo?, tocar os instrumentos de qualquer jeito. Foi no CBGB que nasceu um dos grupos mais importantes do movimento, o Ramones, passando por lá também gente como o cantor Iggy Pop. A dívida do lugar não é grande, aproximadamente U$ 12 mil, mas o proprietária se recusa a renovar o contrato do clube por causa de uma briga com os outros inquilinos, mesmo sendo pressionado pelo prefeito da cidade, Michael Bloomberg.

Auge do movimento na capital foi na década de 80

Enquanto os punks já abalavam cidades como Londres e Nova York há quase uma década, em Curitiba o estilo foi mais forte durante os anos 80. Hoje, em meio a uma reforma que transformará o lugar em pizzaria, apenas uma velha placa lembra que o Lino?s Bar, nas esquinas da Alameda Cabral e da Alameda Augusto Stellfeld, no centro da capital, por mais de 24 anos foi o ponto de encontro do movimento na cidade. ?O imóvel foi vendido e não tive o que fazer. Até entrei na Justiça, mas no fim, fui obrigado a entregar?, conta o catarinense Antônio José Lino, que sem querer criou um dos bares mais cultuados da cidade.

Ele explica que alugou o ponto em 1981 e abriu uma lanchonete. ?Isso coincidiu com o fim das viagens que fazia. Era representante comercial?. Da noite para o dia, porém, o Lino?s começou a ser freqüentado por quem se identificava com o movimento. ?Um dia veio o pessoal do Beijo AA Força e perguntou se eu podia ceder o lugar para um show. A partir dali, ninguém mais quis saber de comer lá?, diz Lino.

Isso atraiu público, mas ao mesmo tempo uma clientela não muito comportada. ?Durante muito tempo fui criticado pela vizinhança e até mesmo pela polícia. Depois acabaram me apoiando?, diz o antigo proprietário. ?Ainda mais porque fazia questão de manter o lugar tranqüilo. Não era porque os caras eram punks que iriam jogar garrafa nos carros que passavam?.

Sobre o movimento que viu crescer, Lino diz que não tem nada de morto. ?Talvez os punks não sejam mais como eram, mas tá cheio deles por aí. Aquele pessoal do início do bar hoje é tudo gente bem-sucedida?, revela. ?Hoje sou muito cobrado pelas pessoas na rua, principalmente pelos músicos: ?Ô Lino, quando que você volta? Quando abre outro bar??, me perguntam. Mas pode avisar que já preparo um novo empreendimento, no Bar Lemmys?, revela. (DD)

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