Ex Libris, o resgate de uma tradição

No próximo dia 9 nas dependências da Casa Andrade Murici, teremos mais uma vez a oportunidade de apreciar parte da bela coleção de ?Ex Libris? da Biblioteca Pública do Paraná. Pertencente ao dr. Ely de Azambuja Germano e adquirida em 1982 graças ao apoio financeiro do BRDE, Badep e Banestado, a coleção de nossa principal biblioteca e que recentemente passou por restauro, está dentre as 10 maiores das pouco mais de 30 coleções existentes no País.

Desconhecido da grande maioria da população brasileira e atualmente pouco utilizado pelas bibliotecas públicas ou privadas, o ?Ex Libris? é tão antigo quanto os livros impressos por Guttemberg.

Expressão latina cujo significado etimológico é ?dos livros de…? ou ?da biblioteca de…?, é um indicativo de posse bibliográfica, artisticamente confeccionada ou não, estampado ou impresso em papel e que se cola na contracapa de cada livro como um indicativo de posse da obra.

Numa definição mais abrangente, o ilustre heraldista e pesquisador Salvador de Moya, afirmava que ?Ex Libris? é ?…a marca de propriedade de uma biblioteca. Nome que genericamente se dá a todo e qualquer sinal, marca, distintivo ou rubrica; manuscrito, gravado, carimbado ou impresso; especificando o nome, monograma, a divisa, o título ou símbolos; da profissão, atividades ou afinidades do indivíduo; da casa, da associação, da comunidade religiosa, da biblioteca particular ou pública a que ele pertencer.

Mas nem sempre foi usada a expressão ?Ex Libris? nas vinhetas. Assim como até hoje acontece nos países de língua inglesa, ele nasceu sem essa legenda e quando muito trazia apenas o nome do dono da biblioteca. Com o tempo apareceram as legendas ?Ex Biblioteca? ou tão somente ?Biblioteca?, sendo em princípios do século XVI o registro do aparecimento do dístico ?Ex Libris?, expressão que se consagrou e permanece até hoje.

A xilogravura foi a técnica empregada pela Casa Stern de Paris para confeccionar o "Ex Libris" do grande cientista Oswaldo Cruz.

O uso dessas etiquetas na Europa e América do Norte está de tal maneira generalizada, que o mais modesto bibliófilo completa a toalete de seus livros, adornando-os com essa elegante ?marca de posse?, verdadeiro escudo de armas dos nossos tempos igualitários.

?Exlibrismo?  (a arte de colecionar) e ?Exlibrista? (o colecionador), são palavras que podem parecer estranhas para a maioria dos apaixonados pela literatura em nosso País. Mas nem sempre foi assim, até meados do século passado foram muito empregadas, quando existia então um intenso movimento artístico para a criação e confecção dessas obras de arte em miniatura. Os aficionados em seu colecionismo se congregavam em clubes e federações, havendo inúmeras publicações especializadas e intenso intercâmbio.

As origens do ?Ex Libris?

Da mesma forma que a impressão com tipos móveis foi uma evolução dos livros tabulares, os quais por sua vez substituíam os pesados livros manuscritos por habilidosos monges nos claustros dos monastérios, o aparecimento do ?Ex Libris? se deve à necessidade de identificar a quem pertencia os livros de uma biblioteca, substituindo a forma manuscrita de registrar a propriedade de um livro.

A popularização dos livros, fez com que as iluminuras que adornavam os antigos livros fossem substituídas por pequenas gravuras, propiciando uma fase de grande desenvolvimento para a arte da gravura e o aparecimento de grandes mestres gravadores. Nasceu então o ?Ex Libris?, a união da gravura de pequenas dimensões com a necessidade de identificar a quem pertencia os livros de determinada biblioteca.

Registros apontam o mais antigo como o pertencente a Johannes Knabensberg, também conhecido por Hans Igler (João Ouriço), gravado em madeira por W. L. Scheuber por volta de 1450 na Alemanha, representando um ouriço de perfil comendo flores silvestres. Também dos mais antigos é o de Giorgis de Podebrady (1455) e o de Hildebrand Brandenburg (1470).

Entretanto o grande impulso nessa arte se deve a Albrecht Dürer, a quem se atribui o privilégio de ter assinado os mais belos ?Ex Libris? que se tem conhecimento, dentre os quais o de Hieronimus Ebner em 1516. Nessa época tiveram também presença marcante, gravadores como Lukas Cranach, Hans Holbein e Jacob Bink.

Até finais do século XVIII o ?Ex Libris? estava praticamente restrito à nobreza e via de regra a ilustração abordava temas heráldicos ou hieráticos. Foi no final do século XIX e começo do século XX é que o ?Ex Libris? tomaria feição mais popular. Bibliófilos, literatos e colecionadores, contribuíram de forma excepcional para o seu desenvolvimento.

Alguns estudiosos, afirmam que o ?Ex Libris? seria de origem bem mais remota, teria surgido no Egito no reinado de Amenófis III. Esta afirmação tem por base uma caixa de papiros, existente no Museu Britânico, em cuja tampa de barro cozido e esmaltado em azul, aparece uma inscrição hieroglífica, afirmando que a mesma pertencia à biblioteca daquele faraó. Como tudo pertencia ao faraó e a identificação de seus bens era uma prática comum, podemos considerá-lo como um precursor de nossas atuais marcas de posse.

O ?Ex Libris? no Brasil

O primeiro ?Ex Libris? brasileiro data de fins do século XVIII e pertenceu a Manuel de Abreu Guimarães, provedor da Santa Casa de Sabará e possuidor de uma rica biblioteca. Essa marca de posse, considerada raríssima pois existe um único exemplar pertencente à coleção da Biblioteca Nacional, tem sua confecção atribuída a José Joaquim Viegas de Menezes, presbítero de Mariana cujos conhecimentos de impressão e gravura, aprendeu em Lisboa na Régia Oficina do Arco do Cego. Sua composição artística é de rara beleza e simboliza o culto pelas artes e pelo comércio.

Mas um ?Ex Libris? bem mais antigo acabou virando brasileiro. É o do bispo Diogo Barboza Machado (1682/1772), abade de São Adriano de Cever, considerado o iniciador da bibliografia portuguesa com sua obra ?Biblioteca Lusitana?, histórica, crítica e cronológica.

Na verdade o abade nunca veio ao Brasil mas sim a sua maravilhosa biblioteca que foi doada ao rei Dom José em substituição a biblioteca régia que foi devorada pelo incêndio que devastou Lisboa após o terremoto de novembro de 1755. Quando da vinda de Dom João em 1808 ao Brasil para cá, trouxe este maravilho acervo.

O abade que era extremamente organizado com seus livros, foi proprietário de dois magníficos ?Ex Libris??, gravados em Lisboa em 1730 pelo hábil artista belga Francis Harrewijn.

Registro especial merece o Barão do Rio Branco, primeiro brasileiro a colecionar ?Ex Libris? em nosso País. Sua coleção teve início na Europa quando esteve como Cônsul Geral em Liverpool (1876/1893). Sua passagem pelos Estados Unidos (1893/1895), Suíça (1898/1900), Alemanha (1900/1902) e as inúmeras amizades que granjeou em todo o mundo, possibilitou que conseguisse exemplares dos mais preciosos. Foi também proprietário de três ?Ex Libris? com seis variantes, gravados em Paris por Agry em 1887.

Em nosso País vários desenhistas tiveram participação marcante na elaboração de belíssimos exemplares. Dentre uma centena de nomes, destacamos: Adalberto Matos, Álvaro Cotrin, Raul Pederneiras, José Wasth Rodrigues, Adolfo Kohler, Antônio Pain Vieira e Augusto Esteves. Destaque especial e muito merecido, deve-se a Alberto Lima, que desenhou mais de 650 ?Ex Libris? e Jorge de Oliveira, até hoje em plena atividade e que já executou mais de 400 trabalhos para bibliófilos do Brasil e Exterior.

O Ex Libris no Paraná

Newton Carneiro em em seu livro ?Artes Gráficas em Curitiba? (Editora Paiol/1975), afirma que o primeiro ?Ex Libris? usado em nosso Estado, foi o do jornalista Nivaldo Braga (1852/1924) na forma de carimbo, mas a adoção dessas Marcas de Posse em Curitiba teve um maior impulso a partir de 1920, quando alguns escritores como Brenno Arruda, Ildefonso Serro Azul, Sá Barreto e Ada Macaggi, seguindo o hábito de cariocas e paulistas, passaram também a adotar essa forma de identificação em seus livros.

Após 1930 tivemos um número maior de proprietários de marcas com trabalhos gráficos esmerados, como é o caso do professor Liguarú Espírito Santo, Newton Carneiro, Adir Guimarães, David Carneiro e Euro Brandão entre outros.

Pintores, desenhistas e gravadores de renome nas artes plásticas de nosso Estado como: Czeslau Lewandowski, Nilo Previdi, Rodolpho Doubek, Erbo Stenzel, José Peon, Rômulo Alves, e Xixo Fernandes, contribuíram significativamente para o desenvolvimento dos ?Ex Libris?em nosso Estado.

Tipos de ?Ex Libris?

Dentre as inúmeras formas de uma pessoa identificar a propriedade de seu livro, as mais usuais são:

VINHETAS: São os mais comuns e também tradicionais, impressos em gráficas ou nas formas mais clássicas de impressão que é em madeira, pedra ou metal (xilogravura, litogravura, gravação a buril etc.). São trabalhos feitos por hábeis artistas e apresentam os mais variados motivos;

TIPOGRAFADOS: Os mais simples, impressos tipograficamente e sem desenho. Sua legenda cita tão somente que faz parte de determinada biblioteca pública ou particular;

SUPERLIBRIS,EXTERIORES ou EXTERNOS: Gravados, pintados ou decalcados na capa frontal ou na lombada, em ouro, prata ou policromia. Encontrados geralmente na forma de brasões ou monogramas;

MANUSCRITOS: O dono do livro, escrevia ou desenhava nas páginas iniciais identificando sua propriedade. Estas mensagens se tornam mais interessantes quando levam o autógrafo de algum personagem ilustre da nossa história;

BILHETES DE VISITA: Hoje conhecidos como ?cartões de visita?. Eram ricamente ornados, foram muito utilizados na Espanha e Portugal nos séculos XVII e XVIII com dupla finalidade, a apresentação de uma pessoa e identificar a propriedade de um livro;

CARIMBOS: Muito comuns hoje em dia, normalmente consta tão-somente o nome do proprietário. Em alguns casos esporádicos apresentam também um desenho. Atualmente são confeccionados em borracha mas houve época em que eram feitos em madeira ou metal.

MARCA DO AUTOR: É quando o autor de um livro, imprime em uma das páginas iniciais o seu ?Ex Libris? particular. Nesse tipo de ?marca? não deveria constar a legenda ?Ex Libris? já que o livro não pertence à sua biblioteca mas sim de um terceiro.

COMEMORATIVOS: São excrescências do exlibrismo. Verdadeiras ?ovelhas negras? ou ?espúrios? pois são feitos para comemorar eventos, datas importantes ou homenagear figuras ilustres e não para identificar uma biblioteca.

UNIVERSAIS: São os pré-fabricados e vendidos no comércio. O usuário escolhe o modelo que mais lhe agrada e basta tão-somente escrever ou carimbar o seu nome no espaço apropriado. São totalmente impessoais e muito usados na América do Norte.

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