Sandra Bullock, bela e contraditória

        Cannes – Monica Bellucci assolou sexta-feira a croisette, mesmo que o filme dela, em vez de Irreversível, devesse chamar-se Irresponsável. Sábado, a garota da porta ao lado desembarcou aqui com sua sexualidade mais comedida. Sandra Bullock brilhou duplamente. Às 15 horas, participou da coletiva do filme Murder By Numbers, um thriller realizado pelo franco-iraniano Barbet Schroeder, no qual ela faz uma policial que investiga o assassinato de uma garota e descobre que o crime pode ter sido cometido por dois amigos jovens.

        Às 16h30, com outro vestido, outro penteado e em outro local, Sandra participou de outra coletiva, dessa vez ao lado de Hugh Grant, seu parceiro na comédia romântica Two Weeks Notice. Nessa última, o charmoso Grant, ídolo das platéias femininas, faz um milionário meio entediado da vida, e Sandra é a mulher que toma conta dele, sem ter direito a expressar que também o ama (exceto na última cena, claro).

        Sandra é uma gracinha, mas disse aqui coisas muito contraditórias. Falando sobre o policial de Schroeder, disse que era um prazer trabalhar em filmes cujas personagens não eram talhadas para os atores e nas quais, pelo contrário, os atores é que tinham de encontrar o tom certo para servir às figuras que interpretam na tela. Tudo isso ela afirma ter encontrado no filme que segue a trilha do velho festim diabólico, de Alfred Hitchcock, que tratou pioneiramente da dupla de amigos que tenta cometer o crime perfeito. Na segunda coletiva, disse exatamente o contrário: que era um prazer trabalhar num filme escrito especialmente para ela e que ainda por cima lhe pedia dividir a cena com Grant.

        Ele acrescentou que há tempos ambos procuravam um projeto comum. ?Só apareciam roteiros da pior qualidade; finalmente, encontramos um material no qual valia a pena investir.? Todo mundo queria saber se Sandra vai mesmo ser mãe, como a imprensa norte-americana andou divulgando. Ela disse que não entende o porquê dessa obsessão com a maternidade. Antigamente, as mulheres não tinham outro papel social que não o de reprodutoras e donas do lar. Hoje, uma mulher pode levar uma carreira e sentir-se perfeitamente realizada sem a necessidade de ter filhos.

        É o que está acontecendo com ela. Não exclui a possibilidade de que, no futuro, venha a ser mãe. Mas, por enquanto, a prioridade é a carreira. A coletiva de Two Weeks Notice foi um show de cinismo da atriz e do seu leading boy. Todo o tempo houve um subtexto e esse era quase sempre o sexo, encarado na perspectiva de um cara como Grant, que no passado andou se envolvendo naquele escândalo com Divine Brown. Ele disse que era bom Sandra fazer um filme como policial durona e, logo em seguida, uma comédia romântica. ?Essa mudança serve à sua imagem?, disse a Sandra. Ela não se fez de rogada: ?Olha só quem está tentando cuidar da imagem; não diria que a sua é das melhores, Hugh.?

        A entrevista foi toda pontilhada por esse tipo de brincadeira. A platéia, formada por jornalistas de todo o mundo, achava a maior graça em qualquer bobagem que ambos dissessem. Faz sentido: esse tipo de cinismo dá a tônica na produção corrente da Hollywood atual. Embora Sandra e Grant façam o jogo, ambos confessam sentir nostalgia das velhas comédias que Hollywood produzia nos anos 1940 e 50. Não aprenderam nada: aquelas comédias podiam ser moralistas, mas com certeza não eram cínicas. (Por Luiz Carlos Merten, enviado especial AE)

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