Nadadores usam óculos para acostumarem corpo a horário noturno das provas no Rio

A natação brasileira se prepara para os Jogos do Rio atenta com dois relógios. Um deles é o tradicional, usado para contar o tempo das provas e índices. O outro é o biológico, o que mais preocupa no momento. A agenda de competições olímpicas por volta das 22h, com as finais, obriga a comissão técnica a pensar em soluções inusitadas para iniciar a ambientação do organismo dos atletas aos horários diferentes das disputas. Por isso, vale apostar em óculos de luz para acordar e luva de resfriamento para induzir o sono.

Na quarta-feira, os nadadores incluíram na rotina mais duas sessões de 30 minutos cada de atividades para completar o treinamento. Por volta das 19h, vestem um óculos que emite uma luz verde nos olhos, com o objetivo de forçar o organismo a manter a atividade e, assim, evitar sentir sono no horário em que deverá cair na piscina. O material permite o ajuste para a missão inversa, como escurecer a visão e favorecer o relaxamento.

Também para levar a entrada do corpo no estado de sono, a equipe médica tem outro recurso. Uma luva utilizada ao fim dos treinos e provas faz resfriamento em uma das mãos para diminuir a temperatura e forçar o corpo a iniciar o descanso. Como as competições e entrevistas irão até tarde, ter sono após tanta adrenalina será difícil e vai complicar a agenda de compromissos do dia seguinte. Muitos nadadores costumam disputar provas variadas ao longo de uma Olimpíada.

As duas experiências são encabeçadas pelo fisiologista Marco Túlio de Mello, responsável pelo ligação do projeto entre o Comitê Olímpico Brasileiro e o Instituto do Sono. “Queremos minimizar o prejuízo do horário das provas. Todos os atletas serão atrapalhados, na teoria. Esperamos com os óculos conseguir manter o rendimento esportivo dos competidores”, explicou. As experiências tentam “enganar” o cérebro a manter a temperatura corporal elevada, o que favorece o alto rendimento.

As finais da natação dos Jogos do Rio foram marcadas para a faixa horária mais tarde já escolhida em grandes competições. O limite anterior pertencia a Londres, em 2012, com as competições marcadas para às 21h.

O Troféu Maria Lenk, em abril deste ano, foi a prova que definiu a equipe brasileira que irá aos Jogos do Rio e teve as finais agendadas para bem mais cedo: entre 17h e 18h.

A escolha dos organizadores da Olimpíada foi para contemplar a exigência de canais de televisão dos EUA. A mídia local pediu o adiamento do horário para não ter a audiência prejudicada pelo fuso horário. “Nunca tivemos competições que iniciassem tão tarde. Por isso, os óculos dão banho de luz nos atletas para que a temperatura corporal continue alta”, afirmou o fisiologista.

Somente a equipe brasileira de natação tem 31 óculos para utilizar. Os produtos são importados, vieram da Austrália e EUA, e cada um custou cerca de R$ 980. Os médicos afirmam que usar óculos para “despertar” não é uma estratégia nova. Outros atletas já fazem isso para forçar a ambientação a fusos horários complicados. Fora do esporte, algumas pessoas que vivem em países nórdicos e de invernos sem iluminação natural também usam a exposição dos olhos à luz.

A rotina dos atletas também mudou nos últimos dias, tudo para não ter sono na hora em que vão precisar disputar medalhas. O nadador Nicolas Oliveira, que irá para a terceira Olimpíada, contou que tem ido dormir por volta das 2h da manhã, acordado às 11h e almoçado por volta das 15h. Alguns dos treinos da equipe brasileira no CT Paralímpico, em São Paulo, têm começado às 20h30.

O treinador da equipe brasileira aprovou as alterações na rotina e as novidades tecnológicas. “Todos nós estamos gostando. É como se fosse um fuso horário diferente, apesar de ser uma competição no Brasil. Aos poucos, vamos entrar nos eixos”, afirmou Fernando Vanzella.

A comissão técnica e os médicos adiaram todos os itens da rotina dos atletas em cerca de 3h, para complementar a preparação horária para as provas de natação nos Jogos do Rio.

“Eu até costumo brincar que estamos vivendo um sonho de criança, por poder ir dormir e acordar tarde. No meu caso, vou ser o atleta que mais vai disputar provas da equipe. Então, é muito importante dormir bem e se recuperar para o evento no dia seguinte”, contou Nicolas Oliveira, de 28 anos.

Os médicos explicam que a exposição à luz propiciada pelo óculos não traz riscos nem é capaz de gerar incômodo. Um dos nadadores, porém, afirmou que tem sido estranho se acostumar aos objetos. “É algo bem esquisito. Mesmo depois que você tira o óculos, fica vendo verde por um tempo”, admitiu Oliveira. “Eu não sou de usar óculos escuros nem durante o dia. Agora, estou usando até na parte da noite. Vale pela Olimpíada”, disse.

Segundo o fisiologista João Paulo Pereira Rosa, integrante da equipe de Marco Túlio Mello, os óculos e a luva precisam de dias seguidos de utilização para começarem a apresentar resultados. “São mais ou menos três dias para começarem a produzir algum efeito. É um trabalho que mexe com os gatilhos do sono, tudo para que os nadadores estejam alertas”, afirmou.

Além da natação, outras equipes brasileiras presentes no Rio também devem utilizar as tecnologias para regular o sono. No caso do atletismo e do vôlei, o intuito também é de manter os atletas acordados até tarde. O handebol é o inverso, pois parte dos jogos será logo pela manhã.

PROJETO – O desafio da equipe de fisiologistas se tornou tão grande quanto será dos atletas nas piscinas, quadras e pistas. Até o momento, não havia nenhum estudo para resolver os horários alternativos no esporte.

Os resultados obtidos com os atletas brasileiros serão apresentados no ICSEMIS (sigla em inglês para a Convenção Internacional de Ciência, Educação e Medicina no Esporte), que será realizado no final de agosto em Santos. “Para estas modalidades vai ser difícil de esperar por recordes mundiais. Pode até acontecer, mas vai ser difícil”, afirmou Mello.

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