Mestre no campo, Marinho indicava o caminho do gol

Um homem de 61 anos, praticamente cego, anda oscilante por uma rua do Boqueirão em direção à sua casa, quando é assaltado por dois sujeitos que levam sua carteira com os documentos e o pouco dinheiro que tinha. Pior: levam junto o cartão do auxílio-doença de onde tira a fonte de subsistência. Os caras desaparecem e o homem não sabe o que fazer. Alguém o ajuda a chegar em casa, onde há mais um drama em sua vida: a mulher está com câncer. Depois dos anos 1990, a vida não é fácil para Mário da Rocha, um curitibano que nasceu no bairro Vila Izabel, no dia 10 de junho de 1951.

Seria injusto dizer que ninguém sabe que aquele homem foi um craque do futebol, porque na região, desde o barbeiro Luiz Peleca até um funcionário do motel Fifos, quase todos sabem que o Mário da Rocha foi um meia-esquerda talentoso, com passagens por Colorado, Pinheiros, Guarani de Campinas, Operário de Campo Grande, Vitória da Bahia e outras sete equipes. Enfim, quem frequentou estádios nos anos 1970 e 1980 se lembra de Marinho, dono de um bom toque de bola que foi visto nos gramados até 1992, quando pendurou as chuteiras.

Tão logo despediu-se da bola, Marinho passou a sofrer com um problema na visão. Ele enxergava cada vez menos, até um dia se descobrir cego. “Eu tinha um problema na córnea e não tratei. Quando fui perceber, estava cego. Fiquei assim um ano”, conta. Depois, Marinho operou os dois olhos, mas, ainda assim, a visão é parcial, bem reduzida. Ele tem dificuldade até para andar na rua. Com a sua doença, e também a de sua mulher, Rose, o ex-jogador teve que se desfazer dos bens e hoje mora numa casa modesta nos confins do Boqueirão, ao lado do rio Belém. A filha Andréia deixou o emprego para cuidar dos pais. A situação ficou difícil.

O futebol deu alegrias e dinheiro para Marinho. No fim da carreira, ele tinha apartamento e carro. A família tinha conforto e não faltava nada. Naturalmente, como aconteceu com outros jogadores, ele esperava continuar atuando no futebol, em atividades de apoio, depois de pendurar as chuteiras. “Eu sei que eu tenho muita coisa para passar para esta geração nova que vem aí, para atuar nas categorias de base. Eu tenho certeza de que poderia fazer um belo trabalho”, diz ele. Poderia.

Poderia porque depois que parou com o futebol, Marinho começou a sentir que algo não ia bem com a visão. Estava enxergando cada vez menos. Veio a cegueira. Ele não sabe definir exatamente a causa. “Minha falecida mãe tinha diabete e acho que esta pode ser uma causa. Mas acontece que durante a minha carreira eu levei muita pancada no olho. Eu abri os supercílios umas seis ou sete vezes e acredito que isto também influenciou bastante. O certo é que depois que parei, eu comecei a ter problemas de visão”, diz Marinho.

Como não tratou, quando foi perceber estava cego. Ficou um ano cego. Vieram as cirurgias, despesas e, pior, não tinha de onde tirar recursos para custear tratamento e para sobreviver. A coisa complicou ainda mais quando foi diagnosticado o câncer em sua mulher Rose. Hoje Marinho é um homem solitário, que tem dificuldades até de viver do passado, porque não enxerga direito. Não lê sobre sua carreira, não vê com nitidez as poucas fotografias que guarda e os passaportes dos tempos em que viajava para o exterior. Vive num mundo de penumbra, dia e noite.

Nem as camisas dos clubes pelos quais passou Marinho guarda em casa. “Ele sempre foi generoso. O pessoal passava aqui e pedia uma camisa de recordação e ele foi dando para os amigos e conhecidos”, diz Rose. Mais que a falta de condições de recordar os bons tempos, Marinho hoje é um homem com dificuldades financeiras e de se locomover em decorrência da deficiência visual. “Ele não diz, mas acho que ele anda muito deprimido. É muita coisa para um homem só”, avalia Rose.

Pinheirense

Em 1984, quando o Co,lorado montou um time que recebeu o apelido de “SeleBoca”, Marinho foi dado como carta fora do baralho. Assinou com o Pinheiros, onde ganhou dois títulos estaduais – 1984 e 1987 -, além de três vice-campeonatos. “Fui feliz no Pinheiros. Nunca teve atraso de salário. Em outros clubes, eu tive que ir para a Justiça, e pior: muitas vezes nem recebi o que me deviam. Isto não aconteceu no Pinheiros”, recorda. Depois de cinco anos no Pinheiros, Marinho foi para o Matsubara e também jogou no Noroeste-SP, no Novo Hamburgo-RS e na Jalense-SP. Aí chegou o ano de 1991, e Marinho pensou em pendurar as chuteiras. Mas antes atuou pelo Sport de Campo Mourão e ajudou o atacante Alcântara a se tornar o maior artilheiro da história do Campeonato Paranaense, em uma só edição, com 30 gols.