Maquiagem de números é campo fértil

Rio e Brasília (AG) – Se os acionistas de empresas brasileiras olham para o show de irregularidades nos balanços das companhias americanas e acham que o fenômeno dos erros contábeis está restrito a um mercado de capitais gigante e sofisticado, é bom ficarem atentos.

É certo que, pela diferença entre o complexo mercado dos EUA e nossa frágil bolsa há um enorme abismo. Mas, segundo o professor do Ibmec Business School e ex-analista do Banco Central Fábio Fonseca, “o vento que sopra lá, sopra cá”.

– Os balanços das empresas brasileiras possuem pontos nebulosos – diz Fonseca.

Nisso concordam praticamente todos os economistas ligados ao mundo dos balanços, auditorias e tributação. Entre todas as empresas, a maquiagem dos números encontra campo fértil no balanço de instituições financeiras, como bancos, seguradoras e, sobretudo, firmas de leasing. Pelas próprias características desses negócios, seus balanços são mais complexos e, portanto, mais fáceis de serem manipulados, dizem os especialistas.

Embora no Brasil o mercado financeiro não seja tão complexo quanto o dos EUA, limitando as oportunidades de fraude, aqui, a economia instável cria outros instrumentos para burlar os números. A exigência de correção monetária dos valores divulgados nos balanços (por causa da inflação) e de ajuste às fortes oscilações do dólar são atalhos para forjar resultados.

– Aqui no Brasil, a situação é agravada por outras razões. A variação cambial, por exemplo, facilita que os resultados sejam flexibilizados. Tanto que a CVM teve que baixar regras sobre como as empresas devem lançar no balanço as perdas com variação cambial – diz o advogado Fábio Moreira Nonô, do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva.

Os analistas de mercado também se queixam da qualidade e da abrangência das informações prestadas nos balanços das empresas. Uma crítica recorrente é ao fato de muitas companhias lançarem, sob a rubrica “outros”, valores de soma expressiva, sem a devida explicação. Quem acompanha os balanços também reclama do fato de serem poucas as empresas que publicam qual foi seu fluxo de caixa passado.

– Essa é uma informação fundamental para ter uma posição fiel da situação financeira da companhia -diz Ricardo Carvalho, analista de empresas da Atlantic Rating.

Até mesmo a veracidade do que está sendo lançado em balanço é alvo de desconfiança.

– Como eu posso saber se despesas lançadas como investimento em pesquisa foram realmente parar nas pesquisas e não em mordomias de executivos em viagens? Isso é dúvida em qualquer lugar do mundo – diz o tributarista Ives Gandra Martins.

David Bunce, presidente da KPMG no Brasil, acha que o país não corre grandes riscos pois a remuneração dos executivos não os estimula a inflar lucros, como nos EUA.

– A pressão do mercado por lucros gera distorções -diz ele. Mas as auditorias são alvo de críticas mais contundentes. Os especialistas afirmam que, para manter a empresa como cliente, as auditorias são bem flexíveis em seus critérios de fiscalização. Além disso, a coleta de informações na empresa costuma ser feita por funcionários recém-contratados.

– Só numa segunda etapa os dados são avaliados por um gerente experiente mas que, no fundo, só olha os números para ver se ali não tem nenhum elefante cor-de-rosa – conta um ex-funcionário de uma grande empresa de auditoria.

A solução, diz Antoninho Marmo Trevisan, é separar a área de auditagem da área de consultoria nestas empresas, como o governo vem tentando fazer, mas não consegue por conta de uma liminar obtida na Justiça pelas maiores companhias do setor.

A CVM tem uma visão otimista da atual crise nos EUA. Diretor da autarquia, Luiz Antônio de Sampaio Campos lembra que, em muitos casos, as leis brasileiras são mais exigentes do que as americanas:

– Aqui, há exigência de rodízio de auditores nas empresas a cada cinco anos. E a empresa tem que publicar um fato relevante sempre que algo afete o balanço ou os negócios. Nos EUA, essa exigência só vale se a informação vazar – diz.

A Receita Federal já identificou maquiagens como forma de driblar o Fisco e pagar menos impostos. Uma das alternativas mais usadas é a cisão de companhias. Um dos casos mais graves foi o de uma empresa que se cindiu em outras 12 para fugir do Fisco. Todas elas tinham o mesmo objeto social e os mesmos sócios.

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