Deixados pra trás

Hospital de Pinhais tem paciente que vive ‘esquecido’ há 40 anos

Passar as quatro décadas de vida cercado pelos muros de um hospital. Assim se resume a vida de Flávio Cavalcanti, homem na casa dos 40 anos, que ganhou esse nome da equipe do Hospital Colonial Adauto Botelho, em Pinhais. Ele nasceu no hospital, quando a mãe era paciente. Os registros dos sete primeiros anos não foram encontrados e ele registrado pelo próprio hospital.

Flávio se junta a várias outras histórias de pessoas que já estão institucionalizadas na unidade. O diretor do hospital, Osvaldo Tchaikovski Junior, criou uma ala específica para esses pacientes que são moradores da instituição. São 19 pessoas entre homens e mulheres, com pelo menos 20 anos vividos no Adauto Botelho.

O grupo é “sequela” da antiga política nacional de saúde mental, que perdurou até o começo dos anos 2000. Os hospitais que tratam de distúrbios mentais, hoje, após a reforma psiquiátrica instituída com a lei 10.216 de abril de 2001, têm finalidade apenas de tratamento e por tempo determinado. Mas a realidade já foi bem diferente.

Ante da Lei da Saúde Mental, os hospitais podiam ser classificados como depósitos de excluídos. As unidades não só recebiam pessoas com distúrbio ou em crise, mas também os chamados “indesejados”, como filhos bastardos, pessoas saudáveis, mas com surdez ou qualquer outra deficiência ou com comportamento que desagradava aos pais e à sociedade.

E lá ficavam, sem contato com as famílias e sem um tratamento digno e individualizado como é hoje. Muitas vezes os casos se agravavam dadas as fortes medicações administradas. O hospital, com capacidade para 350 pessoas na sua inauguração, chegou a abrigar mais de 1.200 pacientes, que viviam amontoadas por corredores e quartos.

O descaso era tamanho que as famílias aproveitavam a madrugada para “largar” seus entes no hospital. Por uma porta dos fundos, deixavam a pessoa e nunca mais voltavam. Assim, esse grupo de 19 pessoas foi ficando por lá.

Família de funcionários

Hoje sem família, esses pacientes fazem dos funcionários, médicos, enfermeiros e toda equipe multidisciplinar seus verdadeiros entes. É com este grupo de profissionais que eles puderam conhecer um pouco da vida normal que qualquer pessoa leva aqui fora. Eles vão à padaria, a parques, fazem piqueniques. Também é deles que os pacientes moradores recebem carinho, afeto e mantém uma relação familiar. As mulheres ganham dias de beleza com manicure, além de todo tratamento singular que cada um recebe e que permitiu que tivesse evolução no andar, gestos, fala e coordenação motora. Não é surpresa andar pelos corredores e receber sorrisos destes pacientes e se deparar com rostos felizes. E esta mudança de comportamento aumenta ainda mais o grau de vínculo com a equipe.

“Você cria um laço de afetividade. Mesmo com eles só se expressando através da linguagem visual, depois de tantos anos você já sabe o que cada um precisa. Se está com dor, se está feliz”, conta o enfermeiro Norival de Oliveira, que trabalha no Adauto Botelho há 25 anos.

Sem um familiar que possa ser seu cuidador, os pacientes moradores também estão na lista dos deixados para trás mostrados nesta série. Mas ganharam um pouco de dignidade com o tratamento especial que recebem hoje, mostrando que o afeto é importante para a evolução de qualquer paciente. “Existe uma relação afetiva com a equipe. São quase como filhos, é uma coisa impressionante”, reforça o diretor da unidade, Osvaldo Junior.

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