Cavalo de carrinheiro não é bem-tratado

A discussão sobre o trabalho dos carrinheiros nas ruas de Curitiba sempre causou polêmica. Alguns admitem que eles causam transtorno no trânsito. Outros advertem sobre o perigo de carregarem as crianças no período de trabalho. Dessa vez, os maus-tratos com os cavalos que são utilizados pelos carrinheiros está na pauta.

De acordo com a Sociedade Protetora dos Animais em Curitiba, os cuidados com os animais que percorrem grande parte das ruas da cidade ainda é muito precário. A instituição recebe cerca de trinta denúncias por dia, alertando sobre cavalos que não estão recebendo o devido cuidado.

Uma das voluntárias da Sociedade Protetora dos Animais em Curitiba, Sula Galeano Brackmann, adverte que cada vez mais os cavalos utilizados pelos carrinheiros são maltratados. Ela afirmou que presenciou várias cenas de violência contra esses animais. “Quase todo dia quando volto para casa, observo em várias ruas os cavalos sendo chicoteados e não agüentarem se locomover com rapidez. Isso é um absurdo. É claro que existem alguns que cuidam dos animais, geralmente os carrinheiros mais velhos, mas é uma minoria”, ressalta.

Sula ainda lembra que há alguns anos, esses animais eram utilizados em corridas entre os carrinheiros mais novos na Avenida das Torres. Segundo ela, além de prejudicar a saúde dos cavalos, as patas machucavam muito e até sangravam. “Isso aconteceu há algum tempo. Mas, graças a Deus, tomaram algumas providências para terminar com esse problema. Mas, apesar de tudo, os cavalos continuam sendo maltratados. Tem carrinheiro que nem água dá para o animal durante todo o dia”, completa.

Os carrinheiros se defendem, afirmando que protegem os seus animais. Sérgio Alexandre, de 35 anos, já trabalha como carrinheiro há oito anos. Ele admite que a falta de oportunidade em outras áreas foi a causa da escolha para recolher lixo e afirma que cuida do animal diariamente, pois acredita que é um dos responsáveis pelo trabalho que exerce. “Não tínhamos oportunidade. Fiquei desempregado muito tempo e tinha que levar comida pra casa. Comecei como carrinheiro sem utilizar o animal, mas o desgaste é grande”, afirma. “Mesmo assim cuido sempre do cavalo porque sem ele não tenho como trabalhar. Se fico sem ele, tenho prejuízo no final do mês”, admite Sérgio.

Luiz de Oliveira, de 42 anos trabalha com o filho Vandoílson de Oliveira, de 22 anos, desde o ano passado. Geralmente, eles passam quatro horas por dia catando o lixo nas ruas da cidade. Sempre que podem, eles afirmam que param para o cavalo ter alguns minutos de descanso. “Como percorremos muitas ruas, tem uma hora que o cavalo precisa descansar, além de comer e beber água. Se não fizermos isso, é capaz dele cair no meio do percurso”, explicam.

Denúncias

De acordo com o delegado titular da Delegacia do Meio Ambiente, Wilciomar Voltaire Garcia, muitas das denúncias que chegam até o local deixam de ser resolvidas porque a pessoa acusada não está no local onde foi descrito pelo denunciante. “Isso é muito comum. Ainda mais em uma cidade grande, como Curitiba. Recebemos a denúncia, mas quando chegamos no local descrito, não há ninguém, nem o dono e nem o animal, então nesse caso, não podemos fazer nada”, diz. “Já estamos aumentando a fiscalização para que o número de maus-tratos diminua. Sempre temos muitas denúncias aqui na delegacia, e sempre estamos dispostos a solucionar todos os casos”, reforça Wilciomar.

O delegado ainda explicou que ações coibindo os maus tratos foram realizadas em todo o litoral paranaense durante a temporada. Em Guaratuba, depois de receberem muitas reclamações dos moradores, Wilciomar disse que foram realizadas algumas blitze, onde os animais passavam por uma análise dos policiais, antes de seguir com os carrinheiros. “Verificamos tudo no animal e muitos foram autuados. Terão que pagar multas por andarem com os cavalos em más condições. Alguns dos animais estavam com as patas sangrando por não usarem ferraduras. Isso é um desrespeito com o animal”, completa o delegado.

Serviço: O telefone da Delegacia do Meio Ambiente é (41) 356-7047.

Canil é uma alternativa

Uma das alternativas para os proprietários de cavalos, inclusive de outros animais, que querem se desfazer dos animais é o Canil Municipal, no bairro Guabirotuba, em Curitiba. Em vez de abandonar os animais em terrenos baldios ou em outros locais, os donos podem entrar em contato com o Canil.

No local, os animais são tratados por dez dias, recuperados, caso tenham muitos ferimentos e, caso os proprietários não estejam mais interessados nos animais, são encaminhados para outros interessados ou vão a leilão. Se os animais estiverem com alguma fratura séria, é realizada a eutanásia (morte provocada), para que o sofrimento dos cavalos seja menor.

Segundo a veterinária Cláudia Lisenski, que trabalha no local, ano passado foram apreendidos 338 cavalos em Curitiba. O custo de manutenção dos animais não é grande. A alimentação é feita com rações e a medicação muitas vezes é doada.

Ela também explicou que o canil recolhe animais que estão soltos, abandonados nas ruas ou em terrenos baldios. “Não podemos, simplesmente chegar em um local, e retirar o animal do proprietário, mesmo ele sendo maltratado. É preciso que o dono libere o animal para que possamos tomar conta”, diz.

Cláudia conta que existem muitos casos de animais que são maltratados, mas que, na maioria das vezes, nada pode ser feito se o dono não autorizar. “O animal pode estar morrendo, preso em uma árvore, sem comida e bebida, mas se o dono não quiser se desfazer dele, não podemos fazer nada. É uma pena. E quando ocorrem as denúncias para a Delegacia do Meio Ambiente, os animais são recolhidos e escondidos antes que a polícia apareça”, afirma.

Tratamento na Tuiuti

A Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), campus Torres, realiza um trabalho de extensão tratando vários cavalos utilizados por carrinheiros da região e de outras favelas de Curitiba. O trabalho foi criado pelo professor Antônio Carlos Nascimento, responsável pelo ambulatório de grandes animais da instituição. Oitenta alunos do curso de Medicina Veterinária (dez por dia), acompanham todos os passos no tratamento dos cavalos que chegam até a UTP. De acordo com Nascimento, todos os medicamentos são fornecidos pela própria instituição ou é fruto de doações dos alunos.

Nesse trabalho, todo cavalo que chega pela primeira vez na instituição é cadastrado para identificação, através de amostras de sangue e fezes. A partir disso, tem um acompanhamento feito pelos alunos e pelo próprio professor. Os carrinheiros vão até a instituição levando os cavalos, que tomam banho, comem ração e bebem água, além de realizar alguns exames para saber da atual condição de saúde de cada um.

O professor ainda disse que os carrinheiros são alertados sobre tudo o que devem fazer para manter os cavalos em boas condições. O trabalho foi iniciado com 60 cavalos da Vila Torres. São atendidos seis cavalos por dia na instituição. “É um hábito que os carrinheiros aprenderam a ter. E é essencial que eles se preocupem com a saúde dos animais, pois precisa deles para continuar trabalhando com estabilidade”, diz. “No fim, todos saem ganhando. Os carrinheiros, que podem trabalhar com animais mais saudáveis, os próprios cavalos, que têm um acompanhamento direto, a universidade, que desenvolve um trabalho que ajuda a comunidade, e os alunos, que aprendem na prática, a importância da medicina veterinária”, completa.

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