Sorte para ser escolhido

Hospital de Clínicas escolhe quais pacientes serão atendidos

A falta de funcionários no Hospital de Clínicas (HC) de Curitiba, maior prestador de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) do Paraná, já resultou no fechamento de 234 leitos nos últimos 10 anos. Uma residente ouvida pela reportagem do Paraná Online confirmou que os médicos são obrigados a escolher quem será atendido e quem voltará para casa sem atendimento.

Em 2004, o número médio de leitos utilizados no hospital era de 599 e em outubro deste ano, o número foi reduzido para 365. Somente em 2013, foram fechados 94 leitos. A situação também é crítica com relação ao número de funcionários. Em 2003, o hospital tinha 3.470 colaboradores e, após 10 anos, o número passou a ser de 2.910, uma redução de 560 colaboradores, queda de aproximadamente 16% no quadro de funcionários.

Por outro lado, a população de Curitiba cresceu de 1,587 milhão em 2004 para 1,848 milhão em 2013. Um aumento de 261,6 mil habitantes. O crescimento populacional da cidade na última década e a redução no número de leitos refletiu no atendimento. Em 2004, a relação entre população absoluta e leitos no HC era de aproximadamente 2.650 habitantes para cada leito. Neste ano, o número chegou a 5.065 habitantes para cada leito no hospital.

Escolha de pacientes

A falta de funcionários no HC está se refletindo diretamente no atendimento e gerando estresse para colaboradores e pacientes. De acordo com uma residente ouvida pelo Paraná Online, que trabalha na área pré-natal, existem 45 leitos na UTI Neo-Natal, contudo, somente 25 estão em funcionamento. Ela afirma também que muitos medicamentos necessários para combater infecções estão em falta e que muitas vezes é necessário escolher quem receberá atendimento e quem não será atendido. “O pior é o emocional. Aquele sentimento horrível de ter que recusar um atendimento. Ficamos entre a cruz e a espada, já que fomos liberados para realizar pouquíssimos procedimentos por dia. Estou tendo que escolher qual caso é prioritário. É uma situação de difícil escolha”, desabafa a residente.

Muitos pacientes também demonstram insatisfação com a situação. É o caso de Francisca Rosa de Oliveira, 70 anos, que aguarda por uma cirurgia de alto risco. Acompanhada de sua filha Dalva de Oliveira, Francisca conta que é a terceira vez que vem ao hospital, mas ainda não foi operada. “Minha situação é uma operação no útero que eu já tinha que ter feito e vim esperando para ser internada hoje, mas recusaram meu atendimento. A doutora disse que sente muito, porém, não pode fazer nada. Agora tenho que esperar remarcar”, lamenta.

Arquivo
Dr Flávio Tomasich rebate número de leitos.

O diretor geral do HC, Flávio Daniel Saavedra Tomasich, rebate a afirmação de que existam 45 leitos na UTI Neo-Natal. Segundo ele, a unidade sempre disponibilizou 25 leitos, “pois não temos equipe suficiente para atender os demais leitos, daí eles nunca terem sido utilizados”. Quanto à questão de priorizar o atendimento, o diretor admite que o problema existe. “Entendo a frustração dos nossos residentes, mas esta é uma questão de capacidade. Do ponto de vista estrutural e de equipamentos, o hospital está muito bem. O HC precisa muito da ajuda dos seus colaboradores e ele só é o que é por causa de todo o corpo clínico e administrativo. Temos pessoas de alto gabarito trabalhando aqui”.

Falta de pessoal

Para o diretor geral, o problema da falta de funcionários só será resolvido efetivamente com a realização de um concurso público. “A falta de funcionários vem desde a inauguração do hospital, em 1961,, e com a diminuição do quadro de colaboradores perde-se a excelência no atendimento e na pesquisa”. Contudo, a realização de concurso público depende de autorização do MEC e a assessoria do Ministério informou que todos os concursos públicos para os hospitais universitários serão realizados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), criada pelo governo federal para atuar na gestão dos hospitais.

Porém, em agosto de 2011, o Conselho Universitário da Universidade Federal do Paraná (UFPR) rejeitou a proposta de adesão do HC à Ebserh, sob a alegação de não querer perder a autonomia de gestão no hospital. Para Tomasich, o maior problema está na forma de gestão da Ebserh. “Eles (Ebserh) têm um modelo único de gestão e os hospitais federais têm características e necessidades específicas. Existem hospitais com 60 leitos, outros com 600 e não se pode administrá-los da mesma forma”.

O reitor da UFPR, Zaki Akel Sobrinho, disse que a decisão pela não adesão à Ebserh está mantida. “O importante é que tenhamos um bom espaço de atendimento para a população, mesmo que em uma quantidade um pouco menor. Porém, que possamos oferecer boas condições de trabalho aos nossos colaboradores, além de uma boa qualidade para aqueles que dependem do maior hospital público do estado do Paraná”.

A assessoria de imprensa da Ebserh informou que a decisão pela contratação da empresa é de autonomia de cada universidade, mas que já realizou concurso público para o Hospital Universitário do Piauí e estão em andamento concursos para os hospitais universitários de Brasília, do Maranhão, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Triângulo Mineiro e que, o acréscimo na força de trabalho totalizará cerca de 4 mil novas vagas, representando um reforço aproximado de 50% no número de profissionais que atuam nas unidades.