Guaraqueçaba exuberante só para os turistas

Conhecida pela importância do seu patrimônio natural e por contar com o maior remanescente de bioma da Mata Atlântica do País, Guaraqueçaba reserva uma condição precária, em diversos aspectos, para seus habitantes. Da saúde à coleta de lixo, passando pela educação, o que se percebe nos depoimentos dos moradores é uma série de histórias decorrentes da dificuldade de acesso marítimo e terrestre. Indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que coloca o município na terceira pior posição do Estado, só reforçam as diferentes demandas preteridas para a população do local. “Enquanto não tivermos um acesso terrestre digno, não teremos vida própria. As dificuldades da população em utilizar diversos serviços permanecerão e o município seguirá dependente do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Ecológico”, constata o prefeito Riad Said Zahoui.

Com tantos problemas, não é raro encontrar nativos que atribuem às Organizações Não Governamentais (ONGs) a razão para o município não se desenvolver de forma adequada. “Aqui só vem viaturas ou qualquer tipo de assistência quando se têm denúncias sobre caça ilegal ou extração de palmito. Mas, quando precisa socorrer uma pessoa, se depender das autoridades, a pessoa morre”, critica a vendedora Nilcéia Filadelfo da Silva.

Bichos

Ciciro Back
Buracos no trajeto não perdoam nem veículos mais resistentes.

“Preservam mais os bichos do mato do que o povo daqui”, acrescenta a pescadora Sidneia de Lara. As principais ONGs que atuam no município – Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS) e Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza -afirmam estar cientes das dificuldades enfrentadas pela população, mas discordam das acusações. “A fiscalização é extremamente deficiente. Tanto que sabemos de grupos de caça comercial que vão ao município para se abastecer de tatu, paca e outros animais cuja carne é considerada uma iguaria. Percebo que as ações pontuais de apreensão acabam sendo lembradas por anos pelos habitantes”, justifica o diretor executivo da SPVS, Clóvis Borges.

“Estamos há 20 anos em Guaraqueçaba, duas décadas em que a gestão estadual simplesmente ignorou o município, mesmo com nossos apelos pela busca de uma gestão integrada entre os governos federal, estadual e municipal. Tentamos articular isso por diversas vezes, porém, mas não conseguimos avançar muito até agora, embora seja o único caminho para as diversas demandas dos habitantes”, afirma Borges. “As ONGs não podem e nem têm recursos para dar conta de todas as questões do município. Não somos os gestores. Nosso papel em Guaraqueçaba é de provocação, a fim de chamar a atenção para iniciativas inovadoras que consigam unir conservação a um novo modelo de desenvolvimento no qual o município seja uma fábrica de serviços ambientais”, destaca.

Exploração

Quanto à pavimentação ou não da estrada, A SPVS diz ser contra a repetição de modelos que já se mostraram inviáveis. “Somos contra a construção de estradas sem pré-requisitos. Se hoje Guaraqueçaba ainda conserva um comunidade nativa é devido a isso. Em outros municípios do litoral, essa mentalidade desenvolvimentista e arcaica fez com que as comunidades fossem substituídas por um contingente formado por pessoas de fora, que vieram com capital e interessadas em explorar a cidad,e”, observa.

Investidores querem asfalto

Atraídos pela beleza do lugar e o potencial turístico, os empresários se sentem prejudicados pela dificuldade de acesso à Guaraqueçaba. “Foram construídas novas pousadas e restaurantes para atender turistas, porém a dificuldade de acesso afasta muitas pessoas”, avalia o comerciante Fábio Rodrigues. Segundo ele, além do tempo perdido e dos riscos constantes de estragar veículos pelo caminho, o turismo é afetado pelo encarecimento de todos os produtos demandados pela cidade. “Seja por mar ou por terra, sempre pagamos mais caro pelos produtos. Mesmo achatando as margens de lucro, isso é percebido pelo turista”, lamenta Rodrigues.

A insatisfação é tamanha que, há quatro meses, moradores e empresários formaram a Associação dos Amigos de Guaraqueçaba para pleitear, junto às autoridades, meios de viabilizar a pavimentação da PR-405. Para dar visibilidade ao movimento, os associados estão recolhendo assinaturas por todo o Estado e contam com o apoio do próprio prefeito. “Do jeito que está hoje a situação do acesso a Guaraqueçaba, asfaltar causará menos impacto do que a erosão e o assoreamento dos rios que estamos enfrentando agora”, esclarece o prefeito. Segundo o prefeito Riad Said Zahoui, faz dois meses que chove direto no município, o que leva o Departamento de Estradas e Rodagem (DER) manter uma equipe que, diariamente, realiza trabalhos de retirada de entulhos do caminho. “Mas o que se faz de dia, a chuva estraga à noite”, diz o prefeito.

Lixo preocupa ambientalistas

Apesar de estar pronta a nova estrutura para receber o lixo de Guaraqueçaba, o aterro ainda não entrou em funcionamento devido às novas exigências do Instituto Ambiental do Paraná (IAP). “Esperamos anos por recursos de fora, não conseguimos e agora que a prefeitura bancou todas as obras esbarramos no processo de licenciamento ambiental”, conta o prefeito Riad Said Zahoui. De acordo com ele, foram gastos R$ 400 mil na obra e seriam necessários mais R$ 50 mil para o cumprimento dos últimos requisitos solicitados pelo IAP. “Por sorte, um convênio com a Sanepar vai viabilizar isso, visto que o município não tem caixa para mais gastos”, alertou o prefeito.

Enquanto isso não ocorre, o destino do lixo continua sendo às margens da estrada de chão, o que é alvo de constantes críticas de ambientalistas e turistas, uma vez que está em uma área desmatada da Mata Atlântica. “Aquele local custa R$ 6 mil por mês aos cofres da Prefeitura e não resolve o problema. Mas só poderemos encerrar a atividade do local quando sair a licença de operação”, explica Zahoui.

Apesar de estar em um endereço não recomendável do ponto de vista ambiental, a prefeitura garante que o aterro em atividade conta com tratamento de lixo e uma rede de valetas para evitar que o chorume gerado pelos resíduos comprometa o meio ambiente. “O lixo é aterrado diariamente, salvo quando chove muito, o que impossibilita o trabalho”, garante o prefeito.