Investigação sucateada

Perícia criminal no Paraná sofre com defasagem

Para adequar a perícia criminal no Paraná às necessidades da população, seguindo as recomendações de organismos internacionais, dois mil peritos deveriam ser contratados.

Atualmente, uma equipe de 173 peritos atende as dez subdivisões do Instituto de Criminalística (IC), o que equivale a um perito para cada 61.700 paranaenses, sendo que o recomendado é um perito a cada cinco mil habitantes.

Em Curitiba, três peritos ficam de plantão em todos os horários para acompanhar as ocorrências. Seria suficiente se o atendimento fosse apenas para a capital e região metropolitana, mas não é.

Os peritos da divisão da capital atendem quase 40 cidades, e precisam percorrer, às vezes, mais de 200 quilômetros para periciar um local de acidente com morte, arrombamentos ou locais de homicídio e suicídio.

Nas dez subdivisões do interior, a situação fica ainda pior. Apenas um perito por plantão atende 48 cidades ao redor de Umuarama e 88 municípios próximos a Londrina.

Por todo o Estado, os 61 peritos criminais que atuam na Localística nem sempre têm motorista e, nos plantões de 24 horas, às vezes precisam dirigir por vários quilômetros sem ter cochilado sequer uma hora.

Se uma pessoa morrer atropelada em Fazenda Rio Grande, alguém se suicidar em União da Vitória e uma terceira pessoa for assassinada em Doutor Ulysses, por exemplo, os três peritos da capital estarão longe e haverá demora no atendimento a qualquer outro caso de morte ou arrombamento.

Foi o que aconteceu em 22 de setembro, quando Reinaldo Marques de Almeida, 35 anos, matou a esposa Elaine Cristina Petrovski de Almeida, 32, com três tiros, em Campo Magro.

O crime foi às 17h30, mas o local só foi periciado para que o corpo pudesse ser recolhido às 21h30 porque havia apenas um motorista para atender os três peritos que atuavam em pontos distantes da cidade, em outras situações.

“As contratações feitas através do concurso de 2008 serviram praticamente para repor os peritos que se aposentaram. Estamos com o mesmo número de pessoas trabalhando no Instituto há 20 anos e tem muitos exames parados e outros atrasados porque a equipe não dá conta do volume de trabalho”, conta Joyce Malakoski, chefe da divisão técnica de Curitiba do IC.

Outros setores também têm problemas

Falta pessoal também nos outros dez departamentos que funcionam no prédio do Instituto, em Curitiba. São áreas importantes, como a Documentoscopia, que faz análise de dinheiro, documentos, assinaturas e pirataria, e a Informática Forense, que atua principalmente no combate à pedofilia, analisando cibercrimes e computadores de suspeitos, mas também pericia equipamentos envolvidos em crimes fiscais, como o “chupa-cabra” instalado em máquinas de débito e crédito para cópia de senhas.

Na Química Legal é feito exame residuográfico com parafina, para verificar vestígio de chumbo nas mãos de suspeitos, e são analisadas as amostras retiradas dos locais de crime por peritos da Localística.

Lá é possível dizer se um incêndio foi criminoso, se um alimento estava contaminado ou se o material apreendido era mesmo droga, por exemplo. No setor de Balística é feito o confronto de projéteis, para confirmar se a arma suspeita realmente foi utilizada no crime.

Ainda tem o setor de Identificação de Veículos, que verifica alterações em veículos e a identificação oficial através do chassis, e a Fonética Forense, que identifica o locutor através de escutas autorizadas pelo Poder Judiciário.

Neste último setor, inclusive, Joyce Malakoski, chefe da divisão técnica de Curitiba do IC, trabalha para ensinar os peritos que entraram no último concurso, porque antes disso todo o departamento funcionava com apenas um especialista.

No DNA, faltam especialistas capazes de fazer o exame sem o núcleo da célula (no caso de um fio de cabelo, e,sse núcleo fica na raiz). Por esse motivo, quando a amostra está sem o núcleo, é encaminhada para institutos de outras partes do País, gerando mais atrasos na entrega do resultado.

Ainda por ter equipe reduzida, um exame de DNA feito em amostra de sangue, que teria resultado em até 15 dias, chega a demorar dois meses. “Isso acontece devido à grande fila de espera. Em amostra de ossos geralmente demora mais ainda”, ressalta Joyce.

Quase todos estes setores produzem provas que podem definir o a condenação de um suspeito, como foi no caso da morte da menina Isabella Nardoni, em São Paulo.

Alexandre Nardoni, pai da menina, e a madrasta Ana Carolina Jatobá, foram considerados culpados graças ao trabalho da perícia paulista, já que não havia provas testemunhais.

Entretanto, existem setores que apesar de não produzir provas, são essenciais na investigação, como o Retrato Falado e a Hipnose Forense. Em Curitiba, há apenas um profissional que faz o retrato à mão, sem o uso de qualquer software.

Ele já treina dois novos peritos para auxiliar na função. No caso da hipnose nenhum trabalho é feito desde a aposentadoria do médico psiquiatra Rui Sampaio.

A hipnose só é aplicada em casos de bloqueio mental do momento do crime por parte de uma vítima ou testemunha, sem deixar o paciente inconsciente. Uma sessão de hipnose pode trazer à tona a placa de um veículo ou as características de um suspeito para a confecção do retrato falado.

Como nenhum dos aprovados no último concurso era médico, ninguém pôde substituir Sampaio. “Podem acontecer surtos psicóticos no momento em que a vítima relembra o crime, portanto é imprescindível a presença de alguém que possa medicá-la”, ressalta Joyce. (FD)

Ministério dará uma “turbinada” nos institutos de todo Brasil

Para ajudar no trabalho da Localística, o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, apresentou no final de setembro as 1.100 maletas com novos equipamentos que serão fornecidos às Polícias Científica e Federal de todos os estados.

As maletas contêm reagentes, máquinas fotográficas, trenas eletrônicas, GPS e lupas, entre outros materiais. “O mais importante é a luz forense, que foi utilizada no caso Isabella e é muito importante na atividade do perito. Outros equipamentos básicos que nós não tínhamos também virão”, afirma Joyce Malakoski, chefe da divisão técnica de Curitiba do IC.

O investimento será de R$ 75 milhões, porque também serão comprados comparadores balísticos, scanners radiográficos e cromatógrafos gasosos (para análise de substâncias tóxicas).

“Não poderemos reclamar de equipamento. Temos tudo o que tem nos seriados de criminalística”, brinca a perita Jussara Joeckel, uma das mais experientes do IC de Curitiba.

De acordo com ela, os novos equipamentos servirão para individualizar os materiais de cada perito. “Antes tínhamos que esperar o perito voltar para utilizar o mesmo material, mas agora não será mais necessário pois cada um terá sua carga de equipamentos”, ressalta.

Outra possibilidade de apoio ao IC paranaense é um projeto de lei que será votado na Assembleia Legislativa para alterar a Lei 14.678 de 2005, possibilitando a promoção por tempo de serviço e por titulação dos peritos.

A promoção de classe abrirá 40 vagas para o cargo inicial, mas continuarão faltando funcionários nos setores administrativo e operacional. “A promoção de classe vai ajudar muito, mas ainda esperamos nosso estatuto para criar o cargo de auxiliar da perícia oficial e resolver o problema de falta de pessoal”, lembra Joyce.

Peritos versus papiloscopistas

Ciciro Back
Situação no Instituto de Criminalística não é boa.

Enquanto em quase todas as áreas do IC faltam profissionais, tem um setor com duas classes disputando espaço. Em 2008, os papiloscopistas do Instituto de Identificação começaram a fazer um cur,so para aprender a retirar digitais em locais de crime, assim como os peritos criminais fazem.

Baseados em uma lei estadual, os papiloscopistas passaram a ser acionados pela Polícia Civil para irem até locais de crime onde há possibilidade de localização de vestígios de digitais.

O material recolhido é confrontado com o banco de dados do Instituto de Identificação, identificando assim o acusado. Neste processo é utilizado o Sistema Automatizado de Identificação por Impressões Digitais (Afis), conhecido internacionalmente.

Os peritos são contra essa ação, por considerar que para ser papiloscopista, antes de 2008 não era sequer exigido curso superior. “Se feita análise de indício retirado em local de crime, a papiloscopia pode ser uma prova e, de acordo com o artigo 159 do Código de Processo Penal, apenas peritos criminais podem recolher digitais em local de crime”, frisa Joyce Malakoski, chefe da divisão técnica de Curitiba do IC.

A disputa entre as duas classes foi parar na Procuradoria Geral do Estado, em março deste ano. A procuradora Rafaela Almeida do Amaral emitiu parecer favorável ao trabalho dos papiloscopistas da Polícia Civil em locais de crime, alegando que “as atribuições conferidas pelos papiloscopistas pelo artigo 7.º da Lei Complementar Estadual n.º 96/2002 não estão em conflito com o artigo 159 do Código de Processo Penal, admitindo-se que os papiloscopistas atuem com independência técnica e científica em perícias papiloscópicas”.

No documento que descrevia o conflito de normas e competências entre o IC, que é da Polícia Científica, e o Instituto de Identificação, que é da Polícia Civil, constava que, “enquanto a diretoria do IC aduz que a atuação dos papiloscopistas nos locais de crime prejudica a tarefa dos peritos criminais, inviabilizando a coleta de elementos e vestígios para o exame pericial, a Secretaria de Estado da Segurança Pública havia se manifestado pelo reconhecimento da competência dos papiloscopistas para a realização de perícia papiloscópica, pois são considerados peritos oficiais em papiloscopia”. (FD)

Recolhimentos dos corpos também gera problemas

Outra briga é entre o Instituto de Criminalística e o Instituto Médico Legal (IML). “É o IML quem sempre leva a culpa da demora no recolhimento dos corpos, porque é aqui que tem atendimento ao público”, desabafa o coronel Almir Porcides Júnior, interventor do IML de Curitiba.

De acordo com ele, nem sempre é o “rabecão” que demora a chegar nos locais de crime, mas o corpo só pode ser retirado depois que os peritos do IC terminam a perícia.

O IML do Paraná está sob intervenção militar desde fevereiro de 2008, porque antes foram constatados vários problemas na administração. O coronel garante que melhoraram as condições de trabalho e segurança.

“Um exemplo é a aquisição de viaturas novas, porque as que estavam aqui quando chegamos eram de 1996 e estavam quebradas. Também viabilizamos equipe para ajudar na falta de motoristas”, pontua.

Agora são 240 funcionários em Curitiba, sendo nove motoristas divididos em três equipes. São oito atendentes – dois em cada plantão. Ainda trabalham dois médicos legistas por plantão.

Por todo o Paraná, são 17 Institutos Médicos Legais, mas alguns ainda funcionam em postos de saúde. “Isso acontece porque o número de corpos em Curitiba é incomparavelmente maior do que no interior”, explica o coronel.

Justamente por esse volume amplamente superior, um novo IML está em fase de planejamento e deverá ser construído na Vila Izabel, em Curitiba. Também serão construídos novos IMLs em Toledo, Paranaguá, Paranavaí e União da Vitória. (FD)

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