Paraná

Pesquisa revela que a escola é palco de violência

A violação dos direitos fundamentais das crianças e jovens nas áreas de educação, cultura, esporte e lazer é a terceira mais representativa, no Paraná, segundo dados do Sistema de Informação para a Infância e à Adolescência (Sipia), divulgados pelo Núcleo de Estudos Interdisciplinares na Área da Infância e Adolescência da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O Núcleo desenvolve o projeto “Por uma Escola que Protege”. Os dados são mais representativos se comparados com outros grupos de violações referentes à “convivência familiar”; “liberdade, respeito e dignidade”; “vida e saúde” e “profissionalização e proteção no trabalho”.

Enquanto na área de “educação, cultura, esporte e lazer” foram registrados pelo Sipia 13.213 situações de violação dos direitos, em 2006 (ano base da pesquisa), o item “convivência familiar” teve 23.163 casos, e o item “liberdade, respeito e dignidade”, apresentou 13.917 registros.

No total de violações, o Sipia contabilizou 55.646 violações no ano base da referência, mas os pesquisadores estimam que haja subnotificação e que o total de casos, na realidade, pode chegar a 200 mil no Paraná.

Apesar da defasagem de três anos, os pesquisadores dizem que a distribuição não mudou muito nos dias de hoje. Os dados revelam, desta forma, uma inversão de valores: um local que deveria servir para a formação humanitária e o aprendizado, que é a escola, vem sendo palco, em muitas situações, de violações dos direitos e até da violência propriamente dita.

Basta remeter a alguns casos recentes que ocorreram no Paraná, como por exemplo a menina que foi assassinada por um companheiro de classe em uma escola de Cascavel, no oeste do estado, na semana passada; ou mesmo o suicídio de outra adolescente ocorrido em um colégio privado, da capital, em março.

Esses dois e outros muitos casos violentos dentro da escola levam à conclusão de que este ambiente não é mais aquele em que os pais depositam toda sua credibilidade e têm a sensação de que seus filhos estão seguros. Muito pelo contrário, já que a violência produzida na sociedade é refletida nele, uma vez que é um ambiente utilizado pelos jovens na maior parte do dia.

Entre os problemas principais ocorridos dentro das escolas está o chamado “bullying”, que nada mais é que a violência praticada entre estudantes, ou entre professores e estudantes.

A educadora e pesquisadora coordenadora do “Por uma Escola que Protege”, Jandicleide Evangelista Lopes, a escola é só mais um espaço social onde a violência pode ser desenvolvida, o que é inevitável. Segundo ela, a estrutura da escola tem que mudar.

“Não é que a violência esteja mais frequente nas escolas. A verdade é que hoje ela é um assunto mais em pauta. Mas infelizmente a situação mudou e a escola continua com a estrutura de séculos atrás. Hoje o social entrou na escola, ela se universalizou. Nós não vamos acabar com a violência, mas é preciso estrutura para que todos os agentes saibam lidar com isso”, criticou.

Na opinião da enfermeira e pesquisadora do projeto, Rosele Paschoalick, é preciso rever os investimentos que são feitos na escola. “Podemos fazer um comparativo com a questão da saúde. Hoje, paga-se saúde, e não o remédio, a doença. Ou seja, se investe na prevenção. Mas na escola não se vê investimentos nesse sentido. O que está sendo traduzido, em termos de verbas, além da merenda, do transporte escolar e do livro didático?”, indaga.

Para Jandicleide, o professor também precisa se colocar na posição de vítima, e não se preocupar demasiadamente em acabar com algo inacabável. “Não se pode mais encarar a escola como uma comunidade, mas sim como um território. E no território há embates, há divers,idades. A escola não pode mais ter a tolerância zero, negar o conflito. Tem que saber enfrentar”, afirma.

Luta contra a exclusão

A.C.L.S., de 15 anos é excluída na escola porque estuda bastante e é a chamada “nerd”. A.F.S., da mesma idade, sofreu perseguições de “colegas” por ser muito alta (era chamada de “girafa”) e agora seu namorado também é chamado de “nerd”.

A mesma situação de perseguição ou “zoação” (na linguagem dos adolescentes) ocorreu com J.S.C., de 14 anos, com G.C., 15, A.H.P.J., de 15, e J.M., de 14. Em alguns casos, até a discriminação racial, ou mesmo por conta do cabelo enrolado dos meninos, foram motivos de perseguição e exclusão por parte dos colegas.

Essas são as formas mais comuns de violência que têm aparecido nas escolas, o chamado “bullying”. O termo inglês identifica a violência cometida entre estudantes, ou mesmo entre os jovens e seus professores.

Ofensas que, muitas vezes, têm as consequências desprezadas pelos agressores, mas em algumas situações podem chegar a problemas muito mais sérios, até assassinatos ou suicídios.

“Passa muita coisa ruim pela cabeça da gente, até a vontade de morrer”, disse uma das vítimas de “bullying”, A.C.L.S. Por ser a “nerd” da turma, seus “colegas” tiram sarro e a excluem das atividades de lazer. “O pior é quando eles falam por trás, é muito triste”, desabafou.

Em alguns casos, o “bullying” ultrapassa limites e chega à beira da criminalidade. Os estudantes J.S.C. e J.M. são frequentemente discriminados pelos colegas por serem negros ou terem o cabelo um pouco mais enrolado.

“O grupo me excluía, me humilhava, e isso me irritava, pois eu percebia que eles não gostavam de mim”, relatou. O outro jovem, A.H.P.J. também relatou ter sido vítima de “bullying” por mais de oito anos.

E o pior é que nem ele sabe os motivos que levavam os companheiros de classe a agirem dessa maneira. “Eu até tive sintomas de depressão e muito baixa autoestima. Às vezes a gente lembra das coisas antes de dormir e sente bastante”, disse.

Os jovens dizem ter superado as situações. Porém, alguns admitem que até praticaram o “bullying” para tentar reverter a situação. A produção da violência por meio de mais violência, uma inversão de valores. “Eu dei um soco em um deles e depois ele virou meu amigo”, relatou G.C. Já A.C.L.S. admite que tentou passar para o lado do inimigo, mas viu que não valia a pena.

“Acho que pode até piorar a situação”, disse. A.F.S. também acredita que não é produzindo violência que se resolve o problema e ela já aprendeu a lidar mais com a situação. “Eles são imaturos, fazem isso para dizer que são superiores. Hoje eu fico constrangida, mas sei que somos todos iguais, então não ligo”, disse. (MA)

Problema começa aos 5 anos

A psicóloga do Centro de Combate à Violência Infantil (Cecovi) de Curitiba, Andriana Turbay, atende cerca de sete casos, por mês, de “bullying” no local. Segundo ela, o fenômeno começa aos cinco anos no Brasil, e aos oito, na Europa.

Ela explicou que o maior número de casos ocorre pela questão da escolha sexual e também pela questão racial. Segundo ela, não há distinção entre escola pública ou privada: a violência está presente em ambas as instituições.

“Em alguns casos, o comprometimento psíquico é tão grande que o estudante acaba mudando de escola. Muitos casos de suicídio são registrados posteriormente ao “bullying'”, contou. “A cultura de hoje é a cultura da cobrança dos adolescentes. Eles passaram a ser vistos como problemas, e não como seres em transformação. Sem falar na competição arraigada à sociedade. As coisas chegam a um ponto que o adolescente não tem mais para onde ir”, analisou.

Para a orientadora educacional do Colégio Dom Bosco, Francis Fauw, é necessário que se discuta o problema da violência com os estudantes, em sala de aula. “Tentamos transformar essas situações em problemas leves para eles, tentamos resolver tudo da melhor maneira possível. Temos que chegar antes da violência e transformar a escola em um espaço onde eles possam criar e tentar resolver seus problemas”, ,disse. Para ela, aí entra a preparação do profissional da educação. (MA)

Seed lançará cadernos temáticos

É no preparo do educador que a Secretaria de Estado da Educação (Seed) tem tentado amenizar a situação da violência dentro das escolas. Na próxima terça-feira, o governo vai lançar a série de cadernos temáticos “Desafios Educacionais Contemporâneos”, que buscará o enfrentamento da violência nas escolas do Paraná.

Os temas que serão tratados nos cadernos são o enfrentamento da violência; a prevenção ao uso de drogas; a educação para as relações étnico-raciais e a educação ambiental. O material será distribuído para os professores.

Na opinião da técnica pedagógica da Diretoria de Políticas e Programas Educacionais da Seed, Fátima Claro, a violência deve ser tratada como algo que está na sociedade em geral.

Polícia ou Justiça?

A Patrulha Escolar Comunitária, da Polícia Militar (PM) tem como objetivo atender casos de violência dentro de escolas ou no entorno delas. O subcomandante da Patrulha, major José Carlos Mazurkievicz Graciano, garante que das 150 mil atividades realizadas em escolas do Paraná este ano, apenas 3% se referiram à situações de violência, a maioria brigas e ameaças entre estudantes.

Para o major, os casos serão evitados, ou mesmo amenizados, se houver uma prontidão das equipes pedagógicas. “Essas equipes devem nos avisar quando ocorrerem os problemas.

Se isso tivesse acontecido em Cascavel, por exemplo, poderíamos ter evitado a morte. Temos equipes preparadas para fazer o atendimento diferenciado do estudante, que não pode ser tratado como um bandido”, comentou.

O advogado e coordenador do curso de Direito das Faculdades Dom Bosco, Luciano Marchesini, explica que casos como o citado pelos estudantes de racismo, por exemplo, podem resultar em processos e punições para o jovem e até para seus pais.

Dos 13 aos 16 anos a punição é mais leve, às vezes apenas um “puxão de orelhas” do juiz. Mas depois disso as medidas disciplinares podem ser mais rígidas. Em algumas situações graves, os pais podem até perder a guarda do filho.