Avanços

Catadores de papel descobrem cooperativas

Sidnei José de Brito, de 38 anos, e Milton Cardoso dos Santos, 51, são catadores de papel em Curitiba. Ambos ganham a vida e sustentam a família com a atividade. No entanto, Sidnei recebe o dobro do que Milton. O que os diferencia e coloca um numa faixa salarial mais privilegiada do que o outro é a organização. Diferente do que ocorria há alguns anos, hoje os catadores de papel já não são vistos simplesmente como aquelas pessoas maltrapilhas, que são discriminados e, ainda, têm que separar o lixo que a população descarta erroneamente. Hoje, muitos deles estão organizados em cooperativas, o que valoriza o ofício e lhes dá maiores condições de crescer na vida.

Porém, grande parte da categoria continua trabalhando individualmente e ainda sofre a exploração de proprietários de barracões, que pagam uma ninharia pelo material coletado. É o caso de Santos, que ganha bem menos do que Brito. Depois de trabalhar o dia todo carregando um carrinho pesado e cheio de material reciclável, o máximo que ele consegue receber pelo que coletou em uma semana é R$ 180.

Ele entrega tudo em um barracão. O dinheiro serve para sustentar a família, pois ele tem dois filhos – um de dez e outro de 12 anos. Todos moram no Capanema. Sua esposa não pode auxiliar com as despesas da casa, pois está presa. “Passar fome a gente não passa. A dificuldade maior é carregar tudo”, diz ele.

Já Brito consegue ganhar, em uma semana de trabalho, cerca de R$ 240. A diferença é que ele vende tudo em uma cooperativa. Ele exerce a função desde os 13 anos de idade, e hoje trabalha 15 horas por dia. Para ele, a situação dos carrinheiros melhorou muito nos últimos anos. “Antigamente eu via gente morrendo na rua, na mendicância. Hoje o carrinheiro tem celular, computador. Você tem que trabalhar muito, ter liderança. Se se esforçar consegue ganhar um pouco mais”, disse.

Hoje o carrinheiro tem celular, computador. Você tem que trabalhar muito, ter liderança. Se se esforçar, consegue ganhar um pouco mais.” Sidnei José de Brito, carrinheiro.

No caso de Santos, ele entrega o lixo todo misturado para o proprietário do barracão. Desta forma, o material fica desvalorizado. Brito, por sua vez, tem ao seu dispor toda a estrutura da cooperativa, onde o lixo reciclável é separado e valorizado. Estas cooperativas recebem o apoio do Instituto Lixo e Cidadania, uma ong que desenvolve ações com os catadores, e também da prefeitura de Curitiba, que já construiu quatro galpões. Porém, a quantidade ainda é muito pequena diante do universo de cerca de cinco mil catadores da capital.

Se somar com a região metropolitana, essa quantia vai para dez mil. Os números ainda são estimativas, pois não há um censo oficial que quantifique a categoria. A prefeitura de Curitiba pretende iniciar uma contagem nos próximos meses. A única ferramenta que pode dimensioná-los é a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego, de 2003. Essa classificação indica que há no Brasil cerca de um milhão de catadores.

Política federal promove crescimento

Os catadores de papel passaram a ser mais valorizados em 2003, quando um decreto presidencial criou o Comitê Interministerial de Inclusão Socioeconômica dos Catadores de Materiais Recicláveis. O objetivo do Comitê é discutir junto ao Movimento Nacional de Catadores e Papel políticas públicas e ações que promovam o crescimento da categoria. Com o reconhecimento do trabalhador por meio da Classificação Brasileira de Ocupações – do Ministério do Trabalho – o catador passou a ter direitos trabalhistas. Po,rém, muitos ainda não têm.

“A maior parte desse universo de um milhão de catadores ainda está disperso, vive em sub-habitação, em lixões. São poucos os que estão organizados em cooperativas. E é só com organização que eles entram na cadeia produtiva e podem vender o material coletado diretamente para a indústria, em atravessadores”, comenta o coordenador do Comitê no Ministério de Desenvolvimento Social, Fábio Cidrin. Com o decreto 5.940, de 2006, a categoria passou a ser ainda mais valorizada.

O decreto dispõe que todos os órgãos públicos federais devem fazer a separação do lixo corretamente. A prefeitura de Curitiba deve mandar para a Câmara de Vereadores ainda este ano um projeto de lei para criar uma ação semelhante em nível municipal. O governo do Paraná também pretende fazer isso.

“Apesar dos avanços, as demandas sociais e estruturais dos catadores ainda são muito grandes. Fizemos um estudo que mostrou quanto custa gerar um posto de trabalho nessa área – o caso das cooperativas – e descobrimos que o valor é o menor entre todas as categorias, entre R$ 3 e R$ 5 mil”, diz Cidrin. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, prevê um investimento de R$ 50 milhões, até 2010, para a construção de cerca de 200 galpões nas principais cidades brasileiras.

Uma outra grande esperança para os catadores é a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que tramita no Congresso Nacional. A Política pretende tirar os catadores do setor informal e integrá-los ao trabalho formal de coleta seletiva nas cidades.

Geradores precisam de orientação

Para os catadores e também para as pessoas que atuam com eles, a única forma de crescimento no trabalho – e de ganhar um salário mais digno – é a organização. E essa organização está iniciando em Curitiba por meio das cooperativas. Porém, o trabalho ainda está engatinhando, e é preciso paciência.

Na opinião da representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis no Paraná, Marilza Aparecida de Lima, antes dessa organização é preciso muita orientação, tanto dos próprios catadores como também dos grandes geradores. “Ainda vemos os grandes geradores, como a indústria e o comércio, não separando o lixo ou separando de forma errada. Eles ainda não enxergaram que os catadores contribuem muito com o meio ambiente e não perceberam que isso melhora a nossa renda”, afirma.

Do outro lado, segundo Marilza, está a dificuldade de trabalhar a questão emprego-renda com os trabalhadores. Segundo a prefeitura, os catadores são responsáveis pelo recolhimento de 92,5% do material reciclável de Curitiba, o restante vai para o caminhão Lixo que Não é Lixo.

O grande problema são os catadores que estão na rua, sem o apoio das cooperativas. Segundo a coordenadora do programa Ecocidadão – que disponibiliza as cooperativas – Ana Flávia Souza, existe uma equipe que aborda esses catadores na rua e explica a importância da organização. Porém, ela diz que conscientizar é um processo lento.

Na outra ponta está o Instituto Lixo e Cidadania, querendo trazer um número cada vez maior de catadores às cooperativas. Segundo a advogada do local, Andrea Martins, o crescimento desses trabalhadores é impressionante a partir do momento que eles se organizam em grupos. “Eles passam entender a importância deles na sociedade”, afirma.

O Instituto, que é vinculado ao Fórum Estadual do Lixo, também trabalha com a conscientização da sociedade por meio de palestras.