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O lado negro do mercado de remédios no Brasil

Quase 500 mil medicamentos piratas apreendidos no Brasil. Este é o número atingido este ano pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), que ultrapassa com folga os 322 mil alcançados em 2007. O Paraná continua sendo uma rota importante para contrabandistas: foram, até a última quinta-feira, 120.840 produtos interceptados pela PRF, praticamente 25% do total nacional. E a quantidade pode aumentar consideravelmente, já que ainda não foram contabilizados os itens que estão sob custódia da Receita Federal.

Os números refletem a dimensão que o problema vem ganhando no País e que obrigou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a adotar o rastreamento de remédios. A medida permitirá o controle dos produtos em todas as etapas produtivas, desde a fabricação até a venda ao consumidor. Segundo a Anvisa, isso dificultará ao menos a “falsificação e o roubo de cargas e permitirá saber com mais precisão a localização de cada lote, em casos de desvio de qualidade do medicamento”.

A agência também buscou um convênio com o Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNPC), ligado ao Ministério da Justiça, para reforçar o combate aos remédios contrabandeados e falsificados. O acordo foi anunciado na última quarta-feira (3). Segundo o presidente do CNPC, Luiz Paulo Barreto, uma das primeiras ações a serem tomadas será a criação de delegacias especializadas nos estados onde o problema é mais grave. O Paraná é um deles, junto com São Paulo e Rio de Janeiro.

Apreensões

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Anabolizantes também compõem a lista dos mais contrabandeados.

Os medicamentos que mais aparecem nas apreensões da PRF do Paraná são os relacionados à disfunção erétil, como o Viagra e semelhantes, anfetaminas, usadas para perda de peso, anabolizantes e abortivos. De acordo com o inspetor Fabiano Moreno, da comunicação social da PRF, os principais locais onde ocorrem as apreensões são os postos próximos à fronteira com o Paraguai. “Já prendemos pessoas com 50 a até 4 mil unidades de medicamentos”, informa.

Segundo o vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia do Paraná (CRF-PR), Dennis Bertolini, há estimativas de que 30% dos medicamentos comercializados no País sejam irregulares. Ele destaca que, além dos prejuízos na área econômica, os remédios piratas podem trazer sérios riscos à saúde. “Muitas vezes eles não têm a qualidade desejada. Podem inclusive ser tóxicos”, alerta.

Bertolini diz que os falsificadores têm buscado principalmente trabalhar com medicamentos de maior valor agregado. Até remédios para tratamento de câncer são falsificados. “É uma pena, porque são pacientes em situação bem delicada”, lamenta. Para ele, as novas medidas da Anvisa devem ajudar a diminuir o problema, mas são tardias. “Isso já deveria ter sido feito há anos.” O presidente da Associação de Farmacêuticos de Curitiba e Região (AFCR), Maurício Poliquesi, explica que os profissionais regulamentados, que são os responsáveis técnicos pelos estabelecimentos, têm a obrigação de impedir que farmácias vendam produtos irregulares. Mas às vezes a situação pode fugir do controle: “Um proprietário ou balconista inescrupuloso pode aproveitar a oportunidade para fazer comércio ilegal”, avisa.

Anvisa implanta medidas de rastreamento

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Comprimidos para disfunção erétil lideram apreensões no Estado.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não definiu os detalhes do rastreamento de medicamentos, previsto para começar no primeiro semestre de 2009, com um projeto piloto. Depois desse período, todo o mercado deverá se encaixar nas regras. Haverá um cronograma de adequação, definido pela diretoria colegiada da agência. Mas ainda não se sabe, por exemplo,
a tecnologia que será utilizada. Uma consulta pública encerrada em maio recebeu uma série de sugestões sobre o sistema de monitoramento. Entre elas, foram cogitadas etiquetas com chips, sensores eletrônicos e códigos de barras diferenciados. A Anvisa informa que a confiabilidade do sistema e o impacto financeiro para o setor devem pesar na escolha da tecnologia. E afirma que
o custo não deve ser repassado ao consumidor. “Hoje, as indústrias gastam muito com seguro e escolta armada dos medicamentos”, diz um comunicado da agência.

Enquanto a rastreabilidade não é implantada, a Anvisa dá algumas dicas para o consumidor evitar medicamentos piratas. Entre elas, só tomar remédios indicados por receita médica, nunca comprar em feiras, camelôs ou pela internet e exigir sempre nota fiscal. Há também um lacre transparente, que não deve estar violado, e uma “raspadinha” na embalagem, que revela informações do fabricante por um mecanismo holográfico, muito difícil de ser copiado ou falsificado.

Internet vira instrumento de venda

Remédios piratas podem ser encontrados facilmente na internet. Um dos mais comuns é o Cytotec, medicamento destinado originalmente ao tratamento de úlcera, mas amplamente usado como abortivo, pois provoca contrações no útero. Segundo o presidente da Associação de Farmacêuticos de Curitiba e Região (AFCR), Maurício Poliquesi, o produto não é proibido no Brasil – pode ser adquirido por hospitais, por exemplo, mas é sujeito a um rigoroso controle. Nos anúncios encontrados pela reportagem na internet, o esquema de vendas é o mesmo. Os contatos são feitos por e-mail ou mensagem instantânea (MSN) e as entregas acontecem via Correios ou motoboy.

Os valores de uma cartela com quatro comprimidos são, em média, de R$ 350. Alguns anúncios são bastante ousados: “É aborto garantido com eficácia e segurança acima de tudo”, diz um deles. Outro vende um pacote com o medicamento, mais antiinflamatório (“evita hemorragias”, segundo o anúncio), aplicador vaginal e até manual. Conter o contrabando esbarra na demanda dos consumidores. O presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNPC), Luiz Paulo Barreto, afirma que, enquanto houver grande procura pelos principais medicamentos piratas, dificilmente o problema diminuirá. “Temos que conscientizar o consumidor. Remédios piratas provocam riscos à saúde”, diz.