Riqueza dos diamantes de Tibagi não é compartilhada

Falar de Tibagi, na região dos Campos Gerais, é falar da exploração de diamantes no Paraná. Com peneiras, escafandro ou dragas, de forma artesanal ou industrial, a exploração da pedra preciosa acontece na cidade há quase três séculos. No entanto, a riqueza que pode ter feito parte de coroas de reis europeus está longe de se traduzir em qualidade de vida para a população local. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tibagiano é um dos piores do Estado, ocupando a posição 371.º entre os 399 municípios.

A produção mundial de diamantes movimenta anualmente em torno de US$ 80 bilhões. Um campo de diamante pode ser comparado a um campo de petróleo. Mas hoje, em Tibagi, mais que o próprio diamante, é a cultura em torno do garimpo que faz parte da vida da população. E muito da perda com a extração é porque, legalmente, a atividade praticamente não existe.

Quando declarada, a produção tem que liberar uma parte dos recursos para o município e para a União. Agora, depois de dois anos no qual a exploração foi interrompida, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) concedeu a primeira guia de utilização para que uma empresa volte a atuar no Tibagi, a Tibagiana Ltda., pelo prazo de um ano.

Em Tibagi, a realidade da extração dos diamantes está muito longe da mostrada no filme Diamante de Sangue, baseado na história real da exploração do diamante que acontecia em Serra Leoa, na África, cuja venda na Europa financiava mutilações e grupos rebeldes no continente africano.

Divulgação
Registro histórico do garimpo.

No entanto, a cautela dos órgãos responsáveis pela liberação da atividade do diamante no Tibagi está no fato de que ainda não se conseguiu decifrar o “DNA do diamante”, ou seja, praticamente não se consegue distinguir um diamante achado no Paraná de uma pedra garimpada na África ou no Canadá. E é aí que mora o problema. “A impossibilidade de se assegurar a origem do diamante é um forte fator atrativo para atividades irregulares, como tráfico de drogas e lavagem de dinheiro em diversos lugares do mundo”, afirma o geólogo e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Antonio Liccardo.

De acordo com Liccardo, os diamantes encontrados no Tibagi são considerados bons, apesar de pequenos (variam de 0,04 a 2 quilates e, excepcionalmente, até 10 quilates). Cada quilate equivale a 0,2 grama. A maior parte deles é branco ou com tonalidade amarela. Os preços seguem uma tabela internacional e o valor eleva-se depois da pedra lapidada.

Um diamante de um quilate na sua melhor cor, puro, tem seu preço girando em torno de US$ 12 mil. Além da boa qualidade para aproveitamento em jóias, com os diamantes podem ser fabricadas ferramentas.

Autorização

A reportagem de O Estado questionou o DNPM sobre os pedidos de outras empresas para exploração da atividade no Rio Tibagi. A resposta do órgão foi de que as informações só poderiam ser repassadas após requerimento formal e consulta à sede em Brasília. O DNPM afirmou que a decisão foi tomada porque envolve empresas com pendências judiciais que possuem sigilo até autorização superior dentro do DNPM.

Fazendo parte da história

Fábio Alexandre
Lauro Borges e Noel Lucas, garimpeiros artesanais.

Mais que a produção empresarial, a hist&oacute,;ria dos diamantes em Tibagi passa pelos garimpeiros artesanais. Para Lauro Borges de Campos, de 74 anos, o garimpo de diamante começou há 50 anos. “É um esporte. Muitas vezes saí de casa de manhã sem ter dinheiro para comprar uma caixa de fósforos e a sorte mudava ao longo do dia”, relembra. Campos era um dos escafandristas que, com todo o aparato, mergulhava em busca das brilhantes pedras brancas. “No meu tempo era bem diferente. Além do capacete de bronze de 15 quilos, todo o resto da roupa com os equipamentos para mergulho dava outros 60 quilos. Não se enxergava nada no fundo do rio”, conta o veterano garimpeiro, que garante que ainda hoje poderia descer e procurar as pedras.

Já aposentado, Noel Lucas dos Santos, 75 anos, resolveu começar a garimpar 20 anos atrás. “É uma satisfação e um prazer muito grande estar no rio procurando”, diz. Paciente e atento, seu trabalho era peneirar o cascalho na beira do rio, trabalho para o qual precisa ter prática. Caso contrário, o resultado é nulo. “Anos atrás chegávamos a encontrar de oito a dez diamantes por dia. Hoje é mais difícil”, avalia. Numa dessas vezes, ao atravessar o rio, seu Noel perdeu seu picuá (lugar em que se guardam os diamantes) com 12 pedras.

Investigações em andamento

Após suspeitas de irregularidades na comercialização dos diamantes e extração ilegal, a Polícia Federal deflagrou em 2006 a Operação Tibagi em todo o território nacional. A operação serviu para verificar o possível “esquentamento” de minerais vindos de outras regiões e fraude na comprovação da origem dos diamantes. Na época, investigações do Ministério Público Federal (MPF) indicaram que a extração e comercialização ilegal de diamantes no Paraná poderiam chegar a um volume quatro vezes maior que o declarado oficialmente. As investigações continuam em andamento na procuradoria da República de Ponta Grossa.

A ilegalidade foi descoberta durante os estudos para implantação da Usina de Mauá, quando foram verificados equipamentos de grande porte, como balsas e dragas, fazendo a extração sem a permissão do DNPM.

Certificados

Para certificar a origem do diamante, a comunidade internacional definiu o Certificado Kimberley, garantia de que o diamante está dentro das normas internacionais e não pertence a áreas de conflito. No Brasil, a Comissão de Certificação Kimberley, em Brasília, credencia o diamante produzido no País.