Vem dos poloneses o comportamento ?meio fechado? dos curitibanos

poloneses290305.jpgO legado que os imigrantes poloneses deixaram para os seus descendentes contribuiu na formação cultural dos moradores de Curitiba, tanto do ponto de vista comportamental quanto do ponto de vista dos costumes. Um bom exemplo é o comportamento ?fechado? do curitibano, que para a coordenadora do Memorial de Imigração Polonesa, Danuta Lisicki, seria algo herdado dos imigrantes poloneses. ?A característica de ser severo na avaliação e de difícil integração imediata com os outros é algo que vem deles. Mas, a partir do reconhecimento, ficam amigos para o resto da vida?, enaltece.

Danuta considera que os imigrantes carregaram consigo características de seus antepassados como religiosidade, honestidade e sentimentalismo. Conforme ela, a religiosidade sempre esteve muito presente na vida dos imigrantes, com ênfase na devoção à padroeira da Polônia, Nossa Senhora de Czestochowa.

?Além disso, eles eram humildes e fervorosos trabalhadores?, diz Danuta. Segundo ela, os imigrantes poloneses estavam intimamente vinculados à terra e à agricultura ? atividade comum a grande parte dos colonos. ?Mas vieram da Polônia muitos marceneiros, ferreiros, trabalhadores especializados e intelectuais?. Foram eles que trouxeram para o Paraná alguns estilos arquitetônicos como o skansen ? um tipo rústico de casa, em que as vigas de madeira são encaixadas umas às outras ? e os lambrequins, que aparecem nos beirais de muitas casas antigas. No Bosque do Papa há sete skansens instalados que expõe alguns dos costumes do maior grupo étnico do Paraná.

Tradição

Vários os costumes e festas poloneses viraram parte da tradição no Paraná. Danuta explica que o costume de vender a gravata do noivo em cima de uma bandeja pode ter derivado de um costume polonês muito semelhante, em que a trança da noiva era cortada, colocada sobre uma bandeja e passada para que os convidados contribuíssem.

Na época da Páscoa, duas tradições são celebradas em Curitiba e tem sua origem na cultura polonesa. Uma delas é a festa ?Swienconka?, o rito de benção dos alimentos, que se tornou muito popular e hoje acontece praticamente em quase todas as paróquias de Curitiba, no Sábado de Aleluia. São levadas cestas com alimentos que irão compor a ceia do domingo – como pães, carnes assadas, ovos, sal, pimenta, entre outros produtos ? para serem abençoados. Uma segunda tradição realizada na Páscoa é o pisanki – a arte de pintura em ovos.

Há 25 anos a visita do polonês mais ilustre

João Paulo II lembrou também da trajetória dos imigrantes, vindos dos ?mais longínquos quadrantes?, trazendo sua riquezas culturais, se integrando e se miscigenando. Para o papa, foi criada uma concórdia descontraída, constituindo a realidade e a fraternidade atual. ?E que haja sempre essa fraternidade?, disse ele, à época.

Aos poloneses

No primeiro dia de sua visita, o papa falou de modo especial aos seus conterrâneos poloneses. Ele disse que era preciso que crescesse no coração de cada um o mistério da cruz do Cristo. Pois, ?o mistério da Cruz e da ressurreição gravou-se profundamente em nossa pátria, a Polônia?.

Sobre a saída da Polônia, João Paulo disse: ?Abandonaram-na por necessidade, porque ela não podia dar-lhes pão suficiente. Aqui, encontraram pão para uma vida?. A vinda do Papa a Curitiba, segundo dom Pedro Fedalto aconteceu de forma mais ou menos espontânea e a permanência de dois dias na cidade, foi vontade do próprio João Paulo II, que queria falar especialmente aos seus conterrâneos.

Colônia polonesa trabalha e festejava unida

O doutorando Marcos Gonçalves, que também participou no desenvolvimento da pesquisa, afirma que a solidariedade e fé caminhavam juntas, pois os poloneses do bairro Santo Inácio ajudaram na construção da Igreja do Orleans, outra de suas comunidades. A esse respeito, pode-se citar o depoimento de Helena Kaiut, que consta na pesquisa de Boschilia: ?Para ajudar a Igreja não precisava pedir duas vezes não. Os homens colaboravam, quem era carpinteiro, quem era pedreiro ajudava. Era até bonito de ver como eles trabalhavam?. Gonçalves diz também que os poloneses que vendiam leite tinham o incômodo de sempre ter um membro da família impossibilitado de ir à missa aos domingos, porque era preciso fazer as entregas.

Casamento de ?polaco?

Boschilia lembra que o convívio social dos colonos aconteciam em festas de Igreja, em casamentos e em funerais. ?Era nesses momentos que imigrantes de outras colônias se encontravas?. Ela considera que era ali que a solidariedade se manifestava com mais intensidade. ?Todos contribuíam com o que podiam, com frangos, ovos, farinha?.

A festa de casamento durava três dias, às vezes até mais, conta Boschilia. Segundo a professora, na lembrança dos moradores o matrimônio ressurge como ritual, ?que, por excelência, demarca o contraste com as atividades rotineiras do mundo diário, sendo rememoradas pela sua duração, pelos preparativos, que exigiam o envolvimento de grande número de pessoas e, sobretudo pela fartura de alimento?. O morador do bairro Santo Inácio Edmundo Domakowski, em depoimento anexo à pesquisa, conta como era a festa de casamento: ?Começava sábado, domingo e ia até segunda. Convidavam o bairro inteiro. A noiva ia de carroça. Os cavalos com laço no pescoço, viseira, enfeitados, era bem bonito. E tinha o almoço, a janta, o churrasco, galinha, baile a noite toda, até de manhã. Amanheciam o domingo dançando e iam até de tarde?.

Novos laços modificaram algumas tradições

Boschilia observa que gradativamente essas cerimônias, assim como a duração das festas de casamento, foram sendo modificadas por causa da nova realidade nas relações culturais e de trabalho, promovidas pelos laços estabelecidos com outros grupos étnicos. Mesmo assim, segundo a pesquisadora, a maior parte das tradições do casamento típico polonês vigoraram até o final dos anos trinta.

Três curiosos perfis poloneses

Evidentemente que muitos imigrantes poloneses se destacaram e se destacam na história brasileira pelos mais variados motivos, como mostra os mais de 200 perfis contidos no livro Perfís Polônicos no Brasil, de Ruy Wachowicz e Zdzislaw Malczewski. Desta obra, foram retirados dois perfis. O primeiro pela sua curiosidade histórica ímpar e épica e o segundo pela sua importância para uma arte que ainda hoje traz reconhecimento a Curitiba. O terceiro perfil é de um imigrante da década de oitenta, que, como muitos poloneses, se orgulha de o primeiro papa não-italiano ser de sua etnia.

Krzystof Arcizewski

Possivelmente o primeiro polonês a ter contato com o Brasil, o teve de uma forma não amistosa. Contratado por três anos pela Companhia das Índias Ocidentais, o renomado engenheiro militar e almirante Krzystof Arcizewski embarcou pela primeira vez ao Brasil em 1629. No nordeste, manifestou repulsa pelo comportamento dos holandeses: ?Aqui se origina nossa inferioridade perante os portugueses. Só querem lucros como as moscas o açúcar brasileiro?.

Obteve vitórias gloriosas sobre os portugueses, de modo que os holandeses levantaram monumento em praça pública de Recife. Em março de 1639 se desentendeu com Maurício de Nassau e voltou à Europa, onde publicou mapas topográficos das regiões em que combatera e obras de poesias. Nassau que o considerava ?pessoa estrangeira, de caráter irrequieto, que quer impor sua vontade?, completando que ?este pedaço de terra brasileira não pode ter dois senhores?.

Tadeu Morozowicz

A primeira escola de Ballet do Paraná e a segunda do Brasil foi criada pelo coreógrafo, ator e dançarino polonês Tadeu Morozwicz. Chegou ao Brasil em 1925 como solista do Teatro Lírico de Milão, fazendo tournée pela América Latina. No ano seguinte montou em São Paulo a peça O Guarani, de Carlos Gomes. Apresentou-se em Curitiba em 1926, ao lado da sua companheira Zofia Faliszewski.

Fixou residência em Curitiba e em 1927, junto com a sociedade Thalia, fundou sua escola de Ballet, que em suas ausências devido à viagens era dirigida por Zofia Faliszewski. A produção artística de Morozwicz foi bastante intensa. Em 1980, por ocasião da visita do Papa João Paulo II, foi Morozwicz quem proferiu o discurso e recepção.

Tadeu Kawalec

Tadeu Kawalec freqüentou a Universidade Católica de Lublin na Polônia entre 1973 e 1978. Ele afirma ter se formado em Teologia e haver tido aula da disciplina Ética Moral com o papa João Paulo II, em 1976. Dessa época não possui muitas lembranças. A memória mais marcante veio anos depois, no ano de 1979 em Czestochowa, quando foi recebido pelo líder máximo da Igreja Católica, junto com um grupo de estudantes poloneses. ?Lembro de ter ganhado uma pequena cruz e de ouvi-lo dizer: ?todos os ensinamentos estão na mão de vocês?.

Kawalec afirma também que estudou dois anos de jornalismo em Lublin e trabalhou em um dos jornais do Solidariedade. Numa viagem de visita ao Brasil no começo da década de oitenta, ele conta que houve repressão muito forte na Polônia e que ficou impossibilitado de retornar. Desde então, mora em Curitiba, trabalhando no ofício de chaveiro há mais de 20 anos e vendendo pierogi em feiras da cidade há quase dez.

Pierogi  ou Pastel de ricota* (60 unidades)

Ingredientes

Massa:

 1 kg de farinha de trigo

 20 g de açúcar baunilha

 1 copo (americano, 200 ml) de leite morno

 1 e 1/2 xícara (chá) de açúcar refinado

 3 colheres (sopa) de margarina

 3 colheres (sopa) de cachaça

 3 colheres rasas (café) de fermento em pó

 4 ovos inteiros

Recheio:

1 kg de ricota

1 xícara (chá) de açúcar

2 colheres (chá) de canela em pó

1 colher rasa (café) de sal3 gemas de ovo

Como fazer a massa

Coloque num recipiente grande os ovos, a margarina, o açúcar refinado e misture. Adicione a farinha, o leite morno, a cachaça, o fermento e o açúcar baunilha. Amasse bem para que a massa seja aberta como a de pastel. O preparo do recheio é feito num recipiente, misturando bem todos os ingredientes. Unte com farinha uma superfície lisa e abra a massa com um rolo. Coloque o recheio, assim como se faz com o pastel, e corte com uma carretilha ou a boca de um copo. Frite em óleo quente e use papel-toalha para absorver a gordura.

A professora e doutoranda em História Wilma de Lara Buena, que também já realizou pesquisas com imigrantes poloneses, afirma que os colonos eram também muito hospitaleiros. ?Nos velórios, sempre alguém da família do morto estava providenciando comidas e bebidas para os visitantes. Matavam porco e frango para que não faltasse nada à mesa?, afirma.A religião sempre esteve intimamente ligada aos poloneses, como se observa na pesquisa Reconstruindo Memórias: Os Poloneses de Santo Inácio, organizada pela professora da Universidade Tuiuti do Paraná e doutora em História Roseli Boschilia. Os estudos de Boschilia contribuem para entender não só bairro Santo Inácio, mas também dão sinais de como se organizavam e conviviam os poloneses em Curitiba. A importância da cultura polonesa na formação da cidade pode ser observada pela quantidade de colônias que havia na cidade em 1876 ? das onze instaladas, nove eram de poloneses.As dificuldades que todos os imigrantes tiveram e a coragem em se instalar em novas terras foram lembradas pelo papa João Paulo II, quando esteve em Curitiba em 1980. Dom Pedro Fedalto, lembra que ele proferiu dois discursos para imigrantes. O primeiro, no dia cinco de julho, foi destinado aos poloneses, no Estádio Couto Pereira completamente lotado. No dia seguinte, o conteúdo de seu discurso foi a todos os imigrantes. O papa fez alusões aos problemas que passaram na Europa e exaltou a coragem que tiveram para empreender a travessia do Oceano Atlântico em busca de melhores condições de vida.

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