Naná criou sua última obra no leito do hospital, ao lado de Gil Jardim

O percussionista Naná Vasconcelos deixou uma obra concluída em seus últimos dias de vida, no leito do hospital em que estava internado. O material terá composições e arranjos de Naná, do pianista e violonista Egberto Gismonti e do maestro Gil Jardim. “Passei os últimos dias de muita tristeza, ao lado de Naná”, disse rapidamente Jardim, que, exausto, preferiu não dar mais detalhes. “Estive com ele, anotei várias ideias. Egberto Gismonti também. Temos coisas muito bonitas, que vamos divulgar no momento certo.”

João Rogério, amigo do percussionista que acompanha os desfechos de seus projetos, também falou sobre a existência do material. “Eles (Gil Jardim e Egberto Gismonti) estiveram aqui (no hospital) e concluíram tudo.” Não há prazo para o lançamento do disco. Uma turnê com Egberto por China, Japão e Coreia do Sul estava fechada, com todos os shows vendidos.

Naná será lembrado também pelo grupo de percussão corporal Barbatuques, que vai fazer uma homenagem ao pernambucano que participou do mais recente disco do conjunto, Ayú. Os shows no Sesc Vila Mariana, dias 12 e 13 de março, serão dedicados a ele.

Importância

Algo era mais do que percussão quando Naná Vasconcelos erguia seu pau de chuva para o céu. A chuva logo virava uma tempestade e quem estava diante dela podia sentir até os trovões. Os sons de Naná ganhavam vida além da música que fez desse pernambucano um gigante. Ele dominava de plateias enormes em salas de concerto a humildes salas de aula com alunos interessados em sua magia pelo interior do País. O mundo o descobriu com a surpresa de quem se vê diante dos bruxos.

Naná era no batismo Juvenal de Holanda Vasconcelos, nascido a 2 de agosto de 1944 no seu eterno Recife. A revista norte-americana Down Beat, referência no meio do jazz e da música instrumental, o elegeu por oito vezes como “o melhor percussionista do mundo”. Tudo o que sabia havia sido semeado nos dias de sua infância, quando acompanhava o pai em uma banda marcial recifense.

Naná foi abraçado pelos músicos brasileiros desde que se mudou para o Rio de Janeiro, em 1967, para gravar dois discos com Milton Nascimento. O assombro com sua capacidade de criar climas e de fugir das convencionais percussões de acompanhamento foi imediato.

Mesmo sabendo que estava doente desde 2015, Naná Vasconcelos não dizia não aos convites que lhe surgiam. Os pernambucanos, que o têm como uma entidade, não deixaram de chamá-lo para ganhar honras de Estado sobretudo durante o carnaval. Em fevereiro, foi Naná, em pleno tratamento contra o câncer no pulmão, foi quem deu a largada às festas dos recifenses no Marco Zero. Era lá, em uma das festas de maior riqueza do País por explorar não um, mas vários ritmos, que Naná tinha seu trono. Sua última abertura dos festejos contou com a presença de onze nações de maracatu e quatro tribos de caboclinho, duas manifestações das mais importantes que determinaram a personalidade de Naná Vasconcelos. No carnaval de 2013, sua presença havia sido ainda mais forte. A abertura feita com o amigo Milton Nascimento contou com um acompanhamento de 500 percussionistas. Ao todo, Naná abriu o carnaval dos pernambucanos por 13 vezes.

O músico usava também de forma não convencional o berimbau, uma de suas marcas. Ele sobrepunha sua voz ao som da corda vibrante e conseguia efeitos surpreendentes.

No exterior, Naná se tornou um dos representantes da música brasileira mais festejados no mundo. Gravou ou atuou no palco ao lado de Jon Hassel, Pat Metheny, Evelyn Glennie, Miles Davis, Jack DeJohnette, Trilok Gurtu, Jan Garbarek. Com Don Cherry e Collin Walcott, formou, entre os anos de 1978 e 1982, o grupo de jazz Codona e lançou com ele três discos. Em 1981, se apresentou no Woodstock Jazz Festival em comemoração ao décimo aniversário do Creative Music Studio. E, em 1998, participou do projeto Onda Sonora: Red Hot + Lisbon, uma compilação beneficente em prol do combate à aids, produzida pela Red Hot Organization.

Naná lutou o quanto pode contra a doença nos pulmões. Acreditou que não seria levado tão cedo pelos deuses que tanto evocou girando instrumentos ao céu ou soltando sons que pareciam se comunicar com seres de outro mundo. Quando foi diagnosticado com o câncer no pulmão, em 2015, submeteu-se ao tratamento doloroso, ao menos, com aparente tranquilidade, sem desespero. Mas fez como Dominguinhos, outro pernambucano arretado que partiu vítima da mesma doença, no mesmo órgão que parecia indestrutível quando o músico estava sobre um palco. Naná e Dominguinhos resolveram permanecer na estrada até que soasse o último sinal.

O primeiro contato de suas mãos com a pele de algum instrumento de percussão se deu cedo, aos 7 ou 8 anos, quando Naná foi admitido pelo próprio pai para tocar bongô e maracas em um conjunto do Recife. A música invadia sua casa pelo rádio da sala e pelo violão do velho Vasconcelos. Naná sentiu a música nascendo em casa, assistindo aos ensaios que o pai fazia. Seu primeiro instrumento profissional, no entanto, não foram os sets de percussão que mais tarde ele mesmo criaria e aumentaria, mas a bateria.

Naná se tornou o maior na percussão do País. Fez com Egberto Gismonti, em 1976, um de seus discos mais importantes, Dança das Cabeças. Aos que tinham dúvidas do que ele poderia fazer com alguns instrumentos no palco, bastavam minutos diante de sua performance para entender o fascínio que causava no mundo. Ele regia a plateia, dividindo-a em ‘naipes’. Alguns batiam palmas, outros assobiavam, outros tocavam as bochechas. E todos eram transportados para algum canto criado pela imaginação de Naná Vasconcelos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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