Diretor Oswaldo Mendes realiza leitura dramática com elenco especial de artistas

No ano em que a peça sobre a trajetória de Leon Trotski (1879-1940) estreou em Londres, em 1969, o autor Peter Weiss (1916-1982) teve muitos problemas. “Todos ficaram contra ele. Os socialistas e comunistas diziam que o espetáculo não era enfático em defender o intelectual russo”, explica o diretor e ator Oswaldo Mendes, que conduz uma leitura dramática de Trotski no Exílio neste sábado, 28, na Casa do Saber. “As críticas foram tantas que foi a última peça escrita por Weiss. Depois disso, ele foi para o cinema e outras áreas.”

O convite veio da atriz Maria Fernanda Cândido, uma das fundadoras da instituição, que desejava retomar à programação teatral no espaço. “Ela perguntou se eu tinha algum texto e, de pronto, respondi. Essa obra mora na minha estante há uns 40 anos. Todo dia, eu dava de cara com ela”, conta o diretor. Antes disso, nos anos 1970, o cineasta Luís Sérgio Person teria adaptado o texto e chamou, sem sucesso, Mendes para montar. “Imagine estrear uma peça sobre um comunista durante a ditadura? Era muito perigoso”, relembra.

O teatro épico de Weiss inicia com segundos antes da morte de Trotski, quando o espanhol Ramón Mercader, encarregado por Stalin para executá-lo, preparava para golpear a cabeça do russo com uma picareta de alpinista, em sua sala no México. “E como em um flashback.” Em seguida, a história salta para a primeira vez em que Trotski foi preso e é deportado para a Sibéria. “Ele tinha 18 anos e estava começando a se envolver com grupos revolucionários. O rapaz ainda não conhecia o pensamento de Karl Marx. Isso se deu mais tarde, no seu primeiro casamento”, conta Mendes.

Para dar conta dessa intrincada história – são mais de 50 personagens -, o diretor convidou artistas e “amigos de todas as tribos” para encamparem a obra de Weiss. Entre os principais papéis, o ator Antonio Fagundes vive o intelectual e Maria Fernanda interpreta uma estudante que visita Trotski. O crítico teatral do Estado Jefferson Del Rios também participa da leitura ao lado do diretor regional do Sesc em São Paulo, Danilo de Miranda, e o presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Rudifran Almeida Pompeu.

Mendes, que também vive o ditador Lenin, explica que o propósito de encontrar profissionais de diversas áreas para a leitura é a qualidade de vozes e experiência. “Os atores já sabem como fazer isso, mas eu também queria ter a voz daqueles que não são artistas. A proposta é que eles sejam do que jeito são. Isso traz um colorido e uma variedade na leitura. Costumo brincar com eles que temos um elenco inteiro para encher do Titanic aos Dez Mandamentos. É uma bela polifonia!”

Para Mendes, a particularidade da obra de Weiss é a de ser um teatro de ideias. Mais que ações, os diversos personagens entram e saem, por vezes com um ou duas falas, e acrescentam olhares sobre os conceitos trazidos. Parte dos conflitos estava no difícil consenso sobre como deveria ser a “arte revolucionária”. Em um trecho, Trotski defende o nascimento de uma arte nova, que se unisse à causa social para libertar o povo dos velhos padrões – uma arte livre para libertar o mundo. “Não existe liberdade absoluta para a arte”, responde Lenin. “A arte tem que tomar partido. A arte tem que ser um espelho em que a gente possa se olhar. Vamos nos defender do escárnio que se apresenta como gênio criador, vamos nos defender da vulgaridade, do cinismo, do desprezo pelo ser humano.”

Para Mendes, a discussão desemboca nas atuais política culturais. “Quando conversa sobre a função das expressões artísticas do Estado, o governo tem um comportamento que, via burocracia, tende a atrapalhar a ação de artistas inovadores. O que fazer?”, questiona.

Após a morte do chefe de Estado interpretado por Jairo Matos, Trotski organiza o Exército Vermelho para combater Stalin e conquistar a União Soviética. Vencido, o russo é exilado e refugia-se no México a convite do pintor Diego Rivera, marido da pintora Frida Khalo.

Mendes também conta que acrescentou informações de outras obras produzidas sobre o intelectual. Uma delas é o recente romance O Homem que Amava os Cachorros (Boitempo Editorial, do cubano Leonardo Padura. “Eu me senti trabalhando ao lado de Weiss para tecer o perfil de Trotski. É importante se deparar com a atualização desses relatos e poder cruzá-los na dramaturgia.”

Com elenco afiado para o sábado, o diretor afirma que já sente uma certa saudade dos encontros. “Os ensaios foram muito agradáveis. São raras as oportunidades que podemos estar com tantos amigos.” Ele conta que tamanho sucesso deixou o desejo por continuar. “Alguns já estão até querendo montar o espetáculo”, brinca. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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