Diretor Tommy Lee Jones acerta o tom em ‘Dívida de Honra’

Nem A Série Divergente: Insurgente nem Ponte Aérea, muito menos Mapas para as Estrelas, que está só num horário. O maior sucesso do fim de semana na sala de cinema do shopping Frei Caneca – além do eterno Relatos Selvagens – foi Dívida de Honra, de Tommy Lee Jones, com Hilary Swank. No original, chama-se The Homesman, literalmente O Pioneiro, mas, no Brasil, o título foi trocado. Baseia-se no livro de Glendon Swarthout, premiado com os principais troféus da literatura de western dos EUA. Mas, atenção, existem outros livros com o mesmo título no Brasil – uma aventura de espionagem de Tom Clancy, um melodrama barato de Vanessa James. A edição de Dívida de Honra que inspirou o filme é da Planeta. É enriquecida por textos, um prefácio e um posfácio sobre o autor.

De cara, um dado importante que pode ser uma surpresa. Dívida de Honra/The Homesman é produzido pelo francês Luc Besson, que, como diretor, não costuma gozar do favor dos críticos. Mas, de novo, atenção – Besson vem propondo releituras interessantes de gêneros tradicionais do cinema norte-americano. Dívida de Sangue passa-se num cenário de faroeste, embora esteja longe de ser um relato tradicional do gênero. O filme, inclusive, segue o livro ao propor uma inversão de ponto de vista. Começa pelo olhar de Mary Lee, a personagem de Hilary. Pense nos grandes westerns de John Ford, de Howard Hawks, de Raoul Walsh. Eles atribuem funções dramáticas específicas a homens e mulheres.

Os primeiros são provedores, andam armados, conduzem manadas, brigam a socos e trocam tiros. O espaço do homem é, preferencialmente, externo – o mundo. Se o homem, no Oeste, é errante por natureza, a mulher representa suas raízes. Tirando a cantora de saloon, eufemismo de prostituta, a mulher é do lar. Seu mundo é a casa. Mary Lee segue, ao mesmo tempo que subverte, esse conceito. Ela é boa em tudo o que faz. Monta, conduz o arado, pilota o fogão, até simula tocar piano enquanto canta. O problema é que ela está ansiosa para se casar. E, além de não ser considerada atraente, é mandona. Mary Lee afugenta os homens.

Logo na abertura de Dívida de Honra, mais um dos possíveis – que ela espera que sejam – pretendentes dispara quando Mary Lee, ao cabo de um jantar, lhe propõe casamento. A condição das mulheres nunca foi fácil no western. Poucas sacam da pistola como Joan Crawford e Mercedes McCambridge, que se enfrentam no final do feminista Johnny Guitar, de Nicholas Ray.

Em Dívida de Honra, três mulheres enlouquecem. Alguém terá de transportá-las para o Leste, devolvendo-as aos parentes para que promovam a internação em hospícios. Ninguém se oferece para a tarefa, exceto Mary Lee. E, quando o faz, no minuto seguinte, ela sai da igreja e olha a extensão de terra à sua frente. O espectador sente sua vacilação, a dúvida, mas Mary Lee não é mulher de recuar.

Quase em seguida, ela encontra George Briggs com a corda no pescoço, tentando equilibrar-se sobre o cavalo para não morrer enforcado. Mary Lee o salva, mas arranca dele a promessa de que a acompanhará nessa jornada que se revela ainda mais difícil que ela pensa. As mulheres, todas alienadas, não colaboram. E Mary Lee, lá pelas tantas, vai fazer o que sempre faz – pressiona Briggs para que se case com ela. Além de interpretar o ‘pioneiro’, Tommy Lee Jones é o diretor. Ele não apenas tem noção do tempo, do espaço. Preocupa-se com a verossimilhança das cenas e a autenticidade dos personagens.

Veja o filme, leia o livro. Tommy Lee, que também coassina o roteiro, reproduz cenas e diálogos do livro. Existem duas rupturas, e a mais fácil de descrever, sem prejuízo de revelações que tirem a graça ou o impacto da narrativa, é a passagem de ponto de vista, quando o filme adota a visão dele, Briggs. Tudo converge para esse momento em que as loucas serão entregues à mulher de um pastor, interpretada por Meryl Streep. Você sabe que Meryl pode dominar um filme sendo protagonista ou fazendo um pequeno papel (como em Caminhos da Floresta). A partir da cena do hotel, quando a diligência – um carro blindado – chega ao alojamento que nega assistência às mulheres, tudo o que ocorre não se assemelha a nada que os admiradores de westerns estejam acostumados a ver. Como em Os Três Enterros, sua experiência anterior como diretor, Tommy Lee revela-se um verdadeiro mestre na desconstrução dramática. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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