Rap promove Batalha do Conhecimento

O silêncio costumeiro do Museu de Arte do Rio (MAR), localizado na região portuária da cidade, foi “perturbado” no fim da tarde da última terça-feira, 29, pelos graves e agudos das batidas de hip hop. O som, estranho no local, atraiu cerca de 1.500 jovens, entre meninos e meninas, com suas roupas largas, bonés de aba reta e cabelos black, que foram acompanhar a Batalha do Conhecimento. O duelo de rap contou com a presença de 16 MC’s que disputaram quem improvisava melhor rimas baseadas em temas pré-determinados, com ênfase em uma exposição hospedada no museu.

Os encontros de rap têm se proliferado pela capital fluminense, principalmente as “batalhas de sangue”, duelos de improvisação com foco no ataque ao rival, às vezes com ofensas e agressões. A lógica da Batalha do Conhecimento é outra. Ela ocorre sobre tema ligados à educação, cultura, política. “Gosto das batalhas de sangue, mas também curto a do conhecimento, só que aqui é diferente. A gente aprende ouvindo o rap”, contou o estudante Márcio Roberto, que veio da cidade de Magé, na região metropolitana, e além de assistir a disputa, aproveitou para ver as exposições do museu.

A estrutura onde ocorrem as batalhas é montada no térreo do museu para não atrapalhar a visitação às mostras no interior do prédio de cinco andares. “Parte desse público nunca esteve em um museu. Está em nosso DNA querer atrair as pessoas de comunidade, que não frequentam este espaço”, explicou Carlos Gradim, diretor do MAR. “Às vezes, eles não se sentem pertencentes a este espaço, que é deles”.

As palavras usadas na batalha devem permear a exposição hospedada no museu, Do Valongo à Favela, referente ao desenvolvimento da zona portuária do Rio. A região foi um dos principais pontos de chegada de africanos escravizados no Brasil, no século 19, abrigava o cemitério dos pretos novos, onde africanos que não suportavam a viagem no navio negreiro eram enterrados, próximos à do Morro da Providência, primeira favela do Rio. A exposição é dividida em telas, projeções e objetos que abordam a marginalização do povo negro na região, que à época era considerada um antro de malandros, capoeiras e prostitutas.

Em contrapartida, foi um dos berços de importantes movimentos populares cariocas, como o samba e resistência contra a segregação social e religiosa na então capital do Brasil. O MAR fica instalado justamente nessa região simbólica. E a presença dos MC’s ali remete a essa resistência popular de outrora, desta vez por intermédio do rap que carrega a veia de reivindicação. “Essa batalha é uma forma de a gente tentar quebrar a percepção de que Museu é um lugar de velhos, feito para guardar coisas antigas. Eles tornam o museu vivo, de manifestação pulsante. É uma memória, um passado que dialoga com o presente”, definiu Gradim.

Iniciada a batalha, uns MC’s se mostravam tímidos, outros mais soltos até interagiam com o público, que urrava quando as rimas eram bem boladas. No fim, a plateia escolhia os vencedores de cada duelo. O título ficou com MC Bernard, de 16 anos de idade, morador do bairro da Pavuna, no subúrbio, que vestia uniforme de seu colégio, boné para trás e óculos escuros. Bernard destoava pela velocidade das rimas e as palavras de impacto e fez a plateia vibrar ao rimar sobre preconceito. “Isso aqui é vertigem, se é gay, se é homem, o que importa é que a gente tem a mesma origem”, encerrou um verso.

A Batalha do Conhecimento foi idealizada pelo MC Marechal, nome forte do rap independente. Apesar de não ter lançado um disco em mais de dez anos de carreira, ele já foi convidado a cantar em diversos países e se destaca pela capacidade de improvisação. Ele se recusou a dar entrevista à reportagem.

Marechal conduzia a Batalha do Conhecimento de forma itinerante, mas foi convidado pela direção do MAR para abrigar o evento ali a partir de janeiro deste ano. “A gente se encantou com o trabalho do MC Marechal, ele tem uma ligação muito forte com a comunidade. E com apoio dele conseguimos fazer o diálogo entre os jovens e o museu”, contou o diretor do MAR. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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