Documentário de Gabriel Mascaro vai ao Festival

Ventos de Agosto, de Gabriel Mascaro, parece, como foi definido no debate realizado nessa segunda-feira, 22, no 47.º Festival de Brasília – que termina nesta terça-feira, 23 -, um documentário que não ousa dizer seu nome. Nada há de ofensivo nisso. Pelo contrário. Alguns dos filmes mais importantes da cinematografia moderna – como Iracema, de Jorge Bodanzky & Orlando Senna, e Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo – têm forte base documentária e a colocam a serviço de uma linha ficcional.

Desse modo, Mascaro e equipe se deslocam a um lugarejo semi-isolado no litoral de Alagoas e flagram o cotidiano da comunidade. Nesse meio, há a ficção: o romance entre Shirley, que veio da cidade cuidar da avó idosa, e o pescador e catador de cocos Jeison. Há algumas cenas tórridas entre os dois, mas nada explícito. Cenas de pesca submarina, o encontro de algumas ossadas, etc.

Mascaro conta que foi atraído por um registro de que as marés altas estavam invadindo o cemitério local e desenterrando restos mortais, que assim desembarcavam nas praias. Com isso, introduz a temática da morte, que é tratada de maneira muito natural pelos habitantes. Embora estes não interpretem os próprios papéis, estão presentes na filmagem ficcional. Há um sabor de “verdade” no texto fílmico.

Não há controle (pelo menos controle total) sobre os personagens. E, desse modo, o filme se constrói primordialmente por seus acidentes de percurso.

Ventos de Agosto parece um filme interessante, com alguns momentos sensíveis e certo impacto de imagem. Falta-lhe, como falta a quase toda a produção autoral contemporânea, uma elaboração maior sobre os fundamentos da obra. É como se não tivesse um eixo e fosse seguindo em frente meio aleatoriamente. Essa indeterminação, hoje, é uma espécie de blue chip na bolsa de valores da estética e é encarada como indiscutível, até mesmo para a crítica que, por dever de ofício, deveria se empenhar mais em desconstruir (no sentido de ver do que é feita) a obra do que em elogiá-la.

Por isso, parece de todo irrelevante a comparação entre Ventos de Agosto e Barravento, que foi feita no debate a propósito de citação de não se sabe qual crítico europeu, que viu o filme em Locarno. A única aproximação entre os dois filmes é o fato de terem sido rodados em paisagens litorâneas relativamente isoladas (como são as praias alagoanas de um e como era no outro a Praia de Buraquinho na época de Glauber Rocha). Para o bem e para o mal, havia no projeto de Glauber uma ideia central a orientar a obra. Ou seja, a aldeia de pescadores, na qual o dono da rede e do barco exerce o domínio, amparado pela religião, estrutura de exploração abalada pela chegada por um elemento estranho à comunidade (Antonio Pitanga, que dali saiu e está de volta após ter morado na cidade), que coloca uma dimensão de conflito bem palpável. Talvez essa ideia de base orientasse demais a ficção, inibindo-lhe a liberdade, etc. Em nome da liberdade total, a nova ficção brasileira arrisca-se a ficar sem ideias. É tudo muito bonito, às vezes muito estimulante, mas… e daí? As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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