Arnaldo Jabor lança o livro ‘O Malabarista’

Das doces reminiscências de infância ao ataque sem pudor contra as mazelas sociais, o leitor de Arnaldo Jabor gosta, de fato, de sua sinceridade, independentemente do assunto. “Descobri que tenho um público heterogêneo, de todas as classes sociais”, afirma o cineasta e cronista do jornal O Estado de São Paulo. “Apesar de erros eventuais que eu possa cometer (e realmente cometo), minha franqueza é mais admirada, algo que considero fundamental para um texto ter valor.”

É tal diversidade de assuntos que marca o novo livro de Jabor, O Malabarista, lançado agora pela editora Objetiva. O título traduz bem o teor dos textos selecionados, desde os mais sentimentais até os mais contundentes. De sua espingarda verbal, tanto são disparadas flores como balas.

O livro é dividido em duas partes – a primeira, intitulada Infância, reúne artigos sobre os primeiros anos e a adolescência nas décadas de 1950 e 60, em um subúrbio de classe média. Trata-se de uma escrita mais poética, com lembranças sobre os pais, a iniciação sexual, a pacata vida daquela época no Rio. “Nessa primeira parte, uni todos os textos sobre minha infância e fiz uma espécie de novela”, comenta ainda.

A segunda, sugestivamente intitulada E Depois…, registra o final do idílio, simbolizado pelo incêndio na sede da UNE. Esse ponto marca a chegada do Jabor combatente, inconformado, por vezes desiludido. É com esse olhar crítico e já cinematográfico que ele observa situações absurdas, como a clínica em Caruaru onde a quantidade crescente de mortes é sinal de lucro para seu proprietário. Ou a triste figura do garoto que equilibra bolinhas no sinal de trânsito em troca de esmolas, situação que desperta de compaixão a revolta.

“Gosto de me meter em qualquer tema, pois me sinto útil ao falar sobre assuntos do Brasil”, observa Jabor. “Não sou simpatizante de nenhum partido político. Não sou tucano, como gostam de dizer, mesmo acreditando que Fernando Henrique Cardoso foi o melhor presidente que o Brasil já teve. Na verdade, acredito que a melhor solução seria a junção de ideologias: aquela primitiva, original do PT (que nada se parece com o partido que hoje governa o País) com o conservadorismo liberal que existe em outras áreas. O que hoje faz mal ao Brasil é o fanatismo, o unilateralismo, a intolerância, isso é perigoso.”

Quando escreve suas crônicas para o jornal O Estado de S.Paulo e outros jornais, Arnaldo Jabor não espera que o texto tenha uma vida útil muito curta e “vá embrulhar peixe no dia seguinte”, ironiza, citando um jargão. “O jornal impresso é um suporte fantástico para escrever crônicas de qualidade. Basta lembrar que Machado de Assis produziu muito material que foi inicialmente publicado em diários, além do clássico exemplo de Euclides da Cunha, cujas reportagens para o Estado originaram Os Sertões.”

Ao escrever, Jabor lembra-se de seus mestres, especialmente Nelson Rodrigues, de cuja retórica alucinante muitas vezes procura se aproximar, e Eça de Queiroz, de quem admira a perfeita ironia ao observar a sociedade. E, embora exerça a função jornalística há mais de 20 anos, Jabor se entende essencialmente como um cineasta. E, depois de apresentar um grande painel onírico e social do Rio em A Suprema Felicidade (2010), ele agora se prepara para algo mais tímido.

“Quero adaptar o conto de um grande autor brasileiro, que vai resultar em um roteiro com poucos personagens”, adianta.

TRECHO

Nós morávamos em casa de subúrbio, pequena, com quintal, galinha e mangueira. Tudo era baldio, cambaio, toda a precariedade do subúrbio era visível a olho nu. Nas família vizinhas sempre havia uma ponta de silêncio, olhos sem luz, depois de casamentos esperançosos com buquês arrojados para o futuro que morria aos poucos. Não era tristeza da pobreza: a tristeza era quase uma ‘virtude’ que as famílias cultivavam”

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